Dengue, zika, chikungunya, malária, elefantíase, leishmaniose, febre amarela. O que essas doenças têm em comum? Todas são transmitidas por mosquitos. Pequenos, visualmente inofensivos, mas vetores de doenças potencialmente fatais. Segundo o Ministério da Saúde, só no primeiro semestre de 2018, 95 pessoas morreram por conta de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, sendo 80 por dengue, 13 por chikungunya e 2 por zika. Já para malária, o relatório anual da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelou 218 mil casos da doença em 2017. O que fazer para se proteger contra estes mosquitos?
A icaridina, princípio ativo encontrado em diversos repelentes do mercado, é altamente eficaz no combate de mosquitos. Possui ação de longa duração e pode ser usada em crianças acima de dois anos de idade. Porém, recente pesquisa desenvolvida na Universidade Cornell, em Nova York, mostra ligação entre a icaridina e a morte de um dos principais predadores de mosquitos nos Estados Unidos: a salamandra. Um dos pesquisadores atuantes no estudo foi o integrante do Laboratório de Ecologia Aquática da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Rafael Marques Almeida. A pesquisa foi realizada durante seu pós-doutorado em Cornell e o artigo publicado na Biology Letters Journal da Real Sociedade de Londres para o Melhoramento do Conhecimento Natural, além de ser reconhecido pela mídia internacional, sendo citado em veículos como o jornal britânico “Daily Mail”. “Ter um estudo científico repercutido pela mídia ajuda a desmistificar o conhecimento, tornando-o acessível a uma parcela maior da população”, avalia Almeida.
Repelentes: heróis ou vilões?
O grupo de pesquisa testou os efeitos de dois dos repelentes mais usados – DEET e icaridina – em larvas de salamandras e mosquitos. Em laboratório, eles expuseram larvas de mosquito e larvas de salamandras a três concentrações ambientalmente relevantes dessas substâncias. As larvas de mosquito não foram impactadas por nenhum dos tratamentos. Depois de quatro dias de exposição ao repelente com icaridina, as salamandras em todos os grupos de tratamento começaram a mostrar sinais de desenvolvimento prejudicado, como deformidades na calda. Depois de quatro semanas, por volta de 65% das larvas de salamandras expostas a icaridina morreram. “Com essa série de resultados em mãos, levantamos a hipótese de que ecossistemas contaminados, onde as larvas de salamandras estão presentes, podem apresentar maior ocorrência de mosquitos, pois menos larvas de mosquitos tendem a ser ingeridas por salamandras”, explica Rafael.
Caso isso de fato aconteça na natureza, esse efeito pode levar a maiores populações de mosquito. “Nossos resultados não permitem afirmar com exatidão que esse fenômeno ocorre na natureza. A hipótese de que o uso de repelentes contendo icaridina aumenta a população de mosquitos precisa ser testada mais a fundo em estudos futuros”, esclarece. Como o estudo foi conduzido nos Estados Unidos, o foco foram as salamandras, porque são muito abundantes na região. Segundo Rafael, há muito menos espécies de salamandras, porém existem muitos outros grupos de anfíbios como os anuros (sapos, rãs e pererecas), mas ainda não são sabidos os potenciais efeitos desses repelentes em anuros com ampla ocorrência no Brasil.
Em geral, repelentes de insetos trazem benefícios para a saúde pública, porque atenuam a proliferação de doenças transmitidas por mosquitos. Os repelentes com icaridina são os mais recomendados contra o Aedes aegypti. Além de não agredirem o corpo, sendo os mais indicados por especialistas. A resposta não seria parar de usar esse tipo de repelente. O certo seria evitar com entrem em contato com os corpos d’água naturais. “Para que a água não fique contaminada, é essencial tratar adequadamente os esgotos domésticos”, conclui Almeida.