Nutricionista é uma das coordenadoras do estudo desenvolvido na USP.
A pandemia de Covid-19 alterou a rotina das famílias brasileiras. Com mais pessoas dentro de casa, a forma de se alimentar também foi modificada durante esse período, sobretudo para as mulheres. É o que aponta uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP), que avaliou mulheres brasileiras de diferentes estados nutricionais e classes sociais. Ao investigar se o isolamento social afetou as escolhas e o consumo de alimentos pelas mulheres, a pesquisa do grupo Applied Physiology & Nutrition Research Group também procurou saber o que essas mudanças provocaram. O estudo é coordenado pela nutricionista Caroline Ferreira, da própria USP.
Os pesquisadores buscaram entender alguns aspectos como a redução do consumo de alimentos in natura relacionado ao acesso reduzido a supermercados, feiras ou hortifrutis ou relacionado ao aumento do preço; maior consumo de alimentos ultraprocessados e, consequentemente, ganho de peso e desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como por exemplo, diabetes e hipertensão. A ideia dos pesquisadores é que o resultado do estudo auxilie estratégias de prevenção e combate de DCNT desenvolvidas por hábitos alimentares inadequados durante o período de quarentena.
O estudo avaliou como os aspectos psicológicos foram afetados em relação aos hábitos e escolhas alimentares. Os dados revelam que as mulheres cozinharam mais, reduziram idas aos supermercados e utilizaram com maior frequência serviços de entrega, o delivery. Como consequência, muitas deixaram de lado a dieta. Pesquisadores avaliaram que as emoções tiveram um importante papel no processo de escolhas alimentares, com a influência de fatores fisiológicos, genéticos, econômicos, sociais e psicológicos.
A nutricionista Carolina Nicoletti Ferreira (29349/CRN-3) é uma das coordenadoras da pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Ela conta que a ideia surgiu quando os pesquisadores perceberam que a quarentena e o isolamento social poderiam acarretar em reações ou sensações que modificariam diretamente a rotina alimentar dos brasileiros. Levaram em consideração o impacto maior para as mulheres, por deterem, na maioria das vezes, mais responsabilidades com a alimentação, maior preocupação em seguir recomendações sobre alimentação saudável e por serem mais propensas ao “comer emocional”.
“De maneira geral, o que mais nos chamou atenção foi o grande aumento no pedido de comida pronta pelo serviço de delivery. Dentre as comidas mais pedidas estavam comida caseira, doces e pizza. Porém, também se observou aumento no hábito de cozinhar e de sentar a mesa para comer”, destaca Carolina Ferreira.
Uso do delivery
A pesquisa indicou aumento expressivo de 146% no uso de serviços de entrega de comida. Segundo a nutricionista Carolina Ferreira, as mudanças nas rotinas de trabalho podem ter contribuído para o aumento do uso de delivery. “Para algumas mulheres, a rotina do trabalho no formato home-office pode ter gerado a necessidade de pedir comida pronta. Por exemplo, aquelas que costumavam almoçar em restaurantes, mesmo estando em casa, optaram por pedir comida”, explica.
Também foi observada a redução de 34% da participação feminina nas compras de supermercado. O hábito de cozinhar em casa aumentou 28% e nenhuma mudança foi verificada no hábito de comer em frente à TV, tablet ou celular, ou substituir as principais refeições por lanches.
As entrevistadas também realizaram menos dietas restritivas, bem como reduziram o consumo de bebidas alcoólicas. O número de mulheres que “beliscavam” ao longo do dia cresceu 23%. Como determinantes para as escolhas alimentares mais frequentes, surgiram palavras como “fome”, “hábitos”, “necessidade” e “gostar”.
“Observamos resultados interessantes frente aos fatores motivadores da alimentação, o que foi diferente em relação ao estado nutricional, classificado pelo índice de massa corporal (IMC). Mulheres consideradas com peso normal (eutróficas) referiram “saúde” e “conforto afetivo” como fatores determinantes de suas escolhas. As mulheres com sobrepeso relataram “saúde”, “prazer” e “conveniência” e aquelas com obesidade “apelo visual” e “prazer” como principais fatores determinantes das escolhas alimentares”, alertou a nutricionista.
Pandemia
O medo e a insegurança associados a pandemia de Covid-19 transformaram o dia a dia, modificando hábitos alimentares durante a quarentena. “Os fatores determinantes das escolhas alimentares nesse período de isolamento podem estar mais atrelados ao comer emocional. Cabe a nós, nutricionistas, entender esse período e esse processo, acolher essas mulheres e acompanha-las de maneira individual, melhorando suas escolhas alimentares, visando saúde e qualidade de vida”, frisa a nutricionista Carolina Ferreira.
Entrevistadas
A pesquisa foi realizada entre junho e setembro, por meio de formulário online, com a participação de 1.183 mulheres, escolhidas por anúncios nas redes sociais, televisão, jornais e rádio. Mulheres de todas as regiões brasileiras participaram, sendo 74,5% da região Sudeste. Foram coletadas informações pessoais, antropométricos, demográficos, estilo de vida, hábitos alimentares, condição socioeconômica e sintomas psicológicos.
Texto: Rodrigo Rueda, com informações do Jornal da USP
Fonte: www. cfn.org.br