O Brasil é considerado o segundo maior consumidor de café no mundo e também se destaca por ser o maior produtor do grão, sendo responsável por um terço da produção mundial – posição que sustenta há mais de 150 anos. Por isso, quando a análise é quantitativa, as informações ficam claras; mas e quando o assunto é a qualidade? O que se sabe sobre as particularidades dos cafés produzidos em distintas partes do nosso território?
Tendo essas questões em mente, os pesquisadores do Centro Regional de Renovação e Transferência de Tecnologia (Critt) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) criaram um método inovador para identificar a origem geográfica de cafés crus e torrados, uma forma eficaz para testar as propriedades do produto. Desenvolvido pela doutora em Física pela UFJF, Geissy de Azevedo Mendes, em parceria com os pesquisadores da UFJF Maria José Bell e Virgílio de Carvalho dos Anjos, o método agrega valor aos cafés especiais produzidos por pequenos produtores e protege compradores contra eventuais fraudes.
De acordo com os pesquisadores, os atuais meios de certificação para identificação da origem dos grãos são caros e imprecisos, principalmente quando se tratam de cafés do mesmo estado, com poucas diferenças de composições químicas. Dessa forma, a equipe defende que a tecnologia desenvolvida na UFJF é capaz de solucionar esse problema, identificando com precisão e rapidez as características geográficas do café, o que pode garantir a procedência nos processos de comercialização e exportação, uma vez que o equipamento é portátil, de fácil manutenção e manuseio.
Como a ciência pode ajudar os pequenos produtores
Filha de produtores de café, Geissy Mendes acompanha de perto a rotina de produção e os duros desafios de quem se dedica à cafeicultura. “O grande propósito da pesquisa é melhorar a realidade vivenciada pelos produtores, que dão duro na lavoura para depois o café deles ser vendido a preço comercial, como se fosse um produto qualquer, sendo que é um grão especial.”
Outra questão que a pesquisadora ressalta é o uso dos agrotóxicos nas grandes plantações, que muitas vezes são usados como uma forma de aumentar o lucro. “Como o café comercial é desvalorizado e o preço muito baixo, grandes produtores optam por vender mais quantidade e menos qualidade. E, assim, recorrem aos agrotóxicos que são verdadeiros venenos para a nossa saúde.”
O equipamento que reconhece a origem geográfica do café permite detectar as suas características específicas e valorizar o produto no mercado. Mendes explica que o mesmo princípio se aplica a outros produtos, como o vinho, que tem uma composição bem definida pelos tipos de uva e pelas regiões onde são cultivados, conferindo aromas e sabores distintos. Ela afirma que uma série de países é muito rigorosa na caracterização geográfica dos produtos agrícolas.
Da bancada do laboratório para o mercado
Mendes iniciou os estudos sobre as particularidades dos grãos de café ainda no mestrado, no qual se dedicou a diferenciar as espécies de café Robusta e Arábica por meio de técnicas espectroscópicas, que utilizam lasers e analisadores de luz para inferir a composição do produto agrícola.
A pesquisa se desdobrou em uma tese de doutorado. Nela, foi verificada a necessidade de identificar de maneira rápida e precisa a origem geográfica desses grãos. As análises ainda confirmaram que aspectos como altitude, clima, umidade e bioma conferem características únicas de sabor e aroma aos chamados “cafés especiais”, ou seja, cafés de alta qualidade que apresentam notas acima de 80 pontos na escala de pontuação da Specialty Coffee Association (SCA), que vai até 100.
A pesquisadora e professora do departamento de Física, Maria José Bell, explica que a ampla base de dados levantada permitiu que o trabalho desse origem a uma tecnologia pioneira no mercado. “Após o desenvolvimento da pesquisa em bancada de laboratório, partimos para a elaboração do protótipo, que analisa a amostra de café. Os resultados são processados utilizando princípios da ciência de dados.”
O depósito da patente
A proposta de patente foi feita este ano junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi). Para que o equipamento (BR 10 2023 004744 0) possa ser comercializado para empresas produtoras de cafés especiais e órgãos fiscalizadores relacionados à comercialização e exportação, é preciso haver a aprovação do registro, como uma forma de proteger a propriedade intelectual da inovação.
O tempo médio de análise de patentes é de cinco anos, mas pode ser maior ou menor de acordo com o setor. Dados do próprio INPI referentes ao segundo trimestre de 2022 mostram que, após o pedido de exame, foram necessários em média 2,8 anos para decisões sobre patentes na área de Agricultura e Alimentos.
A demora na análise pode tornar-se um obstáculo para pesquisadores e empresas que desejam investir e dedicar-se à área de inovação. A professora Maria José Bell relata que, no ano passado, conquistou, após cerca de dez anos de espera, o registro da patente para um método de análise que desenvolveu para identificar as possíveis alterações sofridas pelo leite e seus derivados. Apesar disso, ainda há a expectativa de que desta vez o processo seja mais veloz e, em breve, a nova tecnologia seja implementada no mercado.
Pesquisa está alinhada aos ODS da ONU
As ações de pesquisa da UFJF estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). O projeto de pesquisa citado nesta matéria se alinha aos ODS 2 (Fome zero e agricultura sustentável) e 9 (Indústria, inovação e infraestrutura).