Mais de 80 organizações e coletivos nacionais e locais – formados por pais, mães, profissionais de saúde e de educação, e ativistas pelos direitos da infância-, se uniram em uma campanha em defesa da Lei da Cantina Saudável em Minas Gerais. O objetivo é incentivar ações de combate ao consumo de alimentos não saudáveis nas escolas, como defende o Guia Alimentar para a População Brasileira, e pressionar o governador Romeu Zema para que regulamente a Lei 15.072 que espera, desde 2004, por uma definição.
O Decreto 47.557, que regulamentou a Lei em dezembro de 2018, foi suspenso por duas vezes pelo governador de Minas, em junho de 2019 e em fevereiro de 2020. No dia 22 de outubro de 2020 termina o prazo de 240 dias definido no momento da última suspensão. A campanha Escola Saudável defende que o decreto entre em vigor ainda este ano para que o retorno às aulas, no momento definido pelas autoridades sanitárias, tenha a promoção da saúde como prioridade também na cantina escolar.
Para alertar para esse prazo, no último dia 6 de outubro, uma Carta Aberta em Defesa da Lei da Cantina Saudável em Minas Gerais foi encaminhada para o governador Romeu Zema. Nela, as organizações, movimentos e coletivos pedem que seja considerado o relatório produzido pelo grupo de trabalho (GT) que analisou o decreto em 2019 e reúne evidências científicas internacionais e nacionais sobre a relevância de ações no ambiente escolar para o combate às doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como obesidade e diabetes na infância.
O GT foi instituído pelo governo do estado e contou com a participação de representantes da sociedade civil, incluindo a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, o Departamento de Nutrição da UFMG e o Procon-MG. No relatório final do GT constam também a manifestação do Conselho Regional de Nutricionistas de Minas Gerais – CRN9 e da Sociedade Mineira de Pediatria em defesa da cantina saudável. Dentre as recomendações sugeridas pela sociedade civil no relatório do GT estão a manutenção dos vendedores ambulantes na porta das escolas e a mudança nos itens comercializados apenas dentro das escolas. A Lei estadual 15.072, em vigor desde 2004, define que os lanches e as bebidas fornecidos e comercializados nas escolas das redes pública e privada do estado sejam preparados conforme padrões de qualidade nutricional compatíveis com a promoção da saúde dos alunos e a prevenção da obesidade infantil. Sendo assim, produtos e preparações com altos teores de calorias, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal, ou com poucos nutrientes não poderiam ser comercializados ou distribuídos nas escolas de Minas Gerais. Mas, na prática, a lei não é cumprida em boa parte dos estabelecimentos que vendem alimentos nas escolas mineiras. O principal argumento das escolas e donos de cantinas é a ausência de uma regulamentação e do detalhamento dos alimentos que não podem ser comercializados.
Os resultados preliminares de um estudo piloto realizado em 2019, pelo Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostraram que os alimentos como refrigerantes e salgadinhos de pacote tinham lugar de destaque nas cantinas das escolas privadas de Belo Horizonte antes da pandemia. Os refrigerantes foram encontrados em 27,5% das escolas pesquisadas e as bebidas açucaradas em 70%. Balas, confeitos e chocolates, por exemplo, foram encontrados em 68,8% das cantinas visitadas. Apesar da disponibilidade de opções saudáveis como frutas e salada de frutas, no comércio nas escolas predominavam alimentos considerados não saudáveis. Essas opções podem influenciar as escolhas feitas pelos alunos e contribuir para o aumento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como obesidade e diabetes em Minas Gerais, como avalia a equipe do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ambiente Alimentar (Geppaas), que realizou o estudo com o apoio do Ministério Público de Minas Gerais.
“O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) é para todos os indivíduos. Mas é preciso um olhar prioritário da sociedade e do poder público para as crianças e os adolescentes, pois o estado nutricional nesses ciclos da vida pode comprometer a saúde futura. Sabe-se da influência do ambiente na saúde das populações e, neste sentido, é necessário que crianças e adolescentes cresçam em ambientes alimentares saudáveis para adquirirem hábitos saudáveis”, explica Regina Oliveira, presidente do Conselho Regional de Nutricionistas (CRN9-MG).
O conteúdo da lei mineira 15.072/2004 segue as diretrizes apontadas por organizações internacionais que atuam pela promoção da saúde. A OMS, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Ministério da Saúde recomendam a transformação das cantinas escolares em ambientes saudáveis como uma das estratégias para combater a obesidade infantil que cresce em todo o mundo. Salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, balas, refrigerantes e bebidas açucaradas são produtos ultraprocessados e o seu consumo está associado a doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como obesidade, diabetes, hipertensão e câncer. O comércio de tais produtos nas cantinas escolares, seja da rede pública ou privada de Minas Gerais, está em desacordo com a lei em vigor desde 2004.
O consumo de alimentos não saudáveis é uma das causas da obesidade e do surgimento de problemas de saúde, como diabetes, hipertensão e câncer, também em crianças e adolescentes. Como é uma questão grave e que aumenta a cada dia em todo o mundo, a obesidade infantil demanda um esforço coletivo com ações do Estado, das escolas e das famílias. O maior risco de agravamento das condições de saúde em pacientes com obesidade, diabetes ou hipertensão e que adoecem pela Covid-19 também é citado na Carta Aberta em Defesa da Lei da Cantina Saudável.
Segundo o Atlas Mundial da Obesidade e a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil estará na 5º posição no ranking de países com o maior número de crianças e adolescentes com obesidade em 2030, com apenas 2% de chance de reverter essa situação, se não forem adotadas medidas eficazes para frear os números. Dados do Ministério da Saúde mostram que, no Brasil, uma em cada três crianças, entre cinco e nove anos, tem excesso de peso. Em Minas Gerais, temos 29,3% de crianças entre cinco e nove anos com excesso de peso e 13,3% com obesidade. Os dados foram extraídos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), citados no Atlas da Obesidade Infantil no Brasil. O número de crianças e adolescentes (de cinco a 19 anos) obesos em todo o mundo aumentou dez vezes nas últimas quatro décadas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) proíbe a inclusão de alimentos ultraprocessados nos cardápios oferecidos na rede pública de ensino como forma de garantir a saúde de crianças e adolescentes. Em maio de 2020, a nova resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) alterou a legislação do PNAE para tornar a alimentação escolar ainda mais saudável na rede pública de ensino de todo o país. As novas medidas, adotadas por meio da Resolução nº6/2020, estão alinhadas ao Guia Alimentar para a População Brasileira e ao Guia para Crianças Brasileiras menores de 2 anos, este último lançado em 2019.
Outro ponto que reforça a importância da cantina saudável em todas as escolas é que, em 2018, a educação alimentar e nutricional também passou a ser um tema transversal do currículo escolar na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, pela Lei nº 13.666/2018, e em consonância com o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas.
Fonte: www.alimentacaosaudavel.org.br