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Entrevista com Bolsista de PDSE – Felipe Souto

Felipe Souto

Relato pessoal

‘Acredito que o desejo de se estudar em outro país é algo bastante comum em quem está cursando alguma pós-graduação. Ainda no mestrado eu tive o interesse de buscar uma oportunidade de intercâmbio, já que tinha uma bolsa que me permitia isso.
Então, como já estudava a obra de Gianni Vattimo, entrei em contato com o Prof. Santiago Zabala da Universitat Pompeu Fabra de Barcelona que é o responsável pelo Centro UPF para la filosofía y los archivos de Gianni Vattimo, a resposta positiva ainda em 2019 me animou a concretizar essa oportunidade num futuro próximo. Mas, em seguida veio a pandemia e tive que adiar os planos. Hoje acredito que pessoalmente foi melhor não ter vindo antes, no doutorado se pode aproveitar bem mais essa oportunidade e se preparar melhor.
Meu atual projeto de doutorado concentra-se em propor uma ontologia política derivada da filosofia da religião de Vattimo com seu princípio de caritas. Desde que ingressei no PPCIR conversei com meu orientador, Prof. Frederico Pieper, sobre a possibilidade de um sanduíche e ele me motivou e me auxiliou com o projeto e a documentação necessária.
Assim que saiu o edital da CAPES, entrei novamente em contato com o prof. Zabala e prontamente ele me respondeu me aceitando como pesquisador nos arquivos de Vattimo. O resultado da CAPES saiu no final de junho de 2022 e no dia 9 de setembro do mesmo ano vim para Barcelona para desenvolver parte do meu doutorado aqui. No total, o sanduíche durou 10 meses e finalizará no dia 30 de junho de 2023. Volto ao Brasil com uma bagagem enorme de crescimento pessoal e boas referências para minha pesquisa.’

Entrevista com Bolsista de PDSE – Felipe Souto

Como você se sentiu ao receber a notícia de que ganhou a bolsa para estudar no exterior?
‘A notícia do recebimento da bolsa foi um processo longo entre certeza e incerteza. A cada passo do processo que eu passava, me sentia mais confiante de que a bolsa seria uma realidade. Mas até que não saísse a notícia definitiva no site da CAPES, eu sentia um misto de sentimentos entre a incerteza de não ser contemplado com a bolsa e a certeza de que estava cada vez mais próximo de um resultado positivo. Quando saiu o resultado eu me senti muito feliz e satisfeito por ter conseguido (já que a experiência no exterior sempre foi algo que eu quis na minha formação), mas ao mesmo tempo não me senti surpreso, devido ao longo processo de pequenas aprovações. É como se a notícia fosse dada à conta gotas.’

Qual é o país e a universidade em que você está estudando atualmente?
‘Atualmente estou na Universitat Pompeu Fabra em Barcelona, Espanha.

O que motivou sua escolha?
Minha escolha foi motivada especificamente pelo meu tema de pesquisa. Como estudo a obra do filósofo italiano Gianni Vattimo, descobri que havia na UPF de Barcelona o Centro para la filosofía y los archivos de Gianni Vattimo, no qual estão armazenados os arquivos do filósofo. Assim que não foi difícil escolher o local do sanduíche.’

Quais foram os critérios de seleção para essa bolsa e como você se preparou para o processo seletivo?
‘Pode-se dizer que os critérios de seleção estão divididos em duas partes: 1) da instituição de ensino e 2) da CAPES.
Em relação à primeira parte, o processo seletivo exige uma boa pontuação do currículo Lattes e um bom projeto de pesquisa específico para o sanduíche. Obtive nos dois requisitos a pontuação necessária para ser indicado à segunda etapa.
No segundo momento, sua documentação toda vai para a CAPES e então deverá comprovar o conhecimento na língua estrangeira do país que pretende estudar. No meu caso, precisava obter B2 em espanhol pelas provas SIELE ou DELE. Consegui a pontuação C1 (a máxima é C2) com o SIELE, ou seja, uma posição a mais do que é exigido. Foram dois anos de estudo de espanhol para essa prova (já no mestrado eu tinha o interesse de um dia estar nos arquivos do Vattimo, então já havia começado a me preparar com o espanhol) e mais um intensivo de estudos nos dois meses anteriores à prova. Além disso, foi necessário também solicitar da Universidade e do orientador no exterior as suas respectivas cartas de aceite, para comprovar o vínculo que se estava construindo. Como eu já tinha feito um contato há dois anos atrás com o prof. Santiago Zabala, não foi difícil esse processo.
Também a excelência acadêmica durante o curso de doutorado necessitou ser pontuada para avaliar o rendimento nas disciplinas. Outra coisa que também me foi pedida é que eu já tivesse feito o exame de qualificação antes da viagem, para isso, produzi um possível capítulo para a tese doutoral e o submeti à banca de qualificação, da qual obtive a aprovação.’

Quais são os benefícios de estudar no exterior na sua área de estudo?
‘A área de Ciência da Religião tem uma consolidação na Europa antes de chegar ao Brasil, isso permite que o pesquisador tenha contato com outras referências de pesquisa e uma literatura mais vasta que pode ainda não estar traduzida para o português (é o caso de Alois Haas ou Eugenio Trias, por exemplo, o primeiro é especialista em estudos de mística e o segundo tem importantes textos para a filosofia da religião). Agora, é verdade que minha ligação com a UPF está na área de Filosofia, portanto, os interesses específicos de ciência da religião passam pela minha pesquisa e não pelo Centro UPF dos arquivos Vattimo. Nesse sentido, o ganho que eu pude obter é duplo: tanto para a CR quanto para a filosofia, estar no exterior foi um momento de coletar muita bibliografia nova e desconhecida, agregá-las à pesquisa e, sobretudo, fazer contato com outros pesquisadores de Vattimo, sobretudo o prof. Zabala e o prof. Gaetano Chiurazzi.’

Quais são as principais diferenças que você encontrou entre o sistema educacional brasileiro e o do país em que está estudando?
‘De modo geral, eu acredito que o sistema educacional brasileiro (penso no universitário apenas) consegue ser tão bom quanto o sistema espanhol. A organização e a seriedade da ciência brasileira é algo que não costumamos levar muito em conta sem sair do Brasil, mas quando estamos trabalhando no exterior, vemos que o Brasil tem grandes avanços em coisas simples que outros países não possuem. Em relação à Espanha, esses avanços podem ser vistos em: a existência de uma plataforma como o Lattes, o portal Periódicos CAPES e, sobretudo, o financiamento de mestrados com bolsas (na Espanha também existe, mas o acesso não é facilitado como no Brasil). Por falar em mestrado, isso é uma das coisas que mais me chamou à atenção aqui, no Brasil os mestrados são maiores e mais exigentes, na Espanha eles são um pouco mais modestos e não exigem muito dos alunos. Seria algo entre uma pós-graduação latu sensu e um mestrado acadêmico. Também as aulas do mestrado que eu tive a oportunidade de participar aqui me pareciam mais aulas de graduação (com certeza, toda essa percepção minha está atrelada ao departamento de Humanidades da UPF).
Outra diferença em relação ao Brasil refere-se ao doutorado. Aqui são de 3 anos, mas isso pode variar de instituição para instituição. Também o período sanduíche que as bolsas do Brasil oferecem são maiores, em geral na Europa se faz o Erasmus de apenas 3 meses.
Outra coisa é que eu senti falta de um grupo de pesquisa, o desenvolvimento das pesquisas orientadas pelo Prof. Zabala é apenas entre ele e seu orientando, não há um grupo que funcione regularmente.
Por fim, acho que a maior diferença entre Brasil e Europa é o calendário acadêmico. Aqui o ano acadêmico inicia em setembro e termina em junho. Especialmente na UPF, se divide o ano em três trimestres com pequenas férias entre eles. 1° setembro-dezembro, 2° janeiro-março e 3° abril-junho. Dessa maneira, todas as disciplinas são obrigadas a serem ofertadas em apenas 3 meses incluindo as avaliações. As outras grandes universidades de Barcelona (UB e UAB) não seguem esse modelo.’

Como é a interação com outros estudantes estrangeiros e locais em seu programa de pós-graduação? Há alguma diferença cultural notável?
‘A UPF disponibiliza um escritório de trabalho coletivo para os estudantes de doutorado e pesquisadores visitantes. Como estou associado à universidade como pesquisador visitante, pude ter acesso ao escritório e fazer ali boas amizades com colegas da Espanha e de outros países. A maior parte dos estudantes ali são espanhóis, mas também estão no escritório dois italianos, uma russa, um estadunidense, até março também estava uma iraniana e eu do Brasil. Essa convivência permite uma troca cultural muito efetiva e interessante, mudou a forma como eu via o Irã ou a Rússia, por exemplo. A multiculturalidade presente ali me deu uma sensação a mais de pertença, por não ser o único estrangeiro, me senti mais confortável com o ambiente já de início. Mas também todos os estudantes foram muito acolhedores. A experiência de ter um escritório de trabalho em conjunto com outros estudantes é muito positiva no doutorado, nos sentimos como parte importante da universidade, estamos fazendo nosso trabalho e ainda possibilita a criação de vínculos entre os pesquisadores. É algo que as universidades brasileiras poderiam copiar em um futuro próximo.’

Quais são as oportunidades de pesquisa que você destaca?
‘Acho que a principal oportunidade de pesquisa é o acesso aos arquivos de Gianni Vattimo, no qual pude encontrar textos importantes para minha tese que passam desde religião até política. Tais textos ainda não estão publicados e serão de grande uso na tese. Outra oportunidade foi encontrar livros de Vattimo ou sobre ele que são de difícil acesso no Brasil. Também o fato de fazer o contato com o prof. Zabala e com o prof. Chiurazzi foi importante para o desenvolvimento da ideia da tese e para abrir oportunidades futuras na minha formação acadêmica como, por exemplo, um pós-doutorado, já que ambos professores se dispuseram a me receber em outro momento para um pós-doc.’

Você participou de alguma conferência ou evento relevante para a área?
‘Especialmente para a área de CR não tive a oportunidade de participar, no entanto, participei de dois eventos relevantes para os estudos de Vattimo:
1) Weakening Strategies. Vattimo and Chinese Thought.
2) First International Workshop “Vattimo’s Farewell to Truth”‘

Como você avalia o suporte oferecido pela instituição de ensino e pelos programas de pós-graduação no exterior?
‘O suporte da instituição foi excelente, tive a oportunidade de ter uma mesa de trabalho exclusiva na sala de pesquisadores. Também tinha acesso à impressora (com impressão ilimitada e gratuita), empréstimo de até 30 obras por vez na biblioteca, acesso à Internet e ao ambiente virtual da Universidade com e-mail institucional. Todas as condições de trabalho foram oferecidas e aproveitadas.’

Quais são os desafios que você enfrentou durante seu período de estudos no exterior e como os superou?
‘Acho que o maior desafio é a distância da família e da minha namorada, no meu caso. Para a superação dessa situação não existe uma fórmula pronta, já que cada pessoa leva isso de uma maneira diferente, mas precisei também de ajuda da minha psicóloga e de fazer outras amizades aqui para conseguir apaziguar a falta de algumas pessoas próximas. Agora, de maneira geral, eu não tive muitos desafios com a língua ou com a cultura, minha adaptação foi bem tranquila nesse ponto. Em relação ao espanhol, pude desenvolver muito a minha pronúncia e aprendê-lo muito melhor, nunca tive medo de falar algo errado e no começo era comum eu me autocorrigir ou perguntar se estava certo.
Talvez um desafio linguístico em Barcelona apareça pra quem venha pra cá: o catalão. A Catalunya tem como idioma oficial o catalão e o espanhol é o segundo idioma, então, naturalmente se acaba aprendendo um pouco dessa língua que no começo parece impossível, mas aos poucos vai se acostumando. Hoje eu digo que meu espanhol ficou “catalanizado”, já que adotei algumas expressões do catalão para a minha comunicação diária aqui (por exemplo: “deu” no lugar de “adiós”, “no passa res” ao invés de “no passa nada”, “bon día” ao invés de “buenos días”). Outro ponto nesse sentido é que de modo geral é muito importante vir a Barcelona sabendo inglês, se você pretende estudar aqui. Eu precisei usar o inglês muitas vezes na universidade, tendo inclusive uma amiga do Irã que só falava inglês e nada de espanhol. Posso dizer que Barcelona me ajudou a tirar o medo de falar essa língua e hoje sou mais confiante com esse idioma. Assim que embora eu não tivesse um desafio específico com o espanhol, o fato de estar em Barcelona me colocou outros desafios com o inglês que eu precisei superar pondo em prática o que eu já sabia pela necessidade de comunicação.’

Que conselho você daria para outros estudantes que estão considerando buscar oportunidades de estudo no exterior na área de Ciência da Religião?
‘O conselho que posso dar é: se prepare com muita antecedência. Se você quiser ter uma experiência no exterior, é bom construí-la desde seus primeiros anos já no mestrado estudando a língua do país que deseja morar, estudando a literatura principal do seu objeto de pesquisa e depois mantendo a relação com o pesquisador no exterior que pretende que seja seu orientador. Quando chega o edital da CAPES é tudo muito rápido e se você não tem o idioma preparado e o seu projeto (ainda que seja em estágio estrutural), dificilmente terá tempo hábil de desenvolver todo o necessário para a apresentação de documentos. E, claro, busque sempre um orientador e uma universidade que esteja de acordo com o desenvolvimento da sua pesquisa e que de fato vá contribuir para a tese doutoral. É muito importante levarmos a ciência brasileira para fora do país e a oportunidade do sanduíche é expressão da oportunidade e da necessidade de fazermos isso. A educação pública brasileira deve ser vista e valorizada!’

1. Felipe com o prof. Santiago Zabala, responsável pelos Arquivos Vattimo.

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