Assédio. Infelizmente, a comunidade acadêmica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) também passa por esse problema. Problema que permeia toda sociedade, sem distinção, mas que se manifesta especialmente onde são latentes os conflitos de poder como no espaço acadêmico. Neste 2 de maio, mais uma data marca a necessidade de enfrentamento dessa prática – o Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral.

Há anos, a instituição vem tentando construir ações contra o assédio, entre elas, a criação da Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas em 2016, as campanhas institucionais como “A Universidade é pública, meu corpo não” e “As relações interpessoais e o assédio”,  além da punição dos assediadores diante das denúncias rigorosamente apuradas. 

Pró-reitora de Gestão de Pessoas, Renata Faria, coordena as ações do Grupo de Trabalho com sentido de viabilizar a proposta de uma política institucional contra o assédio (Foto: Alexandre Dornelas)

Não basta. Principalmente, porque parte dessa comunidade continua em uma posição extremamente vulnerável – as mulheres que prestam serviços por meio de empresas terceirizadas são um dos exemplos. Em setembro de 2022, um grupo de trabalho (GT) sobre o assunto foi formado e as discussões apontaram para a necessidade de ampliação dos representantes e para a definição de ações a serem colocadas em prática ainda este ano. 

“O reconhecimento desse problema dentro da Universidade é o primeiro passo para o seu enfrentamento, que deve ser institucionalizado, democraticamente debatido e pesquisado em seus diversos vieses no cenário universitário”, avalia a integrante do GT, Elaine Pereira de Bem, representante dos técnico-administrativos em educação (TAEs).

Segundo a pró-reitora de Gestão de Pessoas, Renata Faria, as demandas relacionadas ao assédio moral e sexual ressurgiram com mais força, após o período de pandemia, através de reivindicação do movimento grevista dos TAEs e também pela ocorrência de novos casos de assédio sexual na UFJF. As reuniões do GT ampliado estão em curso e já resultaram na criação de um fluxograma de atendimento a denúncias e no início da construção de uma política institucional de enfrentamento ao assédio. 

“Vislumbra-se como parte desta política a atuação de toda comunidade universitária no enfrentamento ao assédio moral e sexual através de campanhas institucionais, sensibilizações e capacitações, organização de seminários e fóruns que possibilitem maior conhecimento da questão e encaminhamentos necessários”, explica Renata. A previsão é que os trabalhos sejam concluídos em 60 dias para posterior encaminhamento ao Conselho Superior (Consu).

As ações da UFJF vão, ainda, ao encontro da publicação da nova Lei Federal, de 3 de abril, que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal.

Fluxo de atendimento às vítimas

No fluxograma em construção pelo GT, a Ouvidoria Especializada foi escolhida como o setor mais adequado ao recebimento das denúncias. A escuta qualificada da ouvidora, atualmente no cargo, garante o devido acolhimento das vítimas, dentro das regras de sigilo. Registrada, a denúncia será encaminhada aos setores responsáveis pela apuração do caso – a Comissão de Ética e/ou a Diretoria de Controle Institucional – e a vítima deverá ser encaminhada aos serviços de assistência de saúde integral, legal e jurídica.

Ao mesmo tempo, o fluxo não fecha as portas para importantes atores no enfrentamento ao assédio. São eles: as pró-reitorias de Gestão de Pessoas e de Assistência Estudantil, as entidades representativas (DCE, APG, Apes, Sintufejuf), direção e coordenação de unidades, além da ouvidoria geral. Esse grupo deve estar atento para fazer o primeiro acolhimento, mas, ainda assim, orientar a vítima, por meio de um Termo de Ciência, a procurar a Ouvidoria Especializada. Na Ouvidoria Especializada, a pessoa assediada será novamente acolhida e poderá decidir pelo registro ou não da denúncia. 

O fluxograma poderá ser revisado, em um processo dinâmico de melhorias que acompanhe novas diretrizes e a estrutura da instituição. 

Fluxo em desenvolvimento. Clique na imagem para ampliar

Nas salas de aula e na pesquisa

Além do assédio no ambiente de trabalho, ou seja, cometido entre colegas ou entre superiores e subordinados, as universidades, de modo geral, se deparam com relações interpessoais nas quais os limites são bastante tênues, quando não, invisíveis. Como saber se um professor é apenas exigente ou abusivo? Quais são as fronteiras dos vínculos de amizade formados?

Para a aluna Leiliane Germano, a UFJF precisa ampliar a equipe da Ouvidoria Especializada, abrindo mais espaços de acolhimento às vítimas (Foto: Pedro Salles)

“Vemos a questão do assédio dentro do ambiente acadêmico como algo que envolve questões de poder, estruturas sociais que reforçam comportamentos sexistas e tabus”, comenta a representante do Diretório Geral dos Estudantes (DCE), Leiliane Germano. Há também, segundo ela, um medo entre as alunas de denunciar o comportamento de professores, por receio de não serem acolhidas ou do impacto da acusação na jornada acadêmica delas.

A falta de limites claros na relação entre professor e aluno, também na pós-graduação, é uma das situações relatadas pela coordenadora geral da Associação dos Pós-Graduandos, Dalila Varela. “Vivemos uma normalização de micro violências e assédio, sobretudo, moral. Seja do orientador, nas bancas de seleção ou de defesa, há uma cultura de menosprezo pelo/a jovem pesquisador/a, inferiorização do seu trabalho, entre tantas outras condutas que envolvem relações de poder.” 

A professora Joana Machado acredita que a Universidade possa usar as pesquisas de seus docentes e envolver toda a comunidade em um debate profundo sobre o tema (Foto: Alexandre Dornelas)

Ambas compartilham a preocupação de que muitos estudantes, sobretudo, jovens mulheres, desistam de seus cursos ou da possibilidade de uma carreira acadêmica por conta de processos de formação traumáticos. Para interromper esse ciclo, apostam no debate em todos os níveis da instituição, com propostas, políticas de enfrentamento e acolhimento. “Acredito que ações pedagógicas para fomentar o debate entre o corpo docente, discente, técnico e terceirizado, elaborando novos caminhos e práticas, são essenciais para construir um ambiente universitário que não seja a causa do adoecimento mental de sua comunidade”, resume Dalila.

Para a professora da Faculdade de Direito, Joana Machado, também integrante do GT, “hierarquias formais e simbólicas, profissionais e educacionais, associadas a desigualdades estruturais de gênero, raça, classe, orientação social, entre outros, forjam relações bastante assimétricas, que desafiam a autonomia, liberdade, segurança, saúde integral e permanência das partes vulnerabilizadas por essa estrutura”. O problema não é exclusivo da UFJF, obviamente, mas sua dimensão em relatos e pesquisas recentes, segundo Joana, evidenciam a urgência da pauta.

Capacitação

Segundo a pró-reitora de Gestão de Pessoas, Renata Faria, a instituição está desenvolvendo uma cartilha sobre assédio a ser entregue aos trabalhadores terceirizados, principalmente, às mulheres. Essa é uma das iniciativas imediatas diante da vulnerabilidade deste grupo. Também estão previstos encontros para debate e sensibilização.

No dia 26 de maio, o GT ampliado e as equipes que geralmente atendem as vítimas de assédio terão a oportunidade de realizar uma capacitação com uma profissional convidada da Fiocruz, que possui uma política de enfrentamento ao assédio implantada desde 2014. A intenção é alinhar o entendimento das equipes sobre o assunto e, em outra oportunidade, levar a capacitação para toda a comunidade. 

“Queremos desenvolver atuações conjuntas com diferentes representantes da UFJF, como grupos de estudos e artísticos, sindicatos e entidades representativas, órgãos públicos e outros coletivos, no sentido de ampliar a rede de mobilização e envolvimento com a vigilância, a promoção e a proteção das relações e condições de trabalho éticas e humanizada”, diz a pró-reitora.

Resultados esperados

Tanto a professora Joana Machado como a TAE Elaine de Bem acreditam que a discussão deve ser ampla, em todos os níveis, considerando, ainda, as pesquisas desenvolvidas pela instituição. “Esperamos que desse trabalho resulte instrumento normativo e política institucional que permitam avançar nas dimensões preventiva, pedagógica e repressiva do assédio moral e sexual e de outras violências que fazem da universidade hoje um ambiente pouco seguro e acolhedor para boa parte da comunidade acadêmica”, antecipa Joana.

Elaine acrescenta que o processo de construção da política deve considerar os recortes de gênero, raça e diversidade, e não se encerrar com sua publicação. “Para que tudo funcione, temos que ter uma escuta permanente de toda comunidade em sua complexidade, temos que ter pesquisas e avaliações constantes para entender o que está funcionando, o que precisa ser alinhado, como os números estão mudando em nossa comunidade, onde nós temos mais problemas identificados e quais os tipos de violências que tem maior incidência.”

Neste sentido de ampliar o debate, as entidades representativas do GT (Apes, Sintufejuf, DCE e APG) irão realizar nesta quarta-feira, 3, uma reunião sobre assédio junto as suas bases, aberta à comunidade. O encontro será às 18h na sede da Apes.