Nesta semana, são celebrados o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela, liderança quilombola do século XVIII que favoreceu comunidades negras e indígenas na resistência à escravidão.

Para marcar as datas, ambas comemoradas em 25 de julho, e oportunizar reflexões sobre  a realidade das mulheres negras brasileiras na atualidade, o Portal da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) entrevistou professoras e técnico-administrativas que constroem a instituição. Nesta edição, a técnico-administrativa em educação, Maria Ângela Costa, e a professora do Departamento de História, Fernanda do Nascimento Thomaz, falam sobre processos de invisibilização, política de cotas, feminismo negro, dentre outros assuntos.

Maria Ângela Costa
Técnico-administrativa em educação da UFJF
Coordenadora-geral do Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Instituições Federais de Ensino de Juiz de Fora (Sintufejuf)

Maria Ângela Costa (Arquivo pessoal)

Os motivos que levaram a essa data, que homenageia as mulheres negras latino-americanas e caribenhas, ainda são os mesmos que nos trazem hoje aqui. Há muito estamos lutando, desde o tempo da escravidão. Nós, mulheres negras, ficamos à margem da sociedade e a nossa vida é muito mais difícil, se comparada à vida de todas as mulheres, especialmente as brancas.  O racismo e o machismo são estruturais. O machismo não perdoa mulher alguma, nem brancas nem negras. 

É importante também defendermos a manutenção das cotas. Eu me formei em Filosofia na UFJF  e ingressei pelo sistema de cotas

Em se tratando das mulheres negras, é ainda mais cruel. Estamos em último lugar, estamos na base da pirâmide.  No topo estão os homens brancos, depois vêm as mulheres brancas, em seguida os homens negros e, por último, nós mulheres negras. Temos muito ainda pelo que lutar,  principalmente pelo tratamento que nos é dado. A disputa de poder é violenta. Poucas de nós ocupamos lugares de prestígio e destaque. São vários os exemplos. Eu sou sindicalista, militante dos movimentos sindical e social. O sindicato, no qual agora estou como coordenadora geral, já fez mais de 50 anos de história, somados os tempos de associação e sindicato. É a primeira vez que uma mulher negra ocupa esta posição, mesmo assim passamos por muitas dificuldades, porque tentam nos invisibilizar.

Queremos igualdade, não podemos deixar que rasguem as nossas bandeiras. Precisamos fortalecer o feminismo negro 

Nosso desafio, enquanto mulheres negras e trabalhadoras técnico-administrativas da UFJF, com todos esses ataques que têm sido promovidos por este Governo, principalmente na área da educação, é nos colocar, defendendo o nosso lugar na instituição. É importante também defendermos a manutenção das cotas. Eu me formei em Filosofia na UFJF  e ingressei pelo sistema de cotas. Precisamos pensar na permanência dessas estudantes cotistas também, por meio da assistência estudantil.

Outro desafio, que é muito forte, é estarmos nos inserindo em todos os espaços da UFJF, enquanto negras e técnico-administrativas. Temos também essa tarefa: fazer esta transformação, fazer a diferença. No país, na conjuntura que estamos atravessando, infelizmente com um Governo racista, machista, tudo em retrocesso, vamos ter que fazer valer a nossa luta e disputar cada dia, cada segundo, o nosso lugar. Queremos igualdade, não podemos deixar que rasguem as nossas bandeiras. Precisamos fortalecer o feminismo negro. Não vamos admitir nenhum retrocesso. Temos que fazer valer a luta dos nossos ancestrais, das nossas guerreiras: Dandara, Tereza de Benguela e tantas outras anônimas.    

Fernanda do Nascimento Thomaz
Professora do Departamento de História da UFJF    

Fernanda do Nascimento Thomaz (Foto: Arquivo pessoal)

Fernanda do Nascimento Thomaz (Foto: Arquivo pessoal)

No caso das mulheres negras, é importante tirá-las da invisibilidade, dar voz a essas mulheres. Historicamente, se pensarmos desde a escravidão até hoje, as mulheres negras são extremamente invisibilizadas, silenciadas e objetificadas de todas as formas. Objetificadas, pensando o corpo no lugar de objeto, nunca essas mulheres como sujeitos, além dessas mulheres serem vistas como não produtoras de conhecimento.

Vivemos numa sociedade extremamente opressora, classista, racista, machista, sexista. As mulheres negras acumulam e interseccionam essas opressões, têm menos acesso, estão na classe mais baixa da sociedade. Pensar um dia para essas mulheres, para nós mulheres negras, pensar a nossa importância na sociedade, é fundamental. A data nos faz refletir sobre essas opressões.  As mulheres negras são vistas e se percebem a partir desse lugar. Isso para mim é muito importante. 

Se pensarmos desde a escravidão até hoje, as mulheres negras são extremamente invisibilizadas, silenciadas e objetificadas de todas as formas

Até no movimento feminista, as pautas das mulheres negras promoveram uma transformação fundamental.  Durante muito tempo as mulheres negras não foram incluídas nas pautas das mulheres brancas. A ideia é pensar: ‘olha, eu sou mulher também, mas eu sou diferente de você. Tenho questões que não perpassam você. Sou mulher também, mas você também me oprime, quando você reproduz o racismo.’ É nesse sentido que a data é fundamental, por conta dessa reunião de opressões e do quanto as mulheres negras são invisibilizadas na sociedade.

Quanto à UFJF, a Universidade tem um papel fundamental. É importante falarmos disso. Sou uma professora negra em um espaço que é extremamente branco, elitizado e tem uma forma de construir e pensar o conhecimento extremamente eurocêntrica. É fundamental pensar o lugar da mulher negra, do lugar do qual ela é ausente, está fora. A relação do pertencimento. A mulher negra não pertence ao lugar que é chamado Universidade. O espaço que é construído e mantido pela sociedade brasileira, pensando numa sociedade que cobra impostos de uma maneira totalmente desigual. Quem mais paga imposto é quem menos tem condições.   

Se pararmos para pensar, o número de professoras mulheres negras é exíguo, é quase nenhum

O lugar da Universidade é o lugar do não pertencimento das mulheres, porque as mulheres ocupam os cargos mais baixos. Se pararmos para pensar, o número de professoras mulheres negras é exíguo, é quase nenhum. Mesmo nos cargos técnico-administrativos são poucas as mulheres negras. Onde estão as mulheres negras? Estão nos cargos terceirizados, que nem a Universidade reconhece como parte da Universidade de fato. 

Quando se pensa em pautas na Universidade, você pensa professores, técnicos e alunos. Quando falamos em alunos, o ingresso na Universidade, ainda que tenha ampliado um pouco, ainda assim, a Universidade é extremamente branca. Estou falando em termos do corpo de profissionais e estudantes, de quem ocupa esse espaço, de representatividade. 

Se pensarmos em construção do conhecimento, nunca estamos pensando a partir desse lugar das mulheres negras. Se pegarmos os programas de História, por exemplo, quais falam sobre mulheres negras? Quais usam intelectuais negras, por exemplo, para refletir sobre o pensamento? Pensemos em todas as áreas e não só nas Ciências Humanas. Há várias mulheres negras trabalhando em vários espaços e várias áreas. A Universidade é extremamente embranquecida e defende isso. É uma política de manutenção desse lugar embranquecido da Universidade. É também sexista. 

Tenho que desconstruir uma série de coisas no mundo e neste espaço, quebrar diversas barreiras para estar neste lugar enquanto um corpo negro, que constantemente é desqualificado, desmerecido. Eu enfrento isso cotidianamente. É importante o meu papel e a minha presença na Universidade, em termos de representatividade e prática, até porque tenho vários alunos que se inspiram em mim. É importante encorajá-los a repensar este espaço. É sempre uma luta, uma luta bastante árdua, que ainda está longe de chegar próximo ao que seria mais adequado.   

Leia mais:

“Qual o lugar da mulher negra na Universidade?”