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Laia Bascuñana, 3 anos como voluntária antes de ser dinamizadora

Centro Aberto TRIA

A atuação de Laia no deteriorado bairro da Ribeira, centro de Barcelona

Proximidade com ramblas e estado de abandono dos prédios favorece delinqüência

O ponto Òmnia do Centro Aberto TRIA situa-se também na Cidade Velha, mais exatamente no bairro da Ribeira, área de Barcelona extremamente deteriorada, apesar das tentativas de revitalização feitas pela Prefeitura. Da mesma forma como os bairros Gótico e Raval, além de grande quantidade de imigrantes, é uma região de desempregados, punks, anarquistas, aditos ao álcool ou a outras drogas, hóspedes de hostais e apartamentos com banheiros coletivos e que volta e meia são objeto de denúncias por falta de higiene e superlotação. Nesse ponto Òmnia trabalha, como na maior parte desses telecentros, apenas uma dinamizadora, Laia Bascuñana, ex-voluntária da entidade durane 3 anos em outras funções, e que ao conversar conosco estava há apenas duas semanas como responsável do ponto Òmnia.

A proximidade com as ramblas e a circulação de turistas atrai à Cidade Velha de Barcelona pequenos delinqüentes, batedores de carteira, de celulares e de bolsas. Entre o Museu Picasso e o recém-reaberto Mercado de Santa Catarina vêem-se cortiços, imóveis abandonados por causa do alto custo de reforma e que em seguida são tomados pelos “okupas”. O prefeito Joan Clos, do Partido Socialista da Catalunha, que se jacta do protagonismo internacional de Barcelona, fecha os olhos ante o abandono dos imóveis em torno do Mercado, reinaugurado num curioso dia de festa em que um pouco de chuva resolveu quebrar a seca rotina da estiagem,  surpreendeu a todos e conseguiu encontrar goteiras no glamoroso e novo telhado estilo modernista. Nas ruas, o cheiro de urina, e muitas vezes as fezes de gente e de cães se misturam, como em muitos outros lugares da cidade, caminhar nas calçadas, ali, é exercício de alto risco. Há intensa campanha contra os chamados “incívicos”, que deixam latas e excrementos durante a noite, ou de dia. Após cada blitz de limpeza da Prefeitura, inúmeros locais da Cidade Velha voltam a ser ocupados pelos moradores de rua, pelos bêbados ocasionais ou contumazes, de após a balada da cidade que se orgulha de ser um dos destinos preferidos dos turistas, inclusive daqueles que chegam na sexta-feira à noite e se vão no domingo, deixando os escombros atrás dos vôos de baixo custo.

Uma das principais atividades de Laia é ajudar os imigrantes a encontrar trabalho. A dinamizadora conta que ao chegar a Barcelona eles geralmente não sabem como fazer para buscar emprego, sentem-se um pouco perdidos, e o ponto Òmnia os auxilia até mesmo a mover-se por Barcelona, a encontrar um endereço, um bairro. “Em seus países de origem não necessitam de currículo, muitas vezes nem sabem o que é um currículo”. Na Espanha, essa formalidade é necessária para qualquer função, ajudante geral, pedreiro, faxineira, “quem contrata prefere assim, pois é mais formal”, diz a dinamizadora. O Centro TRIA faz parte da Fundação Comtal, onde há um serviço específico para busca de emprego. Após ser orientado, o interessado vai ao ponto Òmnia, em que Laia desenvolve oficinas para ensinar a elaborar um currículo e a utilizar as ferramentas de busca, as bolsas de trabalho online. Em La Ribera, os imigrantes que procuram o Òmnia são majoritariamente marroquinos, mas também há dominicanos, e ali chegam igualmente italianos, alemães, ciganos, “há de tudo”, informa Laia.

Na rádio, solução para “problemas de cuernos”

O ponto Òmnia dá suporte a outras atividades da Fundação Comtal (ver http://www.comtal.org/comtal.htm): um deles é o Èxit, destinado a jovens entre 16 e 18 anos em situação de risco social. A eles são dados cursos técnicos de eletricidade e carpintaria, noções de informática, além de oficinas de rádio – no site das práticas de rádio é possível acessar as músicas, os comentários do clássico Barça-Real Madri, um vídeo sobre a atividade e um consultório sentimental, no qual “tus problemas de cuernos se solucionarán”
(em http://www.ravalnet.org/ravalmedia/elespacio/exit/index.html).

Há ainda aulas de reforço escolar para crianças e jovens entre 6 e 16 anos, que pertencem a famílias em situação precária ou desestruturadas, além de oficinas com crianças portadoras de necessidades especiais e com jovens de uma associação recreativa (esplai) do bairro. Da mesma forma como a Associação Infantil do Raval, a Fundação Comtal possui, com apoio do ponto Òmnia, uma Unidade de Escolarização Compartida – UEC. Segundo as diretrizes do sistema educativo oficial, essas escolas são destinadas ao alunado “com necessidades de ensino especiais, alunos que apresentam de maneira reiterada e contínua desajustes graves, condutas prelidelitivas, absentismo injustificado e reprovação escolar que põem em perigo a convivência do centro que oferece o ensino regular”. A UEC da Fundação Comtal é pequena, possui apenas 12 alunos, que também participam das atividades de inserção laboral.

A prioridade para ocupar os horários do Òmnia pertence às entidades, sejam de outras áreas da “casa”, sejam entidades externas, com as quais se tenta colaborar. Esse é um dos aspectos do chamado uso comunitário do projeto Òmnia, oferecer um espaço de novas tecnologias a ser ocupado pela sociedade organizada do bairro em que ele está localizado. Nos horários do ponto Òmnia que não são preenchidos por outras áreas da Fundação Comtal e por entidades externas, Laia tenta atender aos pedidos de formação feitos pelos usuários. “O que pedem mais é de iniciação ao computador, a Windows, aos programas, porque eles não têm nem idéia do que é um computador, nunca ligaram um equipamento.” Poucos são os grupos que pedem um programa como o Excel. Geralmente o rendimento é melhor nas oficinas formativas da noite, nas quais os alunos chegam a freqüentar um 2º nível de vários cursos. Queriam que fosse oferecido um 3º nível, mas a dinamizadora não tem tempo nem espaço para isso. E há também, todos os dias, algum horário do ponto destinado ao uso livre.

O ponto Òmnia do Centro Aberto TRIA é um dos 45 pontos criados em 1999, portanto, um dos “antigos”, já que em 2001 se criaram outros 68. O governo da Catalunha renovou no final de 2004 os computadores de 20 pontos Òmnia, dos “antigos” – ritmo que deixa descontentes muitos dinamizadores, pois, se essa marcha não for acelerada, no final de 2006 vários pontos ainda estarão com equipamento de 1999. O ponto TRIA foi um dos 20 pontos que receberam os computadores novos. Para permitir que mais usuários possam estar na sala, Laia usa os equipamentos novos e também os velhos – no total, 16 -, que não precisam ser devolvidos. “Como os novos são XP, e os antigos, Windows 98, são lentos, e uns estão em catalão, outros em castelhano, fico meio louca”, comenta a dinamizadora.

 

Ajuda ou vigilância?

Formada em Publicidade e Relações Públicas (na Espanha, esta habilitação abrange as duas áreas), Laia gostaria que houvesse maior apoio para os dinamizadores. Sente-se isolada e queixa-se da quase inexistência de tempo disponível para planejar sua atividade. O horário de que dispõe para isso é fragmentado em períodos muito curtos, ou então ocupa o chamado tempo ou uso livre, quando sempre há alguém que necessita ajuda, além de ser preciso controlar o que acontece na sala. “Você não consegue se concentrar nas suas coisas, o ritmo é muito puxado, e é preciso planejar atividades totalmente diferentes, desde crianças deficientes que não podem nem mover o mouse e depois jovens que sabem mais do que você, quando se trata de Internet e jogos.” Ela também reclama do acompanhamento estatístico (número de usuários, de “usos”) que é exigido pela instituição coordenadora daquele ponto, a Fundação Pere Tarrés: “Às vezes chego a pensar que as entidades que existem em princípio para exercer uma coordenação o que mais fazem é te vigilar e saber quantos usuários vêm aqui do que mesmo para te ajudar”.