Os docentes da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Prisca Agustoni e Edimilson de Almeida Pereira estão entre os convidados da 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A programação vai de 26 a 30 de julho e este ano irá homenagear o escritor Lima Barreto. O nome de Lima, assim como a própria presença dos dois autores da UFJF, reconhecidos da crítica, contribuem para a diversidade proposta nesta edição da festa. No ano anterior, a programação gerou críticas dentro e fora da academia pela pouca representatividade de escritores negros.
Na entrevista abaixo, Edilmilson e Prisca falam sobre essa nova abordagem trazida pela curadora do evento, Josélia Aguiar, e também sobre o papel reflexivo a ser desempenhado pelos professores para além dos muros da Universidade. Na quinta-feira, 27, às 12h, Edimilson irá participar da mesa intitulada “Arqueologia de um autor”, na companhia de Beatriz Rezende e Felipe Botelho. “A proposta consiste em analisarmos, desde as perspectivas da história e da crítica literária, os possíveis lugares da obra de Lima Barreto, autor homenageado da Flip 2017, entre os clássicos e o cânone afro-brasileiro”, explica.
Já Prisca integra um grupo de poetas que irão ler poemas na abertura de seis mesas oficiais de debate, numa nova modalidade chamada “Fruto Estranho”. A ideia, segundo ela, é provocar algum estranhamento, por meio da intervenção poética, paralelamente à vontade de fazer a poesia subir ao palco central da cena literária. A apresentação será na sexta, 28, às 15h. E, no sábado, dia 29, às 10h, o casal estará na sessão Ler o Mundo, debatendo sobre a produção literária voltada para o público infantil.
O que significa representar a UFJF em um evento deste porte?
Edimilson de Almeida Pereira: A Flip é evento de diálogos e conflitos mediados pela escrita, pela leitura e por variadas performances sociais. Guardadas as devidas proporções, eventos dessa natureza nos remetem à nossa prática diária no espaço de ensino-aprendizagem seja na universidade ou em outras instituições. Fazer-se presente nesses eventos, através de uma disposição para o diálogo em relação às questões contundentes de nossas realidades contemporâneas constitui um dos papéis relevantes de nossa Universidade.
Uma disposição para o diálogo em relação às questões contundentes de nossas realidades contemporâneas constitui um dos papéis relevantes de nossa Universidade – Edimilson Pereira.
Prisca Agustoni: Me parece de grande importância a presença na Flip de dois autores que atuam como professores na UFJF, porque de algum modo “representam” algo que é mais profundo, isto é, a forte presença no nosso Departamento de Letras de professoras e professores escritores. Aqui na UFJF posso citar também os nomes de André Monteiro, Anderson Pires, Marcos Vinícius Ferreira de Oliveira, Ana Paula El-Jaick, Alexandre Faria, Fernando Fiorese Furtado. A cidade viveu e vive uma atividade literária interessante, devido à presença catalizadora da UFJF e também da Funalfa que ao longo dos anos vem incentivando a publicação de autores da cidade.
O que trazer deste evento para ser repensado na nossa Universidade?
Edimilson: A abertura para o diálogo entre diferentes identidades – fato que permeia eventos literários nacionais e internacionais, com maior ou menor evidência – é uma perspectiva que interessa àqueles de nós que pensam a universidade como um lugar de lugares, de aprofundamento crítico de nossas percepções sobre o mundo. Embora haja limites também nesses eventos, tanto quanto na atuação das IFEs no combate ao racismo, é justo nesses ambientes que podemos criar fissuras críticas a partir das quais é possível gerar práticas sociais inclusivas, democráticas, voltadas para o bem-estar da maioria da nossa população.
A UFJF, apesar das limitações que não cabe analisar nesse momento, tem apresentado à comunidade de nossa região um programa continuado de atividades voltadas para a crítica ao racismo e às desigualdades que afetam, de modo particular, as comunidades afrodescendentes. Veja-se, por o exemplo, a destinação de bolsas para discentes afrodescendentes e a manutenção da Secretaria de Ações Afirmativas que se integram o quadro mais amplo das chamadas ações afirmativas
Prisca: Me parece também importante valorizar esse convite e tornar evidente, paradoxalmente, a defasagem que existe nas universidades federais do nosso país que tendem a não valorizar e reconhecer o trabalho criativo dos docentes, o tempo e a formação intelectual que esta atividade implica. Considero isso um ponto a ser repensado desde dentro, uma vez que em muitas universidades estrangeiras (muito bem conceituadas e louvadas, inclusive pelas nossas universidades brasileiras) existem cátedras para Criação Literária.
Como você enxerga esse convite e, de modo geral, a valorização e visibilidade trazidas com a Flip para autores mineiros?
(A presença de mais escritores negros na Flip) Isso sim sem dúvida é algo novo e marcante, e que merece uma reflexão no sentido de percebermos uma mudança em curso pra lá de esperada e também uma reflexão de porquê demorou tanto – Prisca Agustoni
Prisca: Minas Gerais é um estado generoso em contribuições marcantes na tradição literária nacional. Portanto, a presença de Edimilson, junto com vários outros autores mineiros, não é surpresa. A surpresa, nesse caso, vem sim da observação de que pelo menos cinco dos mineiros convidados são negros (Edimilson, Ricardo Aleixo, Graça Passô, Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves). Isso sim sem dúvida é algo novo e marcante, e que merece uma reflexão no sentido de percebermos uma mudança em curso pra lá de esperada e também uma reflexão de porquê demorou tanto. Quanto a mim, estrangeira radicada em Juiz de Fora desde final de 2002, me parece uma bela ousadia por parte da curadora convidar uma poeta estrangeira que escreve em português, ousadia que revela o quanto a curadora está atualizada com tendências contemporâneas em outros países, por exemplo, Estados Unidos, França e Itália.
Outras informações: http://flip.org.br/