Neste mês, são celebrados o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela, liderança quilombola do século XVIII que favoreceu comunidades negras e indígenas na resistência à escravidão.

Para marcar as datas, ambas comemoradas em 25 de julho, e oportunizar reflexões sobre a realidade das mulheres negras brasileiras,  o Portal da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) entrevistou professoras, técnico-administrativas em educação e alunas que constroem a instituição. 

Nesta edição, a aluna do 5º período da graduação em Serviço Social, Carolina Fernandes, e a bibliotecária do quadro técnico-administrativo em educação, Eliane Silva Souza, falam sobre os avanços conquistados pelo movimento negro, a necessidade de engajamento das pessoas brancas na luta antirracista e a importância das universidades públicas.

Carolina Fernandes (Foto: Arquivo pessoal)

Carolina Fernandes

Aluna do  5 ° período de Serviço Social da UFJF

Acredito que os desafios das mulheres negras e não brancas no Brasil atual seguem sendo o mesmos do período pós-abolição, porém, de uma forma mais velada e que nos faz pensar que somos todas iguais. Afinal, não há mais escravidão legalizada e, perante a sociedade e a Constituição de 1988, somos todas iguais. Nós, mulheres negras, seguimos na luta por respeito, reconhecimento e por direito à vida, à liberdade e a não fetichização dos nossos corpos.

Em um período de ataque e retirada de direitos fundamentais, bem sabemos, ou deveríamos saber, que somos nós, mulheres negras, que sofremos primeiro. Compomos a base da pirâmide social. Sofremos pela negação do acesso aos espaços, sofremos dentro dos espaços, quando ocupados, pela tentativa de silenciamento de nossas bandeiras de luta, pela descredibilidade de nossas capacidades intelectuais, pelas tentativas de naturalização das opressões e de apagamento de nossas histórias enquanto mulheres negras.

Porém, são notórias, e reconheço que tivemos avanços, nas nossas reivindicações. Hoje, mesmo que timidamente, ocupamos espaços antes negados. Esse é um legado de militantes do movimento negro e das políticas de ações afirmativas, políticas essas muitas vezes criticadas, mas que trouxeram a possibilidade de inserção de várias pessoas, inclusive a minha, nas universidades e faculdades, nos cargos públicos no Brasil.

Nosso maior desafio é para a expansão dessas conquistas, para a manutenção constante, para que essas políticas sejam cada vez mais atualizadas e contextualizada, adequadas às nossas necessidades. Em tempo de retirada de direitos, manter o direitos adquiridos é fundamental, e, para além disso, garantir a sua expansão.

Dentro da Universidade, não é diferente, devemos permanecer e lutar por uma universidade cada vez mais inclusiva, mais preta, que atenda às nossas expectativas e não silencie as nossas histórias. Hoje somos exemplo para a nova geração. É nosso dever lutar para a continuidade da educação pública, gratuita e de qualidade, baseada no tripé educacional de ensino, pesquisa e extensão, mas devemos ser críticos e entender o que de fato é uma educação de qualidade.

Para mim, essa educação de qualidade deve ser uma educação que nos capacite a ser críticos, que nos possibilite intervir em diversos espaços, para uma sociedade cada vez mais inclusiva, que nos formem enquanto pessoas críticas, antirracistas, anti-LGBTQIfóbicas e contra todas as formas de opressão.

Eliane Silva de Sousa (Foto: Arquivo pessoal)

Eliane Silva de Sousa 

Bibliotecária do quadro técnico-administrativo em educação da UFJF

Quando lançamos um olhar honesto para o passado da escravidão, conseguimos compreender que a invisibilidade, a injustiça e a violência vividas pela população negra são fruto dessa realidade. É sempre importante ressaltar que a mulher negra está na base da pirâmide social, sofrendo todas as formas de opressão.  

Ainda temos muito a conquistar perante uma sociedade em que o racismo é estrutural e na qual as pessoas veem com naturalidade oportunidades serem negadas em consequência da cor da pele, a falta de representatividade de pessoas negras, a objetificação do corpo da mulher negra. 

Quando se trata de espaços de poder, isso se agrava mais ainda, porque não são espaços pensados ou destinados à mulher negra. Se para uma mulher branca a conquista de determinados espaços ainda se faz cheia de obstáculos, para a mulher negra essa caminhada é ainda mais árdua. Sempre há um olhar de estranhamento ou um comentário desmerecedor quando uma mulher negra ocupa um cargo que socialmente não foi pensado para ela. 

É preciso que a sociedade como um todo repense seus privilégios, o lugar da mulher e da mulher negra. Para isso, o feminismo negro está aí, fazendo apontamentos de como a mulher negra sempre foi invisível e silenciada ao longo da história, mesmo dentro do feminismo hegemônico. 

Acho que, no que tange o ambiente universitário, cabe também o papel de prosseguir na promoção de espaços de discussão e reflexão sobre as opressões de classe, de gênero e de raça que recaem sobre os ombros das mulheres negras. Além disso,  valorizar e divulgar a obra de intelectuais negras, como Angela Davis, Bell Hooks, Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo, que são contemporâneas e tratam com muita propriedade e embasamento a situação da mulher negra. Para além disso, cabe à universidade promover ações que possam contribuir efetivamente para mobilidade social da mulher negra.    

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