Por Laís Cerqueira e Carolina Nalon
Em uma terra ensolarada, ainda marcada pela tragédia que assolou o Rio Doce há três anos, brotam os primeiros resultados da pesquisa liderada pelo professor Paulo Henrique Peixoto, vinculado ao Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFJF. O objetivo é é descobrir as melhores espécies para recompor a mata ciliar da bacia hidrográfica da região de Barra Longa (MG), onde acontecem os testes.
Com o rompimento da barragem de Fundão houve um depósito considerável de rejeitos não apenas no fundo do rio, mas na terra ao seu redor. A pesquisa começou há dois anos, por meio de edital da Fapemig. Peixoto pediu permissão a um fazendeiro local para o plantio de mudas de diferentes espécies botânicas em um pequeno pedaço de suas terras, às margens do Rio Gualaxo.
Segundo Peixoto, levar o experimento para o solo diretamente impactado é uma caixinha de surpresas – suas condições são muito heterogêneas, especialmente, após a remoção de parte dos rejeitos pela Samarco. “É como se tivessem limpado a casa, mas a poeira ficou.”
Quando explica sobre como os resíduos tóxicos que moram no fundo do rio chegaram lá – e porque por lá ficarão –, o colega pesquisador Cristiano Resende descreve a mistura de um copo de leite e achocolatado em pó. “É como quando você põe Nescau no leite, sabe? Se você deixar o copo parado, sem mexer, o pó de chocolate desce pro fundo e fica lá. O leite pode ficar turvo, mas o grosso fica embaixo.”
Foi um processo semelhante a este o que aconteceu quando aquela região foi engolida pela lama. A parte mais liquefeita pode já não estar mais à vista e até ter sido retirada em grande escala, mas o rejeito escoou pelo solo e, atualmente, existe uma camada dele – ainda que heterogênea – não só no fundo do rio, como entranhado na própria terra.
Não há como obter níveis zero de rejeito, ele foi parcialmente misturado nas outras camadas de solo e não sabemos, por exemplo, se os pastos que foram recompostos impactam os animais, na qualidade de leite
Não é exagero, então, afirmar que é impossível voltar ao estado original do solo: “não há como obter níveis zero de rejeito, ele foi parcialmente misturado nas outras camadas de solo e não sabemos, por exemplo, se os pastos que foram recompostos impactam os animais, na qualidade de leite”, acrescenta Paulo Peixoto.
A pesquisa entra em cena para saber como voltar a semear, ainda que em meio à lama. Quinze espécies foram reunidas para análise e, após os primeiros testes, nove delas se destacaram. Peixoto levou um caminhão para recolher os rejeitos na região atingida e, além da plantar no espaço que foi concedido da fazenda em Gesteira, também iniciou o experimento na Casa de Vegetação da UFJF, colocando quantidades diferentes de rejeito no solo fértil dos vasos – 0%, 25%, 50%, 75% e 100%.
A conclusão inicial é de que o crescimento das plantas germinadas com 25 e 50% do material são muito pouco impactadas. Já em percentuais maiores, elas não se desenvolvem. “O rejeito é muito denso, não absorve água como deveria e é muito instável, de repente, ele se gelifica”, explica Peixoto, defendendo ser indispensável, portanto, a retirada do material das margens. O acúmulo prejudica a recomposição vegetal e é carregado de volta ao rio na época das chuvas.
“Na Casa de Vegetação, temos uniformidade e condições controladas, precisas. O resultado que obtemos aqui nos dá informações fisiológicas, já que conseguimos fazer este crescente de concentrações, e conseguimos ter ideia de como o material vai sendo afetado à medida que a concentração de rejeito aumenta”, elucida Peixoto.
Já no trabalho de campo, além do crescimento, as espécies estão sendo avaliadas em relação às atividades fotossintéticas, ao metabolismo antioxidativo e outros parâmetros bioquímicos que interferem no desenvolvimento vegetal. Até o momento, duas análises já foram feitas, incluindo a que Peixoto e sua equipe realizaram enquanto estavam com a equipe de jornalismo à tiracolo em setembro.
Durante a segunda visita à fazenda em Gesteira, em setembro de 2018, três espécies se destacaram: a popularmente conhecida como sombreiro (ou “sombra de vaca”, de nome científico Clitoria fairchildiana), sansão-do-campo (também conhecida como sabiá, de nome científico Mimosa caesalpiniifolia) e embira-de-sapo (Lonchocarpus guilleminianus). Outra observação foi que parte das amostras, especialmente as de plantas canafístulas (Peltophorum dubium), foram comidas por formigas – e até mesmo este detalhe conta, sendo importante para saber como realizar o controle das espécies mais consumidas e equilibrar a flora da região.
Falta de recursos
Ainda falta uma terceira e última análise, que estava prevista para fevereiro deste ano, durante o período chuvoso. “A ideia é, além de analisarmos a fotossíntese, coletar folhas e solo para comparar com material que temos na UFJF. Teríamos, então, uma ideia de como seria a sobrevivência dessas espécies a longo prazo.” Esta volta à fazenda, no entanto, ainda não aconteceu, já que o restante da parcela destinada à pesquisa ainda não foi liberada.
O projeto foi contemplado em edital da Fapemig, ainda em 2016, com R$128 mil e duas bolsas da Capes. No entanto, só foi depositada a metade deste montante. “Nosso planejamento foi para dois anos de pesquisa e, apesar do prazo ter sido prorrogado, não tenho condições de fazer tudo o que prevíamos.” O edital, específico para recuperação da Bacia do Rio Doce, destinava R$ 4 milhões para 28 propostas do estado de Minas de Gerais. A maioria enfrenta o mesmo problema com os recursos.
Peixoto não tem escolha a não ser seguir apenas com o material já coletado. “Podemos concluir a pesquisa, mas existem certas coisas que não tem como fazer, como a análise de conteúdo de elementos nas folhas das plantas. Com isso, teríamos uma compreensão mais detalhada sobre por que as plantas não se desenvolvem na região com rejeito.”
O rompimento de Mina do Feijão só mostra e reforça, mais do que nunca, que esse processo de monitoramento e constatação de instabilidade de barragens é completamente mal conduzido
Quando questionado sobre a viabilidade de estudos semelhantes em Brumadinho, o pesquisador enfatiza que ainda não é a hora de priorizar a recuperação da área degradada. “O momento não é esse – é o de questionar. O rompimento de Mina do Feijão só mostra e reforça, mais do que nunca, que esse processo de monitoramento e constatação de instabilidade de barragens é completamente mal conduzido.”
Frente a perspectiva de falta de recursos para a conclusão das pesquisas, Peixoto lamenta o descaso com o meio ambiente no Brasil: “as pessoas se esquecem, né?”.
+ Paulo Henrique Peixoto
Tem experiência na área de Fisiologia Vegetal, com ênfase em Nutrição e Crescimento Vegetal.
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