(Foto: Clara Downey)

“Da diversidade cultural à diversidade produtiva: Construindo Saberes Necessários à Transição Agroecológica” recebeu destaque na categoria Meio Ambiente entre 270 trabalhos apresentados em oito temáticas (Foto: Clara Downey)

O projeto “Da diversidade cultural à diversidade produtiva: Construindo Saberes Necessários à Transição Agroecológica”, que desde 2010 auxilia pequenos agricultores a buscarem formas de produção sustentáveis, foi um dos trabalhos premiados na Mostra de Ações de Extensão da UFJF, que integrou a Semana de Ciência, Tecnologia e Sociedade.

Coordenado pelo professor Leonardo Carneiro, o programa recebeu destaque na categoria Meio Ambiente entre 270 trabalhos apresentados em oito temáticas, com foco na geração de benefícios diretos à comunidade.

O projeto é um dos expoentes do Núcleo de Estudos em Agroecologia da UFJF, o NEA Ewe (folha, em idioma iorubano). Atualmente, oito participantes estão envolvidos nas atividades do programa, sendo quatro deles professores colaboradores (Daniel Sales Pimenta, Gustavo Taboada Soldati, Reinaldo Duque Brasil Landulfo Teixeira, Simone da Silva Ribeiro e Dileno Dustan), e quatro bolsistas, alunos de graduação (Bárbara Fernandes Moreira, Guilherme Soares da Silva, Janaína Conceição da Silva, e Jefferson Nunes). Seu trabalho consiste na pesquisa de novas técnicas de produção e novas estratégias de comercialização, no âmbito da Universidade, e no fortalecimento dos conhecimentos e práticas da agricultura tradicional. Estas, até então, deixadas de lado em benefício dos métodos “modernos” de produção.

Do “moderno” para o tradicional: a transição agroecológica

Cunhado em meados da década de 1960, o termo “revolução verde” designa uma série de tecnologias, desenvolvidas no pós-guerra, voltadas para a melhoria da eficiência agrícola. Tendo como epicentro os EUA, esse movimento teve início no decênio anterior, avançando para outros países desenvolvidos e, finalmente, chegando ao Brasil, onde só se efetivaria ao longo dos anos 1970.

Se o aumento na produção foi notável, também o foram os impactos ambientais e sociais acarretados por essas novas práticas. Baseada na introdução de insumos agrícolas e de máquinas mais eficazes, a modernização da agricultura tornou rotineiro o uso de agrotóxicos, fertilizantes sintéticos e sementes mais resistentes, desenvolvidas em laboratório.

No contexto das grandes plantações, essas tecnologias diminuíram a demanda por mão de obra e afetaram a qualidade do solo, da água em seus arredores e – motivo de frequente debate atualmente – a própria qualidade de seus produtos finais. O crescimento do volume das colheitas pressionou, também, os pequenos agricultores. Sob o risco de perderem acesso ao mercado, muitos aderiram às novas práticas para permanecerem competitivos.

“Nós, consumidores urbanos, temos o direito de ter dúvidas se os alimentos com veneno agrícola fazem mal a saúde. Os produtores que utilizam o veneno, não tem a menor dúvida. Isso se reflete em todas as comunidades com as quais trabalhamos, que tem casos de pessoas doentes devido a essa prática, muitas vezes carregando, por toda a vida, problemas advindos do contato com agrotóxicos”, explicou Carneiro. “Hoje, esse grupo de pessoas que ‘modernizou’ sua produção sofre com esses métodos e querem voltar a produzir sem veneno. Nosso trabalho é ajudar a fazer essa transição, saindo de uma produção modernizada para uma produção que não prejudique o solo, a água e saúde dos produtores e consumidores.”

Sustentabilidade ambiental, social e econômica

Trabalhando como mediadores da discussão, durante os intercâmbios, os participantes do programa também trazem a tona as tensões sociais que permeiam a vida nessas comunidades rurais (Foto: Clara Downey)

Trabalhando como mediadores da discussão, durante os intercâmbios, os participantes do programa também trazem à tona as tensões sociais que permeiam a vida nessas comunidades rurais (Foto: Clara Downey)

Apesar de voltado para um público externo à Universidade, o programa associado ao Núcleo de Estudos frequentemente realiza atividades dentro da UFJF, como eventos e mutirões voltados para a discussão e disseminação da agroecologia. Combinado a estas, sua atuação direta com as comunidades associadas – entre quilombos, associações de agricultores familiares e assentamentos do MST – ocorre durante os intercâmbios nas localidades.

É a partir do diálogo entre os acadêmicos do grupo multidisciplinar e os produtores familiares que são elaboradas as práticas a serem implementadas na transição. Esse trabalho conta também com a parceria do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTAZM), da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV), além do financiamento do CNPq e, até recentemente, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

As contribuições de todos esses agentes, dentro da interação dialógica com as comunidades rurais contribui, também, com o desenvolvimento de técnicas de cultivo. Como o EM-4, uma mistura de microorganismos encontrados em solos naturalmente férteis que, ao ser dispersado sobre a biomassa acumulada na plantação, acelera a decomposição dessa matéria orgânica e serve como adubo. Uma alternativa para insumos químicos com efeitos colaterais danosos ao ambiente e ao trabalhador.

Além disso, o programa auxilia as comunidades a formarem estruturas comerciais para dar vazão a seus produtos. São as associações e feiras agroecológicas que oferecem a conexão entre agricultores e um crescente mercado, nascido de consumidores mais atentos aos riscos da produção “moderna”. É esse, avalia Carneiro, o principal desafio enfrentado pelos pequenos produtores em transição: “O problema do agricultor familiar, do pequeno produtor, não é saber plantar. O problema dele é comercializar seus produtos a um preço justo. Por isso é tão importante para a agroecologia nós pensarmos em formas de organização, para fazer essa passagem entre o produtor e o consumidor final. Isso é essencial para efetivar a transição agroecológica.”

Trabalhando como mediadores da discussão, durante os intercâmbios, os participantes do programa também trazem à tona as tensões sociais que permeiam a vida nessas comunidades rurais. Servindo como problematizadores, os acadêmicos colocam em pauta questões como machismo, racismo e exploração do trabalho.

“A agroecologia propõe uma produção ambientalmente sustentável, que reinsira a biodiversidade em seu ciclo produtivo. Mas nós também buscamos uma produção sustentável socialmente. Não existe produção agroecológica onde existe injustiça social, onde há exploração da mão de obra do trabalhador, não há produção agroecológica se há racismo, se a mulher é relegada em segundo plano, se existe violência contra a mulher. Mas nós não vamos lá dar aula, lá nós participamos como mais um sujeito em um diálogo no qual os produtores são os sujeitos que sofrem com esses preconceitos. É a partir deles, de sua realidade e de seus conhecimentos, que as barreiras são expostas no coletivo para serem superadas”, contou o professor.

Abastecimento de 70% do mercado

Atualmente, a agricultura familiar, utilizando práticas modernas ou tradicionais de cultivo, é responsável por abastecer até 70% do mercado interno de alimentos. Empregando mais mão de obra, essa produção é alcançada mesmo tendo disponível um conjunto de terras bem mais restrito que aquele utilizado pelos grandes produtores.

Como efeito da transição agroecológica, da qual as comunidades associadas ao NEA Ewe são um polo, o resultado se mostra nas melhorias ambientais decorrentes dessa atividade – muitas vezes, restabelecendo a diversidade biológica desses e recriando agroecossistemas – e na melhora da qualidade de vida dos trabalhadores rurais.

Carneiro comenta que, a partir do surgimento das associações, se tornou comum a troca de sementes e mudas entre os agricultores, além do desenvolvimento de novas práticas. “Uma das coisas que mudou, também, foi a alimentação dessas comunidades. Nos primeiros intercâmbios, quando nós chegávamos na casa das pessoas, era de praxe que elas oferecessem um refresco, um daqueles sucos em pó, solúvel. Isso tem a ver com a ideia do valor de consumo que se instalou junto com a modernização da prática rural. Com a praticidade desses produtos. Agora eles passaram a utilizar os produtos que nascem no quintal. Mais saudáveis e de cuja produção eles estão integrados.”

“Entrar em contato com essas comunidades é sempre muito enriquecedor, academicamente e para a vida. É um trabalho com um grau de prazer muito alto. A premiação é um incentivo, claro, mas é também uma responsabilidade a mais, de dar continuidade ao projeto, com cada vez mais seriedade. A responsabilidade de corresponder a esse reconhecimento”, finalizou Carneiro.