Ao longo desta semana, nós conhecemos os projetos e um pouco da trajetória dos artistas por trás de cada uma das seis produções de Governador Valadares contempladas no “Prêmio Janelas Abertas”, iniciativa da Pró-Reitoria de Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) dedicada a apoiar a classe artística, tão prejudicada por conta da pandemia do novo coronavírus. E não poderia haver trabalho melhor para encerrar esta série de matérias do que “Eu Quero a Vida”, canção do músico valadarense Maurício Mansu que traz uma mensagem de esperança e otimismo em um momento tão difícil para quem tem a arte como o seu ganha pão.
Para Luiz Cláudio Ribeiro, que integrou a comissão responsável pela avaliação dos projetos participantes, a música de Mansu traduz bem a proposta do “Janelas Abertas”. “O edital foi pensado para esse momento de pandemia, onde as pessoas estão mais reclusas, o que pode levá-las a questionamentos sobre a própria vida, sobre o que fazer e como fazer. E esse aspecto, em alguma medida, foi colocado no projeto ‘Eu Quero a Vida’, o dilema entre o desejo e a realidade. A gente, eventualmente, poderia ter muitos desejos e a intenção de realizar muitos projetos, mas em uma pandemia dessas, o que a gente pode realizar, o que é possível de ser feito?”, questiona.
O músico vai um pouco além. “Ela fala como, às vezes, qualquer pessoa se sente, como é que você quer a sua vida. Isso é uma busca eterna que todo mundo tem. Do primeiro despertar da manhã ao cair da noite você está aí: ‘Como é que eu quero a minha vida?’”, explica.
Qualquer semelhança entre o título da canção e a história de Mansu não é mera coincidência. Desde criança, ele já sabia muito bem o que queria da vida. E embora a letra não seja de sua autoria [foi composta por seu ex-aluno de música, Marcelino Gomes], os versos traduzem, em certa medida, a trajetória do músico, que enfrentou grande resistência da família para seguir na profissão:
“A minha história com a música é bem diferente da maioria das pessoas. Quando fiz a primeira nota, o primeiro acorde no violão eu tinha quase 20 anos. Não venho de uma família de músicos. Também não venho de um convívio de amigos com a música. Eu despertei para a música, com muito interesse e com muita vontade de entender e fazer parte daquilo, mais ou menos, com 13 anos, mas só aos 20 eu tomei a atitude de aprender. Na minha família isso era um assunto proibido. Meus pais eram abertamente contrários a qualquer iniciativa a respeito de artes. Então eu tive que entrar quase na vida adulta para ter uma liberdade financeira e assumir isso. Mas era uma coisa tão forte em mim que quando eu comecei a fazer as primeiras aulas os professores disseram que eu tinha muita facilidade”, conta Mansu, que ainda faz questão destacar que além da carreira, sua vida pessoal também começa nesse momento: “Antes disso eu era tipo uma planta em um canto.”
Mas apesar de considerar que sua entrada na música tenha acontecido tardiamente, Mansur logo tratou de recuperar o “tempo perdido”, e por isso mesmo se orgulha de cada passo da sua carreira. “Eu já estava tão predeterminado que três ou quatro anos depois eu já estava dando aulas. O meu próprio professor viu a minha paixão, quase que uma coisa irracional (…) Fui subir em um palco com 23 ou 24 anos. Mas isso só serve para alimentar o meu desejo de continuar, continuar, continuar…”
E como a palavra persistência sempre fez parte do seu repertório, depois de mais de duas décadas atuando apenas como instrumentista, ele viu a necessidade de se dedicar também à carreira de cantor e compositor. “Eu precisava me adaptar. Entendi que tinha que cantar, não tinha saída, e acabei me descobrindo um cantor. E aí comecei toda uma pesquisa para tentar entender qual era a minha voz, quais eram os tons ideais, e ainda estou nessa pesquisa, que vai durar muito tempo”, explica.
É por isso que ser contemplado no “Janelas Abertas” funcionou como uma coroação, um marco dessa nova fase criativa de Mansu. “Dá um impulso. As minhas premiações em outras situações não foram como essa (cantor e compositor), eu estava sempre atrelado a alguém. E dessa vez foi diferente, foi uma coisa que nasceu cem por cento de mim. Eu gravei, arranjei, criei melodia, coloquei exatamente do jeito que eu queria. Aquilo ali sou eu. E ser reconhecido por isso não tem preço. Te dá uma sensação de direcionamento que é surreal para mim, que sou músico do interior e que sempre tive como foco trabalhar assim”, comemora.
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