Arte: Diretoria de Imagem Institucional/UFJF

Ao longo do mês de março, a Diretoria de Imagem Institucional da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) promoveu a série especial “Mulheres que constroem a UFJF”. A iniciativa contou, ainda, com organização da Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf), em conjunto com a Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas, além das pró-reitorias e demais diretorias da Gestão Superior. O objetivo foi mostrar as trajetórias de mulheres cujas contribuições deixaram marcas significativas na história da Universidade. 

Desde docentes e servidoras técnico-administrativas (TAEs), até funcionárias terceirizadas, estudantes e gestoras: essas mulheres representam a diversidade e a força feminina que permeiam os diferentes setores da UFJF.

Cada história é marcada pela superação, perseverança e determinação inabalável ao enfrentar desafios e quebrar barreiras. Elas não apenas ocupam espaços antes dominados por homens, mas também se destacam por sua competência, dedicação e compromisso com o desenvolvimento e a excelência da Instituição. Confira todas as matérias ao fim desta reportagem e assista ao vídeo abaixo. 

Na quinta e última reportagem da série especial, continuamos a contar as histórias de resiliência de mulheres que enfrentaram obstáculos e adversidades para alcançar os lugares em que estão hoje. São trajetórias capazes de inspirar não somente as mulheres do presente, mas também servem como guia para futuras gerações, ao demonstrarem o espaço que elas podem ocupar. 

A minha permanência na faculdade é um ato de força

Para Ana Paula, estar na faculdade é um ato de força: “sinto que posso incentivar outras pessoas” (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Ana Paula Domingues, estudante do 3º período na Faculdade de Medicina (Famed) da UFJF, é um exemplo notável de força e resiliência. Diagnosticada com paralisia cerebral, ela enfrentou adversidades desde cedo, mas se manteve firme na busca por seus objetivos.

Natural de Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata mineira, Ana Paula deixou sua cidade natal para ingressar no curso de Medicina, sendo aprovada para a UFJF em 2023. Para a estudante e seus pais (que estudaram até a antiga 4ª série do Ensino Fundamental), essa conquista representou não apenas um triunfo pessoal, mas também um marco histórico familiar, já que Ana Paula é a primeira da família a ingressar em um curso superior.

“Foi um turbilhão de sensações”, recorda Ana Paula. “Fiquei muito apreensiva, com medo do que teria que enfrentar, mas ao mesmo tempo foi uma sensação muito boa.”

Na entrevista, Ana Paula compartilhou suas experiências e desafios. Como mulher negra, proveniente de escola pública e com deficiência, ela enfrenta dificuldades diárias que muitas vezes não são compreendidas pelos demais estudantes, desde o deslocamento até a faculdade, até outros desafios na realização das atividades exigidas pelo curso. No entanto, Ana Paula enfatiza que sua presença na faculdade é um ato de força. “Sabemos que a aceitação na sociedade é difícil para nós, mas estando aqui, sinto que posso incentivar outras pessoas. Me sinto forte na faculdade.”

Quanto ao futuro, Ana Paula espera encontrar muitas outras pessoas como ela na profissão e nas universidades. Para aqueles que enfrentam desafios semelhantes, ela deixa uma mensagem de esperança e encorajamento: “Não desistam. É importante insistir e persistir, porque quanto vale um sonho? Ele não tem preço. Insista que vai dar tudo certo.”

A força e a resiliência das mulheres trans e travestis

Dandara acredita que é importante abrir portas, “para que outras pessoas trans possam sonhar” (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Em meio a uma sociedade marcada pela persistente criminalização e marginalização dos corpos trans, a jornada de uma mulher transgênera rumo à conquista do espaço universitário é composta por desafios, mas também por vitórias alcançadas em meio a uma realidade repleta de obstáculos.

“Vivemos em um contexto onde a transvestigeneridade é frequentemente criminalizada no Brasil”, afirma Dandara Oliveira, primeira mulher travesti preta a ocupar o cargo de TAE da UFJF e mestra em Serviço Social pela Universidade. “Essa realidade afeta diretamente nossas perspectivas de futuro e nossos sonhos, especialmente quando sabemos que a expectativa de vida para pessoas trans é, muitas vezes, limitada.”

Para Dandara, a inserção no ambiente universitário não apenas representa uma conquista pessoal, mas também uma oportunidade de promover mudanças sociais significativas. “A Universidade precisa refletir a diversidade da sociedade que ela serve”, ressalta. “Mais do que nunca, é essencial garantir a valorização e o reconhecimento das mulheres, especialmente das mulheres trans, que contribuem diariamente para a construção e o funcionamento dessa Instituição. É preciso que a Universidade seja diversa, não só nos seus alunos, mas também na sua equipe profissional, nas pessoas que atendem esses alunos, sejam TAEs, sejam professores.”

A servidora reflete, ainda, sobre a importância de as pessoas trans ocuparem o ambiente acadêmico. “Ao ocupar espaços como o mestrado na Universidade, abrimos portas para que outras pessoas trans possam sonhar com uma graduação e ter uma carreira acadêmica”, destaca a servidora. “Minha entrada no mestrado em 2020, há quatro anos, é importante, mas também tardia. Deveria ter ocorrido antes, e isso é um reflexo das barreiras estruturais que enfrentamos.”

Segundo Brune, o acesso de pessoas trans ao ambiente universitário se torna mais comum: “passo significativo para desmantelar barreiras” (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Quem também ocupa a academia e abre portas é a professora Brune Brandão. A docente é a primeira mulher trans a conquistar o título de doutora pela UFJF, em 2022. Brune fez doutorado em Psicologia; sua tese é intitulada “Psicologia e modos de subjetivação: a produção das transidentidades a partir da metodologia grupal”. O trabalho contou com a orientação da professora Juliana Perucchi. Atualmente Brune é professora na Faculdade Sudamérica, em Cataguases, na Zona da Mata mineira. 

A professora acredita que seu trabalho vai além das fronteiras tradicionais da ciência, buscando desmantelar paradigmas e desenvolver metodologias que permitam que pessoas trans gerem conhecimento sobre si mesmas. Sua pesquisa não apenas amplia o entendimento das transidentidades, mas também promove a voz e a autodeterminação dessa comunidade dentro do meio acadêmico.

Questionada sobre seu papel como inspiração para outras mulheres trans na academia, Brune enfatiza a importância da resistência e da abertura de novas possibilidades. Apesar dos desafios e da persistente transfobia institucional, ela destaca a necessidade de as pessoas trans concluírem seus estudos e contribuírem com conhecimentos que reflitam suas experiências para a comunidade trans.

“O acesso a esses espaços está se tornando mais comum para pessoas trans, principalmente mulheres trans e travestis”, destaca Brune. “Isso é um passo significativo para desmantelar as barreiras de acesso dentro da Universidade.”

Para Brune, a questão da saúde mental das mulheres trans e travestis nas universidades é um desafio a ser enfrentado. Ela ressalta a necessidade da criação de espaços verdadeiramente interseccionais – que compreendam e acolham as especificidades dessa comunidade dentro do ambiente acadêmico.

Além disso, a pesquisadora destaca o papel pioneiro que ela, Dandara e outras mulheres trans estão desempenhando na UFJF. Presenças que representam um passo significativo em direção a um ambiente acadêmico mais diverso, inclusivo e representativo.

Mulher no volante, sucesso constante

“Acredito firmemente que podemos alcançar nossos objetivos quando nos dedicamos com determinação e seguimos nossas paixões”, afirma Gilcilene Cardoso Silva, a primeira mulher a atuar como motorista na UFJF. Na instituição, ela se destaca entre os profissionais da área, predominantemente composta por homens.

Gilcilene Silva sonhava em ser motorista desde a infância: “Devagar e com determinação, vamos alcançar nossos objetivos” (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Desde a infância, Gilcilene tinha o sonho de dirigir. Ver o pai ao volante de um Chevette alimentava a fantasia da menina. Em 2015, Gilcilene conquistou sua carteira de motorista nas categorias AD (moto e caminhão). Após realizar cursos no Serviço Social do Transporte e no Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest Senat), ela tentou ingressar em empresas de ônibus, mas frequentemente era redirecionada para outros setores, como recepção.

Mas como “persistência” é substantivo feminino, Gilcilene conseguiu uma oportunidade em uma empresa local. Começou como cobradora, ascendeu a manobrista e, finalmente, alcançou seu objetivo: se tornar motorista de ônibus em Juiz de Fora. 

A mudança para a Universidade aconteceu há dois anos, com a ajuda de seu pai, vigilante aposentado da UFJF. Após entregar seu currículo ao setor de transportes da Pró-Reitoria de Infraestrutura e Gestão (Proinfra) e passar por todos os testes necessários, Gilcilene foi contratada em 10 de março de 2022. A admissão representa um marco histórico: pela primeira vez, uma mulher passou a trabalhar como motorista na Universidade.

Tanto homens quanto mulheres têm o potencial para exercer as mesmas profissões. Eu sempre encorajo outras mulheres que também queiram dirigir: ‘Não desista’ ou ‘Se você deseja tirar (a carteira de habilitação), vá em frente, você vai conseguir’. Devagar e com determinação, nós vamos alcançar nossos objetivos, e a sensação de realização é incrível”, reflete a motorista.

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