"É preciso sempre ter em mente que a cultura é transversal, ligada a tudo o que ocorre na Universidade, seja política, economia ou fatores sociais." (Foto: Stefânia Sangi)

“É preciso sempre ter em mente que a cultura é transversal, ligada a tudo o que ocorre na Universidade, seja política, economia ou fatores sociais.” (Foto: Stefânia Sangi)

O pró-reitor de Cultura Gérson Guedes é hoje o convidado da série de entrevistas promovida pela Comunicação com a nova equipe da Administração Superior. O objetivo é compartilhar com toda a comunidade universitária o que pensam e como pretendem atuar os responsáveis pelas pastas. É também uma oportunidade de conhecer melhor os temas e atribuições que se relacionam com cada setor da Universidade. Duas entrevistas serão publicadas por semana.

Professor de artes do Colégio João XXIII, Gérson Guedes assumiu a Cultura em janeiro de 2013, na gestão de Henrique Duque, e agora foi reconduzido ao cargo, pelo reitor Júlio Chebli. Ele é mestre em Letras, pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES-JF), e graduado em Administração de Empresas, pela Faculdade Machado Sobrinho, e em Desenho e Plástica, pela UFJF.

Quando o senhor assumiu a pró-reitoria de Cultura, em janeiro de 2013, disse que tinha muitos sonhos e pouco tempo. Como o senhor avalia este curto período à frente da Cultura e quais os novos sonhos para uma gestão de quatro anos?

Foi necessário um tempo de adaptação porque, até então, eu não conhecia o funcionamento dessa máquina administrativa em nível de pró-reitoria. A acolhida pela equipe já existente facilitou o trabalho e tentamos implementar o que já pensava como ideologia para a área. Desenvolvemos uma política de aproximação da Universidade com a sociedade, trazendo a comunidade para dentro do campus e levando o pensamento acadêmico, seu valor cultural, sua construção, para a sociedade. Esse pouco tempo foi muito profícuo. Conseguimos realizar alguns projetos, principalmente por meio de parcerias. Sempre digo que projeto não é promessa, é projeto, depende de circunstâncias para que possam ser desenvolvidos. Muitos projetos foram transformados em novos projetos e surgiram outros que a gente nem esperava. Isso é característico da cultura, esse dinamismo, essa multiplicidade de ações. É preciso sempre ter em mente que a cultura é transversal, ligada a tudo o que ocorre na Universidade, seja política, economia ou fatores sociais. Tão complexo quanto o fazer cultural é a sua administração. Essa deve ser levada com simplicidade, com serenidade, sem perder a alegria, dentro desse caldeirão de ideias, e com pensamento de fomento, de inovações.

Com raras exceções, os principais espaços de cultura de Juiz de Fora estão vinculados hoje à UFJF, como Cine-Theatro Central, Pró-Música, Fórum da Cultura, Casa de Cultura, Mamm (Museu de Arte Murilo Mendes) e o próprio espaço do campus. Ou seja, a UFJF tem hoje papel fundamental no fomento das ações neste campo. Na sua visão, qual é a identidade cultural que a Universidade deve propor à cidade?

Temos a preocupação com a formação de público, com a acessibilidade ao bem cultural, com a democratização desses espaços. Eu tenho como principio de pensamento uma construção de metas e projetos que possam acabar com um preconceito que é pouco visível, mas existe, o preconceito cultural. A acessibilidade ao patrimônio cultural da Universidade, tanto o material quanto o imaterial, deve acontecer pelo conhecimento, pelo fomento à questão da pesquisa, pela procura de canais pelos quais esse pensamento acadêmico possa chegar até a população, possa expandir e atravessar os muros da UFJF. Ela tem que romper, como já dizia Murilo Mendes, o nosso Himalaia, o Morro do Cristo, e atravessar fronteiras. A Universidade hoje é de reconhecimento internacional e a cultura deve acompanhar esse processo. Por isso, são necessárias ações para formação de público, com projetos como o Coletivo Cultural, no Mamm, em que a gente leva crianças e adolescentes que não tinham contato com uma estrutura de museu. Elas vão com as escolas e, muitas vezes, voltam com os pais. Além disso, abertura para todas as tendências, lançamento de livros, colônia de férias e outros projetos. Demos ao Mamm um formato que faz dele hoje o museu de Juiz de Fora. No Central, pelo (projeto) “Luz da Terra”, concedemos oportunidades aos atores e produtores locais para desenvolverem seus trabalhos, com carga de ingressos voltada para as escolas públicas. O espaço está passando por um processo de restauro, o maior desde sua incorporação pela UFJF, e estamos desenvolvendo um projeto para que, em breve, o Cine-Theatro possa também funcionar como museu, com visitação pública diária, para que as pessoas entendam a importância histórica desse templo arquitetônico. Temos que propor justamente isso, uma cultura diversa, democrática, dinâmica.

Ainda com relação a estes espaços, a Pró-Reitoria de Cultura é hoje responsável diretamente apenas pelo Cine-Theatro Central e pelo Mamm. Faz parte dos planos a integração dos demais espaços ainda nesta gestão?

Os demais espaços não têm hoje uma ligação direta, estrutural, mas a gente já trabalha em sintonia com todos. Formalmente são estes dois espaços, mas existem ainda, por exemplo, o coral, a orquestra, o festival, as galerias e o espaço do saguão da Reitoria, que a gente quer revitalizar e transformar em galeria com melhor requinte técnico. Indiretamente tudo que passa pela cultura sempre acaba na Pró-Reitoria. Acredito que deva haver uma transição aos poucos, pois são sistemas muito complexos, que acabam envolvendo todas as áreas da Universidade. Hoje contabilizamos também a maioria das ações que acontecem na Praça Cívica, dentro do campus, como os projetos Leitura no Campus, Som de Domingo e Palco Provisório. São espaços que vamos adotando e que fazem essa aproximação com a comunidade, servindo inclusive como espaços férteis para a pesquisa. No Central, estamos fazendo convênio com a empresa licitada para realizar o restauro, visando levar alunos de arte para um aprendizado profissional. No Palco Provisório, temos intervenções culturais que acontecem não só dentro do perímetro da Universidade, mas cidade afora, como em agências bancárias, Correios, praças e outros lugares, quando os alunos de música se apresentam, pela primeira vez, para uma plateia. Então, quanto mais espaços vierem para a responsabilidade da Pró-Reitoria, com a estrutura necessária para geri-los, melhor para todos.

E para Governador Valadares? Existe um projeto específico de fomento do cenário cultural da cidade, a partir do campus avançado da UFJF?

Em Governador Valadares, tivemos concurso para agente cultural, pois precisávamos de uma ponte. A própria distância física nos desafia a pensar qual linha de ação, como fazer esse intercâmbio. Eles têm muito a dar de sua produção cultural local e nós também temos experiências de eventos de sucesso que produzimos. Temos bastante para dialogar, isso vai ser um fator positivo. Já estivemos também na Prefeitura de Governador Valadares conversando com a Secretaria de Turismo. Queremos interagir e utilizar bastante o campus. Esse intercâmbio na área acadêmica nos interessa muito.

A Pró-Reitoria de Cultura tem um desafio permanente, que é ser protagonista dos eventos locais nesta área, envolvendo todo o tipo de público, e ao mesmo tempo atender expectativas internas. Como equacionar essas demandas? E como potencializar os talentos artísticos da UFJF, já que temos tantos, entre alunos, professores e TAEs (técnicos administrativos em educação)?

A cultura é uma transição dinâmica e a complexidade dela deve ser enfrentada com simplicidade, serenidade e alegria. Temos hoje um público flutuante presente nos eventos do campus, mas precisamos fazer ainda mais, como levar valores culturais da Universidade para a periferia, com propostas como os postos avançados de cultura e a apresentação do coral dentro das escolas. Levar projetos aliados à formação didática, com participação de professores do IAD (Instituto de Artes e Design da UFJF), por exemplo, que hoje é muito forte na formação da arte contemporânea, seja no design, na arquitetura ou nas artes plásticas. Queremos retomar os salões de artes plásticas, pois, embora haja essa movimentação intensa das redes sociais, é muito diferente quando o público tem o contato real com a obra visual e com o próprio artista. Sobre os TAEs, já temos trazido para os projetos muitas pessoas que estão produzindo. Temos que equacionar uma forma de contemplar toda essa diversidade, criar uma estrutura que possibilite isso, investir em parcerias, efetivar mais esse movimento no campus aos finais de semana. Foram estas parcerias, com Fiemg, Sesi, Funalfa, Prefeitura e produtores culturais que possibilitaram, por exemplo, trazer o pianista Arthur Moreira Lima à cidade, ou o Festival de Circo, no campus, com um público jamais visto em uma semana na Praça Cívica, ações que não tiveram custo alto para a Universidade. O caminho é este. Com pouco, produzir a cultura de longo alcance. Eu não convivo bem com essa cultura minimizada sustentada pelo Poder Público, pelo erário público. A cultura da Universidade precisa ser de longo alcance, de oportunidades, de democratização.

O senhor tem uma carreira ligada às artes plásticas, que, ainda hoje, atraem uma parcela pequena da população. Falta educação para a arte de uma forma geral. Como a Universidade pode influir na formação de novos públicos?

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“Viver a cultura é um desafio diário, estar aberto a saber ouvir sem interferir, criar oportunidades para que ela aconteça, prestar apoio a iniciativas que possam trazer esse desenvolvimento e, no nosso caso, propiciar a integração da Universidade com esse meio.” (Foto: Stefânia Sangi)

Isso é todo um conjunto que a gente trabalha por ele: a formação de público e ter a cultura como elemento de transformação social. A cultura deve ser o estopim, o princípio do diálogo entre divergências de ideias, mas a convergência para que possamos ter essa convivência social sadia; o crescimento de intelectuais individuais, mas como um bem coletivo. Porque é a comunidade que constrói a cultura e temos que devolver para a comunidade. Esse é o trabalho da academia. Formatar, organizar sem interferir, e devolver; criar condições e fomento para que a cultura aconteça de uma maneira livre, por um processo natural. Por exemplo, muito se prega sobre escola em tempo integral. Como vai ser? A cultura vai ter papel fundamental dentro desse processo. Educação e cultura são atividades interligadas. Tenho muita esperança de que a Universidade possa participar desse processo e que, dentro das escolas, a cultura possa ser a mola-mestra desse período de ocupação. Temos que chegar através da escola, mas não dando sobrecarga para o professor, que hoje já faz tanta coisa. A escola deve ser um ponto de apoio para que a cultura chegue até a comunidade. A cultura é o antídoto contra a violência, é o melhor, mas é um trabalho a longo prazo. Ela vai mexer com a sensibilidade, com as relações sociais, vai ser um elemento aglutinador do diálogo e das divergências. Por isso, a gente tenta fazer um trabalho a cada dia, como a exposição Verbo e Cor, no Mamm, que conta a história da cidade com mais de 30 artistas de diferentes linguagens e olhares. Essa exposição foi transformada em um DVD a ser entregue para escolas, bibliotecas e centros comunitários. É fazer a Universidade chegar nessas comunidades, não podemos ficar só criticando. O que estamos oferecendo pra eles de alternativas, o que o poder público tem feito? É onde está a beleza do Festival de Música Colonial, com gratuidade, acessibilidade. O rótulo que vão dar a isso não importa, se é popularização, cultura popular, cultura de massa. Conceitos são para ser revistos o tempo todo. A cultura tem que ter abrangência porque é produzida com dinheiro público e tem que estar voltada para o público.

Como o senhor espera que a Pró-Reitoria de Cultura seja vista daqui a quatro anos? Qual marca pretende deixar?

A cultura tem rapidez, necessidade de mudanças, deve estar aberta a diferentes pensamentos. Há momentos em que ela expande, outros em que reflete, outros em que concentra. A cultura tem que ter essa dinâmica até nas pessoas que ocupam cargos públicos nesta área. Ela não pode ser uma coisa longa, de um pensamento só, duradouro, isso não existe na cultura, ela é rápida, volátil. Hoje estou com um pensamento, mas este também deve ser mudado todo dia, deve estar aberto a mudanças. É aí que está o grande desafio e aprendizado. Se você tem um gestor de cultura que acha que o que ele pensa é o correto, ele não está gerindo cultura, está impondo o pensamento dele. E a cultura não admite isso. Eu tenho uma linha de pensamento, mas sei que vai ser modificada a todo momento. Viver a cultura é um desafio diário, estar aberto a saber ouvir sem interferir, criar oportunidades para que ela aconteça, prestar apoio a iniciativas que possam trazer esse desenvolvimento e, no nosso caso, propiciar a integração da Universidade com esse meio. É fazer cultura de qualidade, de baixo custo e de longo alcance. Essa deve ser a meta.

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