O projeto “Língua portuguesa como língua de acolhimento” faz parte das ações do Programa Boa Vizinhança (Foto: Twin Alvarenga)

A língua portuguesa como ferramenta de acolhimento àqueles que, por diversas circunstâncias, deixam sua terra natal e encontram em Juiz de Fora uma oportunidade de recomeço. Essa é a proposta do projeto de ensino de português a imigrantes e refugiados desenvolvido pela Pró-reitoria de Extensão (Proex) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

O projeto “Língua portuguesa como língua de acolhimento” faz parte das ações do Programa Boa Vizinhança e é coordenado pela professora Ana Beatriz Rodrigues. Atualmente, em sua primeira turma, a iniciativa conta com dez alunos regulares, oriundos de diversas regiões da Venezuela. As aulas acontecem duas vezes na semana, nas noites de terças e quintas-feiras, na Faculdade de Letras da UFJF. O curso tem duração de três semestres, divididos em três módulos, com carga horária de 60 horas cada um.

A coordenadora conta que sempre teve vontade de atuar de alguma forma na causa dos refugiados no Brasil. Como a Faculdade de Letras e o Boa Vizinhança já oferecem o ensino de português para estrangeiros, pensou-se na possibilidade de abrir uma turma que acolhesse essas pessoas. O objetivo é integrá-las na comunidade brasileira e juizforana a partir do aprendizado da língua. “O falar a gente sabe que muitos aprendem na rua, com as vivências e conversas cotidianas, mas estamos preocupados sobretudo com a escrita, com a leitura e com a integração. Então as aulas são muito voltadas para isso. Buscamos abordar os aspectos do Brasil, mostrar um pouco sobre o país e ajudá-los a compreender a língua”.

Tereza D’Avila Ferreira, bolsista responsável pelo projeto (Foto: Twin Alvarenga)

Com duração de aproximadamente duas horas, os encontros acontecem em uma sala de aula acolhedora, cujas mesas e cadeiras formam uma espécie de círculo, para que os alunos interajam entre si e com a professora. A ideia é promover o diálogo e a aprendizagem a partir das experiências de cada um. A bolsista responsável, Tereza D’Avila Ferreira, 26 anos, é formada em Letras pela UFJF e atualmente cursa a habilitação em Espanhol. É ela quem prepara e ministra as aulas baseada em uma apostila disponibilizada pelo projeto. Mas, para além de normas gramaticais e conjugação verbal, o objetivo é tornar a língua portuguesa acolhedora, para que os alunos aprendam a ler, escrever e se comunicar nesta nova realidade em que estão inseridos.

Tereza conta que é sempre a primeira a chegar, para receber os alunos com cumprimentos e sorrisos. Ela explica que tudo o que se conversa em sala de aula deve ser em português. “Como a meta é fazer com que eles se comuniquem em língua portuguesa, eu procuro o tempo todo falar em português com eles, desde o boa noite até o ‘tchau, até a próxima aula’. Alguns conceitos ou alguma palavra que não entendam, procuro explicar o máximo possível em português e em último recurso uso o espanhol. A ideia é não usar a tradução para que eles adquiriram novos vocabulários”.

Recomeço

Ivan Moises Araque, 49 anos, está no Brasil há quatro meses (Foto: Twin Alvarenga)

Nesta fase do projeto, em atividade desde agosto, os alunos já possuem vínculos com os colegas de classe e com a professora. Tereza conta que todos são muito empenhados, interessados nas aulas e com vontade de aprender. “Muitos trabalham o dia todo, mas à noite estão aqui dispostos, fazem os exercícios, são participativos. Com isso a gente criou uma relação muito boa, de muito de carinho”. Para a professora, é muito gratificante perceber que os conteúdos vistos em sala de aula têm sido aprendidos e utilizados no dia-a-dia dos alunos. “Teve uma aula em que ensinei sobre o vocabulário de cozinha, como utensílios, garfo, faca… Na semana seguinte um aluno, que trabalha como auxiliar em um restaurante, me contou que essa aula o ajudou a se comunicar no ambiente de trabalho. Isso é extremamente gratificante”.

Este aluno é o Ivan Moises Araque, 49 anos, que está no Brasil há quatro meses. Ele conta que aprendeu o idioma nas aulas do projeto. “Eu não falava nada de português. Entendia, mas não falava nada”. Através das aulas, exercitou a comunicação em língua portuguesa e isso o ajudou não só no trabalho, mas nas relações com a sociedade. “É uma coisa muito importante porque a língua é parte da abertura das portas para o emprego, para conquistar uma vida melhor e se conectar com a cidade e com as pessoas. Esse curso é muito importante para mim”. A alegria com que o auxiliar de cozinha fala sobre o projeto demonstra o carinho e a gratidão que possui em relação às professoras, Tereza e Ana Beatriz. “A universidade é muito boa. As professoras todas são muito legais, muito amáveis conosco”.

O aluno comenta os percalços que enfrentou até chegar em Juiz de Fora. Sem conhecer a língua, viveu momentos complicados até encontrar acolhimento na cidade. “A recepção foi muito boa, as pessoas daqui são muito amáveis, colaboradoras e preocupadas com os outros. Eu encontrei muita ajuda na Igreja Católica. Depois que já estava estabelecido, nos dois meses em que ainda não trabalhava, colaborei arrumando as doações que a igreja arrecada. Eu achei que teria que fazer algo para retribuir todo o amparo que recebi da parte deles”. Quando questionado sobre os projetos futuros, Ivan não pensa duas vezes. “Meu maior plano é estar perto dos meus filhos. Tenho um de 8 e um de 11 anos. Pretendo trazê-los para perto de mim e buscar uma nova vida para eles também”.

Acolhimento

Aluno Alberto Navarro, 22 anos: ” Aqui acolhem a gente e nos deixam andar livremente sem discriminação” (Foto: Twin Alvarenga)

Tereza explica que a palavra chave que norteia todo o trabalho é acolhimento. “É um dever da Universidade e de nós, brasileiros, acolher essas pessoas. Somos muito privilegiados pela UFJF ter essa característica de ser aberta à comunidade”. Ela conta que desde o início se interessou pelo caráter social e humano da iniciativa. “É uma alegria poder de alguma forma ajudar. Ainda mais com uma coisa que eu sei fazer e me formei para isso, que é dar aula e ensinar a língua portuguesa.”

No Brasil há dois anos, Alberto Navarro, 22, relata que em nenhuma outra cidade pela qual passou durante este período encontrou as oportunidades e acolhimento que recebeu dos juizforanos e da comunidade acadêmica da UFJF. Durante muito tempo esteve sozinho no país, até se estabelecer em Juiz de Fora. Atualmente é auxiliar de almoxarifado e mora com mais quatro membros de sua família. “Estou gostando muito da cidade. É muito boa para todos nós. Aqui acolhem a gente e nos deixam andar livremente sem discriminação. O trato e o acolhimento são coisas que não vi em outro lugar”.

Para Navarro, que cursou até o quinto período de Produção Industrial antes de vir para o Brasil, a oportunidade de voltar para as salas de aula de uma universidade é uma muito gratificante. “Entrei no curso e já falava e escrevia em português, mas ele mudou muita coisa na minha vida. É muito bom para conhecer as pessoas e nos ajuda a se integrar na comunidade”. Nutrido de sonhos e esperança, conta que este é o início de uma nova fase. “Daqui pra frente tenho muitos planos. Pretendo reunir minha família, alugar uma casa maior e estudar”.

Segundo Tereza, perceber que os alunos se sentem acolhidos na Universidade e que as aulas têm mudado a relação deles com a língua e com a comunidade é a recompensa de todo o trabalho. “Como filosofia de vida, penso que, se a gente não vive pra servir, a gente não serve pra viver. Tem sido um crescimento muito grande. Venho para a sala de aula feliz todos os dias. Por mais que eu esteja cansada, chego aqui e eles me deixam alegre”. A professora demonstra muito orgulho e satisfação com os resultados do projeto. “Fico muito feliz de estar fazendo parte disso. Meu olho brilha! Só sou realizada quando estou aqui na frente, dando aula. Poder ajudá-los desta forma é muito especial”.

A coordenadora, Ana Beatriz, avalia os impactos positivos dos primeiros meses de aulas e afirma que a ideia é abrir novas vagas nos próximos semestres. “Estamos na primeira turma, pretendemos manter e ampliar o projeto. Acredito que os alunos estão gostando e aprendendo muito, e nós também. É um processo de troca e enriquecimento das duas partes”.

O programa
Com o objetivo de aproximar a Universidade de outros segmentos da sociedade, priorizando o trabalho com a comunidade dos bairros do entorno da instituição, a Pró-reitoria de Extensão (Proex) desenvolve o programa Boa Vizinhança Línguas, que promove cursos de idiomas destinados a pessoas de escolas públicas que não estejam vinculadas em cursos de graduação ou pós-graduação da UFJF. Atualmente o projeto beneficia diretamente 39 localidades da cidade de Juiz de Fora.  

Inicialmente o programa oferecia somente aulas de inglês; no entanto, devido ao sucesso das edições, a oferta de cursos foi sendo ampliada. Atualmente são oferecidas seis opções de línguas estrangeiras – Língua Inglesa, Espanhola, Francesa, Grega Clássica, Latina e Italiana; além dos cursos de língua brasileira de sinais (Libras) e de português para estrangeiros. As aulas são ministradas na Faculdade de Letras da UFJF e no prédio anexo do Instituto de Ciências Biológicas (ICB).

Os benefícios do programa se estendem também aos acadêmicos do curso de Letras da UFJF, que, orientados por seus professores, ministram as aulas e têm a chance de, durante a graduação, exercitarem a prática docente.