Educação não formal
Projeto começou voltado para jovens que abandonaram os estudos
Vladimir Olivella García, presidente do TEB, destaca que o uso comunitário das NTCI é a principal linha de trabalho do Òmnia.
Um dos aspectos importantes da Associação TEB, que criou e coordena o Projeto Òmnia, é que nasce a partir de iniciativa de educadores e professores. Em 1992 (quando a cidade de Barcelona vive a festa das Olimpíadas) o problema da marginalidade entre jovens já é preocupante. Não há opções para esses rapazes e moças por volta dos 16 anos, que estão na rua. Há, sim, para faixas etárias mais baixas, ou para a terceira idade. O TEB é criado em 1992, e a partir de 1996 começa a trabalhar com as novas tecnologias da comunicação e da informação. “Um dia um educador trouxe um computador ao TEB porque gostava do assunto, e foi um sucesso incrível”, diz Vladimir. Consegue-se uma pequena subvenção do governo, põe-se Internet, e o êxito é ainda maior. Ao invés de apenas envolver-se com as máquinas, os jovens levam seus amigos e familiares para conhecer a novidade.
A maioria dos jovens havia acabado a escola obrigatória – que, na Espanha, vai até o ciclo equivalente ao ensino fundamental no Brasil. É o chamado ESO – Educação Secundária Obrigatória, previsto para ser cursado até os 15-16 anos. Após o ESO o ensino não é mais obrigatório, passa-se ao bacharelado, que tem dois anos, equivale ao nosso antigo colegial, o atual ensino médio. Não é obrigatório, nem sempre é gratuito e é condição necessária para se cursar uma faculdade. A pespectiva de entrar em uma universidade, no entanto, para esses jovens, é algo muito distante, pois na Espanha até mesmo as universidades públicas cobram – e cobram muito – pelo ensino e pelos títulos que oferecem. “Além disso”, completa Vladimir, “a maioria dessa moçada não tem hábitos de estudo, e sua família é quase sempre desestruturada.”
O TEB desenvolve o projeto de educação não formal e novas tecnologias, apresenta-o com o nome Intebnet (Introdução da Internet no TEB) e ganha um prêmio do Instituto Catalão de Voluntariado, em 1996. Instala então Internet rápida, e em 1998 inicia o Edunet – Espaço de Uso Comunitário das Novas Tecnologias, acompanhado do Ravalnet, a rede cidadã do bairro do Raval, “para abrir a Internet aos moradores do bairro com o objetivo de evitar a fratura digital”. Também em 1998 participa, em Brasília, do V Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, como uma das entidades internacionais convidadas. Vão para Brasília 6 jovens rapazes que freqüentam o TEB, 2 educadores da entidade e 2 integrantes da ONG Infância Viva. Visitam favelas, conversam com meninos e meninas de rua, e após a viagem preparam uma exposição denominada “Do Raval ao Brasil”, com o resultado da experiência.
(ver http://php.ravalnet.org/teb/antiga/delravalalbrasil/0.htm)
Uso comunitário, a prioridade
Desde o Edunet se delineiam 3 linhas de trabalho, mantidas depois no Projeto Òmnia, que nasce em 1999. “A principal é a de uso comunitário”, destaca Vladimir. As outras são as de inserção laboral e de formação. Para o presidente do TEB, a linha de uso comunitário significa “abrir as novas tecnologias ao bairro, aos moradores, a suas entidades, abrir o espaço, para que possam conhecer Internet, e, diferente do que acontece num cibercafé, ali sempre haverá uma pessoa para ajudar, o dinamizador.”
Tenta-se desenvolver as 3 linhas de forma transversal, ou seja, em uma mesma atividade se podem trabalhar as 3 linhas de atuação, como ocorreu no TEB com um coletivo de toxicômanos: eles se apropriaram do espaço, desenvolvendo atividades no Ponto Òmnia, o que é uso comunitário, e aprenderam a preparar um currículo e buscar trabalho, o que é ao mesmo tempo formação e inserção laboral.
Enquanto o Projeto Òmnia nasce em 1999, quando a Secretaria de Bem-Estar e Família da Generalitat da Catalunha incorpora a idéia e passa a financiá-la, outro setor do governo catalão desenvolve o Projeto NODAT (“atado”, “ligado”, “entrelaçado”, em catalão), coodenado pelo DURSI – Departamento de Universidades, Pesquisa e Sociedade da Informação. Criado no âmbito do Plano Estratégico para a Sociedade da Informação na Catalunha, de 1999, o objetivo principal do projeto NODAT, diz Vladimir, é implantar o equilíbrio territorial dos pontos de acesso à Internet. Tratava-se de levar computadores até os menores povoados da Catalunha, para que pudessem acessar a Internet. É a política que se chama “de ferro”, “vendia-se a idéia de que Catalunha teria mais acessos públicos à Internet em toda a Europa, inclusive mais do que os países do Norte”. Quem governa a Catalunha, na epoca, é CiU, Convergência e União, partido conservador. “Eles buscam mais o equilíbrio territorial de pequenas cidades do que o sentido de cidadania, mas há setores progressistas que também incluíam o combate à fratura digital como um tema importante”, acrescenta Vladimir.
As 3 comunidades de telecentros
Para implementar o equilíbrio territorial, a Generalitat cria várias vertentes de atuação. Há 3 comunidades de telecentros, integradas na Rede de Telecentros da Catalunha (http://www.xarxa365.net/): a de Teletrabalho, que tem como principal objetivo levar as Novas Tecnologias de Comunicação e Informação a locais isolados da Catalunha, como vilas localizadas em montanhas ou regiões rurais (ver http://www.teletreball.net/). É o menor grupo de telecentros, apenas 29, e em que pese ter como objetivo criar trabalho à distância, depara-se com a necessidade de formação básica em informática dos moradores desses locais, antes que eles passem a tentar “teletrabalhar”.
Outra comunidade, que também recebeu grande aporte de recursos durante o desenvolvimento do Projeto NODAT (ou seja, foi uma época de intensa compra de equipamentos), é a comunidade chamada de “cidadania”, formada basicamente por bibliotecas, pontos de informação juvenil, centros cívicos e em salas reservadas por prefeituras de muitos municípios pequenos (ver em http://www.xarxa365.net/continguts/localitzador, e procurar por comunitat de ciutadania). De um total de cerca de 460 telecentros existentes na Catalunha, 326 pertencem a esta comunidade de cidadania. Neles, no entanto, como é possível se observar em qualquer biblioteca, inclusive de Barcelona, não há a figura do dinamizador como suporte de ajuda ao cidadão, nem atividades de formação, inserção laboral, e muito menos apropriação organizada pela comunidade. O que há é exclusivamente a oferta de acesso à Internet – o único programa disponível aí, muitas vezes, é um navegador, e sempre o Internet Explorer. A bibliotecária ou secretária do centro cívico deve acumular a pouca orientação que dá ao usuário com suas funções rotineiras.
E criou-se uma denominação para abrigar o projeto Òmnia, a comunidade “social” (http://www.xarxa-omnia.org/). São atualmente (novembro de 2005) 109 telecentros. É evidente que a denominação das comunidades não tem qualquer precisão, pois todas são sociais, todas são instrumentos de cidadania e todas permitem, em algum nível, a inserção laboral, nem que seja apenas para elaborar e enviar um currículo por e-mail.
Uso comunitário versus apropriação institucional
O Projeto Òmnia, dois anos após ser criado, passou por uma grande modificação. Na primeira convocatória, ou seja, no primeiro grande grupo de pontos Òmnia, a Generalitat incentiva a participação da sociedade civil, através de convênios com associações de moradores, associações de jovens e idosos, e os telecentros são localizados prioritariamente em bairros em que a exclusão social é muito grande. São entidades que já existem, são reconhecidas e legitimadas, não se trata de criar espaços novos, mas de trazer mais uma opção de trabalho para entidades que já estão inseridas em contextos locais. São nessa época, 1999, criados 45 pontos Òmnia, em bairros marginais de Barcelona, Terrassa, Girona, Tarragona e Lleida. Em 2001 há a criação de 68 outros novos pontos.
“Mas se perde um pouco a filosofia inicial, se incorpora o discurso do equilíbrio territorial. Trata-se de levar o Òmnia a toda a Catalunha, inclusive às menores comarcas, com muito menos habitantes, nas quais é claro que há fratura digital, exclusão social, mas não é tão grande e nem era esse objetivo, o do equilíbrio territorial, o que norteava os primeiros 45 pontos. Ademais, nos pontos iniciais a Generalitat paga os computadores, o dinamizador e a conexão à Internet. E nos outros 68 nem paga o dinamizador, nem a conexão à Internet, somente os computadores. Quem então se apresenta? A administração, as prefeituras, os conselhos comarcais, não há mais entidades pequenas, locais, de bairro.”
Com isso, acrescenta Vladimir, se abandona a filosofia de se trabalhar com entidades que já existiam consolidadas localmente, pois o custo de pagar o dinamizador e a conexão inviabiliza sua participação. Passam a existir dois grandes conjuntos internos ao Projeto Òmnia, os pontos antigos, cujos dinamizadores trabalham em geral para entidades pequenas, e com contrato, e os novos, em que há intensa precarização do trabalho, com contratos temporais, sem nenhuma garantia de continuidade, e com prestação de serviços para a administração pública dispersa no interior da Catalunha.
Nem cibercafé, nem aula de informática
Ao incorporar o Projeto, a Generalitat contrata o TEB, que faz a formação inicial e filosófica dos dinamizadores, priorizando o discurso de que não se trata de um cibercafé nem de uma sala de aula de informática, mas um projeto social em que devem estar presentes as 3 linhas de atuação.
O dinamizador tem suas obrigações, deve buscar as entidades do bairro, dialogar com elas, mostrar-lhes as possibilidades de trabalhar com as novas tecnologias, ocupar o espaço. “Se um dinamizador não abre seu ponto, o que acontece, como já ocorreu, é que o presidente da associação de moradores pode dizer que aquilo é dele, é que é uma sala de aula de informáica, o que não deve ser.”
Aliás, uma condição “sine qua non” para ser ponto Òmnia é abrir-se ao bairro, portanto não se pode especializar em um só coletivo. Em uma associação de jovens, por exemplo, a maioria serão jovens, “mas há a obrigação de fazer algumas horas por semana de horário livre para que possam vir também todas as pessoas do bairro que quiserem”. Desde 1999 já houve a criação de novos telecentros e o fechamento de outros, seja porque as entidades gestoras não quiseram ou não puderam manter o ponto Òmnia, seja porque elas mesmas deixaram de existir, seja ainda porque aqueles localizados em escolas de formação de adultos, que integravam o Projeto, paulatinamente deixam de pertencer ao Òmnia e passam a ser incorporados ao Departamento de Educação da Catalunha. Os pontos novos, por sua vez, são resultado de solicitações pontuais, analisadas caso a caso pelos Departamento de Bem-Estar e Família e pelo Departamento de Universidades, Pesquisa e Sociedade da Informação, ambos responsáveis pelo Projeto Òmnia.
Perfil dos dinamizadores: social, educativo, informático
Quando foi criado o Projeto NODAT, falava-se que deveria haver um “tutor” em cada PIAP – pontos públicos de acesso à Internet. Mais tarde, a partir da incorporação do Projeto Òmnia, passa-se a falar de dinamizador, figura-chave para gestionar cada telecentro. Ou seja, menos que uma “tutela”, esse educador social deve dinamizar, buscar implementar dinâmicas próprias ao seu local de trabalho, a partir do contato e da sensibilização de entidades e população do entorno. Embora o dinamizador esteja ausente em quase todos os telecentros da comunidade de “cidadania”, nos pontos Òmnia são a principal referência para o trabalho com a população.
Seu perfil exato ainda é muito discutido. A Generalitat está acabando de concluir, em 2005, a criação de uma proposta de titulação específica para o dinamizador, a ser oferecida pela Universidade Ramón Llull. Dessa forma se pretende ao mesmo tempo definir melhor qual o perfil que se deseja – uma formação em que se misturam a de educador social e a de técnico em informática – e, também, uniformizar a remuneração dos dinamizadores, que hoje varia, sem nenhum critério mínimo, em função da entidade gestora.
Diz Vladimir que é muito difícil encontrar o perfil desejado de dinamizador, em que se some o perfil social com o de conhecimento de tecnologia. “Inicialmente o TEB apostou em um perfil social, mas depois se viu que era necessário dominar a tecnologia, e se investiu em formação, em um projeto próprio de formação de dinamizadores.”
Até hoje (novembro de 2005) não se exige uma titulação específica para ser dinamizador, muitos deles não têm título universitário. Não há data prevista, ainda, para que se passe a exigir a titulação a ser oferecida pela Universidade Ramón Llull. Aqueles dinamizadores que possuem determinados títulos, como de educador social, sociologia, pedagogia, direito, e/ou certo número de anos de experiência na função, possivelmente receberão equivalência ao novo título. O que não se sabe é se as entidades gestoras dos pontos vão concordar com a remuneração que vier a ser fixada – corre-se sempre o risco de que algumas deixem de oferecer esse serviço à população, caso isso implique em maiores gastos.
O trabalho do dinamizador está em geral mal remunerado – entre 800 e 1.000 euros ao mês, para jornada semanal de 40 horas. Há muitos que ganham menos, pois fazem jornada de 30, ou até mesmo de 20 horas semanais. Para que se possa comparar, 800 euros mensais equivale praticamente ao salário mínimo na Espanha, e dificilmente se aluga apartamento pequeno, de 1 ou 2 quartos, em Barcelona, por menos de 400-500 euros. “Além disso, as relações com as entidades às vezes são difíceis, então a rotatividade entre os dinamizadores é muito alta, e isso impede um trabalho comunitário, que é o mais importante que se pede a eles, porque para trabalho comunitário se necessita tempo, é preciso conhecer as entidades do bairro, visitá-las, estar presente”, ressalta o presidente do TEB.