A disciplina “Extrativismo mineral, ambiente e sociedade” foi realizada, entre os dias 28 de agosto e 2 de setembro, no distrito de Belisário, em Muriaé, local ameaçado pela atividade mineradora (Foto: Arquivo pessoal)

Desde os desastres de Mariana (Caso Samarco) e Brumadinho (Caso Vale), a discussão sobre mineração ganhou destaque nacional – porém, ele não veio acompanhado de um debate aprofundado, na opinião de especialistas que se debruçam sobre a problemática. Neste sentido, o Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) promoveu a disciplina de pós-graduação “Extrativismo mineral, ambiente e sociedade”, no distrito de Belisário, em Muriaé (MG).

O curso, em formato intensivo, foi fruto de uma parceria entre os programas de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora, (UFJF), da Universidade Federal Fluminense (UFF), e da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Ao todo, integraram a disciplina 22 estudantes de 16 universidades diferentes, provenientes de 13 áreas de conhecimento distintas (tais como Biodiversidade e Conservação, Arquitetura, Educação, Relações Internacionais e Direito).

Um diferencial das atividades presenciais foi a participação simultânea de todos os professores em sala. Um deles é o pesquisador Bruno Milanez, docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFJF e coordenador da iniciativa. O professor ressalta que, ao longo da disciplina, houve um longo debate sobre métodos de pesquisa em contextos de conflitos minerais, dando atenção à ferramenta da Cartografia Social, visto que essa metodologia científica contribui para a mobilização social e a valorização da presença de comunidades em seus territórios.

Racismo ambiental, economia mineral, riscos envolvendo barragens de rejeito de mineração, política mineral e responsabilidade social corporativa de empresas mineradoras foram alguns dos temas abordados. O doutorando em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Zanelli, expõe que “a disciplina apresentou um panorama da questão mineral que aprofunda os problemas já existentes no país, decorrentes da questão agrária. Compreendo agora que é preciso mudar os planos de ensino das disciplinas que ministro e, ao tratar dos conflitos no campo brasileiro, abrir um tópico específico para debater mineração”.

Atividades de campo em Belisário

O distrito de Belisário foi reconhecido como patrimônio hídrico do município de Muriaé, em 2018, dada a garantia da qualidade da água. O modelo de produção agrícola na região, baseado na pequena propriedade e na policultura, foi um dos principais elementos para a preservação ambiental.

Todavia, especialistas alertam que existe o risco da expansão de atividades de mineração realizadas nos municípios vizinhos de Miraí, São Sebastião da Vargem Alegre e Rosário da Limeira para áreas em Belisário. A situação causa tensão entre o setor de agricultura familiar agroecológica e os responsáveis pela extração de bauxita. A partir desta realidade, organizações sociais reúnem esforços para consolidar o distrito como um Território Livre de Mineração.

O curso em Belisário possibilitou aos pesquisadores explorar as particularidades da questão mineral na região (Foto: Arquivo pessoal)

Sob esse contexto, os pesquisadores optaram por ministrar as aulas na região, de modo a explorarem as circunstâncias locais para a produção de conhecimento e fomentar reflexões.  Além da parte teórica, foram realizadas atividades de campo, em que os alunos visitaram áreas impactadas pela mineração em São Sebastião da Vargem Alegre e Miraí. As observações colocaram em pauta os riscos que as barragens de rejeitos de mineração oferecem para as comunidades e para o meio ambiente.

Para o mestrando em Biodiversidade e Conservação da Natureza da UFJF, João Luís Lobo, a escolha do local e a dinâmica da disciplina tornaram a experiência diferenciada. “As particularidades de Belisário proporcionaram debates e discussões de nível excepcional, entre os especialistas, colegas de pós-graduação e moradores da comunidade local. Sem dúvidas, o curso enriquecerá as discussões que tenho desenvolvido em meu mestrado sobre a proteção de ambientes ultra biodiversos ameaçados pela mineração.”

O professor Bruno Milanez destacou que os moradores das comunidades tiveram a oportunidade de criar uma variedade de mapas, evidenciando locais de significância para eles e enfatizando as ameaças e conflitos que representam riscos ao seu modo de vida. “Como resultado, é perceptível diferentes aspectos dos territórios que, muitas vezes, não são reconhecidos ou valorizados por instituições governamentais”, resume o pesquisador.

A necessidade de ampliar o debate sobre mineração no Brasil

Em 2013, durante a ascensão das commodities, houve um aumento no número de grandes projetos de extração mineral para exportação e, consequentemente, dos conflitos ambientais a eles associados. Nessa mesma época, o governo federal propôs alterar o marco legal da extração mineral no Brasil – porém, como avaliam os especialistas, isso não foi feito com o devido debate com a sociedade civil.

Ferramenta da Cartografia Social permite identificar atividades e partes do território pelo olhar da comunidade local (Foto: Arquivo pessoal)

Foi nessas circunstâncias que surgiu o grupo PoEMAS, com a proposta de realizar pesquisa aplicada orientada pelas demandas que surgiam entre organizações não governamentais e movimentos sociais que se propunham a contribuir para essas discussões em escala nacional. O projeto, formado por nove integrantes de quatro Universidades e um Instituto Federal dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás, também visa expandir o campo de discussão sobre a questão mineral no Brasil para além da Engenharia e Geografia, trazendo a contribuição das Ciências Sociais Aplicadas.

Segundo Bruno Milanez, apesar da questão mineral estar intrinsecamente ligada à história do país, o tema não é bem compreendido por boa parte da população brasileira. Para ele, isso se deve a falta de debate sobre o papel da mineração na sociedade e a carência de pesquisadores que consigam abordar a temática de forma aprofundada dentro das salas de aula.

“Não há uma tradição de discussão do tema ‘mineração’ em cursos de pós-graduação em Minas Gerais, com exceção daqueles voltados para isso. Assim, muitos alunos desenvolvem pesquisas sobre o tema de forma isolada, sem ter espaço para debater o assunto com especialistas ou com outros estudantes”, pontua Milanez.

Por ser um tema complexo, a questão mineral exige a compreensão de distintas especificidades, sendo essencial a troca de saberes entre os pesquisadores e a criação de novas redes e grupos de estudo sobre o tema. O docente salienta que a pesquisa em rede permite, a partir de um entendimento comum do problema, que os pesquisadores possam se especializar em subáreas específicas da atuação das empresas mineradoras, bem como na particularidade de segmentos distintos.

Pesquisa está alinhada aos ODS da ONU

As ações de pesquisa da UFJF estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). O projeto de pesquisa PoEMAS se alinha aos ODS 4 (Educação de Qualidade), 9 (Indústria, inovação e infraestrutura), 10 (Redução das Desigualdades) e 12 (Consumo e Produção Responsáveis).

Confira a lista completa no site da ONU.

Outras informações:

Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS)

Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFJF