(Foto: Observatório da Discriminação Racial no Futebol)

O Laboratório de História Política e Social (LAHPS) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) recebeu, nesta quarta-feira, 26, o professor da Universitat de Barcelona (UB), Carles Viñas, para uma conferência sobre “O neofascismo e o futebol na Espanha: a penetração de um discurso político radical nas arquibancadas”. O evento foi aberto ao público e faz parte do Global July, programa da Universidade que promove o intercâmbio cultural entre professores, estudantes e interessados de diversos países por meio de cursos de curta duração.

Doutor em História Contemporânea pela Universitat de Barcelona (UB), Carles Viñas é uma das principais referências quando se trata da relação entre futebol e política, tanto na Espanha quanto na Europa, sendo autor de obras como “El Mundo Ultra: Los Radicales del Fútbol Español” (2005), “Tolerància zero: La violència en el futbol” (2006), “Sankt Pauli: Un altre futbol és possible” (2017) e “Futbol al país dels soviets” (2019).

Baseando-se em suas pesquisas, o professor apresentou na conferência um panorama histórico sobre o surgimento e o fortalecimento dos grupos radicais nas arquibancadas, conhecidos popularmente como os “ultras”. Eles surgem na Espanha nos anos 1980 e 1990, inspirados nos grupos radicais da Itália e da Alemanha de extrema direita, cujas pautas políticas são claras, dentro e fora do estádio.

“Relação entre futebol e política é indissociável”

“O futebol como fato social é político. Quem nega esta realidade certamente não é por ignorância, mas por interesse”, define Viñas. “Tudo nessa vida é político, qualquer decisão que tomamos. Mesmo definir-se como apolítico ou ficar de fora do debate sociopolítico também é uma posição política.”

Para o pesquisador, o futebol e a política têm mantido uma relação de dupla natureza ao longo da história. Por um lado, o futebol tem sido explorado e instrumentalizado pelo poder, incluindo governos, estados e regimes ditatoriais, que o utilizam como uma ferramenta para promover seus interesses e objetivos políticos. Por outro lado, o futebol também atua como um veículo para reivindicação e protesto social, trabalhista e político, servindo como uma plataforma para expressar ideias e buscar mudanças. Portanto, essa relação entre futebol e política é indissociável e, ao mesmo tempo, dual, envolvendo aspectos tanto de cooperação como de conflito.

Carles Viñas, da Universitat de Barcelona, participou do Global July e deu palestra na UFJF (Foto: Vívian Armond)

A contextualização histórica é de extrema importância ao analisar a violência nos estádios de futebol, especialmente no contexto europeu. Segundo o historiador, a Europa foi marcada por eventos históricos significativos, como a ditadura de Primo de Rivera, o período republicano e o auge do franquismo, que tiveram um impacto profundo nas dinâmicas sociais e políticas da região.

Esses períodos contribuíram para a polarização de diferentes grupos na sociedade europeia. Por exemplo, a divisão entre constitucionalistas e separatistas, fascistas e antifascistas, criou tensões e conflitos que, ao longo do tempo, podem ter se refletido nas arquibancadas de futebol, especialmente em momentos de rivalidade entre clubes e países.

Para Viñas, a extrema direita entrou nas arquibancadas no início dos anos 1980, quando foi obrigada a reformular o seu discurso e as suas práticas depois de ter sido afastada das instituições do país, tornando-se extraparlamentar. Com isso, buscou visibilidade em espaços inéditos para a extrema direita espanhola, como o esporte (futebol) e a música (shows de rock neonazista).

“O estádio, as arquibancadas, atuam como amplificadores do contexto social. O futebol é uma metáfora social. Através da história dos clubes ou rivalidades podemos explicar a história das cidades, ou parte dela, por exemplo. Em grande medida, isto é possível devido à dimensão social que o futebol alcançou, dada a sua popularidade e ascensão na nossa sociedade”, pontua Viñas.

Atualmente se registram mais de uma dezena de coletivos ultras que declaram abertamente um alinhamento a ideologias de extrema-direita, ligados a clubes de todo o país. Formam um variado espectro: tradicionalistas, ultraconservadores, ultranacionalistas, franquistas/neofascistas, neonazistas, regionalistas e centralistas. Diferentes em alguns aspectos, mas todos centralmente conectados pelo ódio a imigrantes, pelo racismo explícito, pela islamofobia, pela xenofobia e pela paranóia anti-modernidade.

Caso de racismo do jogador Vinícius Júnior

Associando o tema com o Brasil, ao pensarmos em discursos de ódio em estádios de futebol, automaticamente lembramos dos recentes ataques e insultos de racismo contra o jogador brasileiro Vinícius Júnior, em Barcelona, vindos de técnicos, torcedores e jogadores adversários.

O jogador brasileiro Vinícius Júnior foi alvo de insultos racistas em Barcelona (Foto: Reprodução/Instagram)

Questionado sobre esses episódios, o pesquisador destaca que o racismo na Espanha é estrutural e, portanto, vai além do âmbito esportivo e permeia a sociedade de forma geral. Nesse contexto, Viñas relembra os episódios da década de 1970, quando a maioria dos jogadores eram de origem sul-americana, chamados nativos, e poucos eram os jogadores negros.

“O assunto tem sido abordado timidamente, pois as instituições e agentes envolvidos não consideram um problema relevante. Assim, quando há um episódio de destaque ao nível mediático, tendem a agir com urgência”, explica. Viñas ainda ressalta que os insultos raciais contra o jogador brasileiro não se limitam a grupos radicais, mas também partem de torcedores comuns, tanto no futebol profissional quanto no amador, o que reforça como o racismo é um problema que permeia diferentes camadas da sociedade no país.

Na visão do historiador, os clubes devem combater os casos de racismo e os discursos de ódio através do conhecimento e entendimento do contexto social. “O futebol não vive fora do contexto social, do seu meio… Nem é uma boa estratégia para criminalizar todo o movimento porque pode causar um efeito inverso ao desejado.”

Estreitamento de laços entre a UFJF e Barcelona

O convite para a vinda do pesquisador foi intermediada pelo professor de História Contemporânea e do Programa de Pós-Graduação em História da UFJF, Odilon Caldeira Neto. Ele destaca que a vinda de Viñas ao Brasil é fruto de esforço institucional mais amplo, via Global July, sendo uma “grande oportunidade para estreitar laços com o pesquisador, com a Universitat de Barcelona e seus programas de cooperação, assim como para desenvolver atividades em parceria no campo de pesquisa da história política, particularmente das análises sobre o extremismo de direita, as direitas radicais e o neofascismo, campo em que o PPGHIS tem se destacado”.

Odilon Caldeira Neto, à esquerda, com livro escrito por Carles Viñas (Foto: Vívian Armond)

De acordo com Neto, esta é a primeira vez que o pesquisador vem ao Brasil, embora já tenha participado anteriormente de um evento on-line, durante a pandemia, junto ao Laboratório de História Política e Social, do Programa de Pós-graduação em História.

Para a historiadora Maria Beatriz Ragon, uma das ouvintes presentes no evento, a conferência representou uma grande oportunidade para discutir o futebol sob outra perspectiva. “Acho interessante a Universidade nos permitir conhecer pessoalmente pesquisadores que tanto ouvimos falar e estudamos suas obras.”

O tema da conferência atraiu não apenas os ouvintes da UFJF, mas também membros da comunidade externa, como o estudante de culinária Arthur Silva. “Além do assunto, que eu acho particularmente muito interessante e importante de se debater, fiquei curioso para ver um europeu falar sobre a Europa e saber qual é a visão que eles têm sobre eles mesmos.”

Outras informações: coord.ppghis@ufjf.br
(32) 2102 – 3389/3947 – Diretoria de Relações Internacionais