Márcio Souza é orientado pela professora Lúcia Fraga, também da UFJF-GV (Foto: Divulgação)

Mundo afora, as atividades acadêmicas foram comprometidas pela pandemia do novo coronavírus. O distanciamento social necessário para o enfrentamento do vírus que causa a covid-19 atrasou cronogramas e alterou a rotina de inúmeros estudantes e pesquisadores. Alguns dos servidores do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-GV) afastados para cursarem doutorado no exterior relataram ao nosso portal de que forma o desenvolvimento de suas pesquisas foi afetado pela crise mundial de saúde pública.

Professor do departamento de Ciências Básicas da Vida (DCBV), Márcio Luís Moreira de Souza está afastado para cursar doutorado no Programa de Pós-Graduação Multicêntrico na área de Bioquímica e Biologia Molecular (PMBqBM/UFJF-GV). Em  novembro de 2019, com o apoio financeiro da CAPES, Márcio viajou para os Estados Unidos após ser selecionado pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior para realizar um ano de estudos na Universidade da Califónia, em San Diego (UCSD).

A pandemia  do novo coronavírus , no entanto, pode atrasar o desenvolvimento da pesquisa intitulada “Reconhecimento de padrões moleculares, clínicos e imunológicos para criação de algoritmo da suscetibilidade e evolução clínica da Hanseníase baseado em inteligência artificial”, e adiar o retorno do pesquisador ao Brasil. “Tínhamos previsão de realizar experimentos com amostras biológicas vindas do Brasil nesse primeiro semestre mas essas atividades foram adiadas. Minha orientadora está mantendo contato com as instituições responsáveis sobre as deliberações acerca de experimentos em laboratórios para viabilizar o envio das amostras. Apesar de tudo, sigo minha capacitação mesmo que em modo EaD, visto que a UCSD não está oferecendo aulas presenciais. A maioria dos programas de pesquisa daqui tem adotado web conferências, inclusive os da Skaggs School of Pharmacy and Pharmaceutical Sciences, em que estou alocado. Quanto à análise de dados e simulações, muitas soluções estão surgindo em termos de capacitação online. Tenho investido meu tempo nisso, até que os experimentos sejam liberados. Estamos aproveitando ao máximo a oportunidade afim de maximizar a transferência de tecnologia que é a grande recompensa da internacionalização dos programas de pós-graduação”, destacou Márcio, que é orientado pela professora Lúcia Alves de Oliveira Fraga (DCBV/UFJF-GV).

Em San Diego, na Califórnia, foram relatados 8.619 casos de covid-19 e 296 mortes. O agravamento do número de casos fez com que a população de mais de três milhões de habitantes mudasse alguns hábitos.  “O cenário atual também mudou minha rotina pessoal. Esta foi afetada especialmente por meu filho não poder ir à escola e minha esposa estar privada de seus estudos na escola de idiomas. Com todos em casa, meu regime de home office e EaD tem sido um pouco prejudicado. Tenho acordado mais cedo para realizar atividades que demandam mais atenção. Em termos de comportamento da população de San Diego, tem sido obrigatório o uso de máscaras em supermercados, transportes públicos e transportes por aplicativo. Também são seguidas e fiscalizadas normas de distanciamento e higienização. Porém, há alguns dias começou certo relaxamento nessas normas em função do declínio aparente da força do vírus, de forma que a economia possa recobrar aos poucos sua saúde”.

A experiência em Portugal

Renato ficou oito meses em Portugal (Foto: Divulgação)

Se em alguns casos a pandemia pode adiar o retorno de pesquisadores ao Brasil, em outros ela provocou o abreviamento da viagem. É o caso do administrador da UFJF-GV, Renato Araújo. Em setembro de 2019, Renato viajou para Portugal após ser aprovado no programa de doutorado da Universidade da Beira Interior, em Covilhã, próxima a fronteira com a Espanha. Pretendia ficar na região por no mínimo dois anos desenvolvendo a pesquisa para o Doutorado em Gestão, mas a pandemia aliada à desvalorização do Real frente ao Euro fez com que retornasse ao Brasil ainda em maio de 2020.

“Primeiro, o euro subiu consideravelmente, o que reduziu demasiadamente o poder de compra. O afastamento para pós-graduação não me permite outro trabalho, então eu dependia única e exclusivamente da remuneração brasileira e da bolsa do Programa de Apoio à Qualificação da UFJF (PROQUALI). Em segundo lugar, como a Espanha rapidamente teve diversos casos de contágio local, Portugal resolveu estabelecer uma rígida situação de emergência, com circulação restrita de pessoas, suspensão das aulas presenciais de 16 de março a 31 de maio e controle policial nas ruas. Só era permitido, inicialmente, ir aos supermercados e farmácias. Isso tudo morando em um apartamento pequeno e com uma criança de apenas 1 ano e meio em casa. Era difícil me concentrar nos estudos e ao mesmo tempo cuidar da minha filha, uma vez que nem as creches estavam abrindo. Em terceiro lugar, a fragilidade emocional por todos os acontecimentos: a distância dos familiares, a preocupação em adoecer, a preocupação com o desabastecimento dos supermercados, a busca por soluções financeiras; ou seja, tudo isso prejudicou o andamento dos estudos”.

No Brasil desde o dia 27 de maio, Renato foi autorizado pela universidade portuguesa a continuar a pesquisa remotamente, mas terá que retornar a Portugal em duas oportunidades. “Como as aulas presenciais foram suspensas e o Reitor autorizou que os estrangeiros sejam avaliados a distância, decidimos antecipar nosso retorno ao Brasil, onde irei continuar as disciplinas deste semestre. A partir de setembro, quando inicia o novo semestre, terei que me debruçar em iniciar meu projeto de pesquisa, sem contato direto com o orientador, o que pode prejudicar um pouco meu trabalho. Também tive gastos imensos com passagens aéreas para retornar ao Brasil e agora terei que ir a Portugal, obrigatoriamente, em março de 2021, para participação em seminário e depois no fim de 2022 para a defesa da tese. A produção dos artigos para as disciplinas presenciais foi extremamente afetada, estou deixando praticamente tudo para fazer agora em junho e julho, com o retorno ao Brasil”.

Portugal registrou até 16 de junho 37.036 casos e 1.520 mortes em razão da covid-19. Foi considerado um exemplo positivo no avanço do novo coronavírus, uma vez que desde o início da pandemia os portugueses seguiram as recomendações da Organização Mundial da Saúde. “O país conseguiu lidar muito bem com a Covid-19 logo no início, por exemplo: em março foi ordenado que somente os serviços essenciais funcionassem, as multas por desobediência eram pesadas, a partir de 18 de maio a maioria dos estabelecimentos comerciais foram reabertos, as empresas respeitavam as normas emanadas pelas autoridades, os cidadãos evitavam ao máximo sair de casa, a prefeitura da cidade distribuiu gratuitamente máscaras reutilizáveis, o governo permitiu que os residentes pudesses atrasar pagamentos de aluguel, contas de água e de luz sem cobrança de multas ou cortes/despejo, os prazos de tudo que venceria foi postergado para junho/2020. Ou seja, o país já estava voltando ao normal em maio”, destacou Renato.