Em sintonia com o tema central da 73ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – “Todas as ciências são humanas e essenciais à sociedade” –, a mesa-redonda desta quinta-feira, 22, recebeu pesquisadores para debater a centralidade da ciência no Brasil a partir de diversas perspectivas interdisciplinares, observando o conhecimento como um importante instrumento social e considerando o atual contexto de desvalorização das produções científicas.

Intitulada “As ciências são sobretudo humanas?”, a mesa on-line foi coordenada pela professora Cláudia Lago, da Universidade de São Paulo, e reuniu os pesquisadores Margarida Salomão (atual prefeita de Juiz de Fora), Andréa Zhouri (Universidade Federal de Minas Gerais), Aldo Zarbin (Universidade Federal do Paraná), Patrícia Valim (Universidade Federal da Bahia) e Reinaldo Guimarães (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Polo de resistência ao obscurantismo

A historiadora Patrícia Valim argumentou sobre como o negacionismo – ou seja, a atitude de negar a validade de fatos comprovados por evidências científicas – dá sustentabilidade à governamentalidade política exercida pelo campo da extrema direita no Século XXI. “A partir dos desdobramentos dessa governamentalidade negacionista, outro ponto que gostaria de colocar é como a deslegitimação do poder não ocorre somente a partir do domínio do território, mas sobretudo a partir do domínio sob o tempo – o domínio da rapidez que marca a nossa sociedade.”

Por sua vez, o pesquisador Aldo Zarbin, especializado em Química, reforçou que a ciência encontra seu sentido quando é voltada para responder questões relacionadas à existência do ser humano ou para a melhoria da qualidade de vida na Terra – uma vez que o próprio domínio científico é o responsável pela ascensão dos seres humanos no planeta. “A ciência, de uma forma geral, nos obriga a pensar e cria polos de resistência ao obscurantismo, ao negacionismo, ao atraso, ao preconceito, à segregação e ao fanatismo. Como Galileu falava, ‘de todos os ódios, nenhum supera o da ignorância ao conhecimento’.”

Construção da verdade está sempre em andamento

A prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão, criticou o ranqueamento dos saberes, ou seja, formas de classificar diferentes tipos de conhecimentos como estando “acima” ou “abaixo” de outros. “Todas as ciências são construções históricas, são expressões de consensos sociais. É também essencial às ciências que a construção da verdade seja sempre uma construção social, porque ela demanda o assentimento dos pares, as contracríticas e os fóruns de avaliação das hipóteses. Por isso, a construção da verdade é social e provisória – porque nós não estabelecemos o limite de cada conhecimento.”

Crítica à desumanização do fazer científico

Fazendo eco aos colegas, o pesquisador em Saúde Coletiva, Reinaldo Guimarães, que também atuou como Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde entre os anos de 2007 e 2010, defendeu que as Ciências Humanas não são “apenas elementos acessórios” aos outros campos científicos, chegando a ocupar papéis centrais em áreas como a da Saúde. O pesquisador também teceu uma crítica à taxonomia e à estrutura organizacional por vezes adotadas por agências de fomento e instituições de pesquisa. “Ambas, quando pensadas em um tempo histórico e um critério disciplinar tradicionais, desumanizam o fazer científico e tecnológico porque tendem a esterilizar parte das contribuições científicas das Ciências Humanas.”

Nenhuma ciência é desenraizada 

“Se todas as ciências são sobretudo humanas, minha provocação segue no sentido de indagar: que ciências são essas e para quais humanos elas têm sido colocadas em prática?”, questionou a antropóloga Andréa Zhouri, que desenvolve estudos no campo dos conflitos socioambientais. A pesquisadora utilizou sua fala, responsável por fechar as apresentações da mesa, para apresentar questões aos colegas de evento, propondo reflexões tanto para dentro quanto para fora do meio científico. “Como cientistas, devemos nos atentar para as condições de produção das nossas pesquisas e os efeitos que elas produzem no circuito de correlação de forças e poder que regem a sociedade em que vivemos.”

73ª Reunião Anual da SBPC

O evento conta também com programação Jovem e Família, além de eventos culturais ao longo de sua duração. Toda a programação e a cobertura dos eventos estão reunidas no hotsite da 73ª Reunião Anual da SBPC na UFJF.

Confira a mesa-redonda “As ciências são sobretudo humanas?”