Shirley Djukurnã Krenak é figura proeminente no movimento pelos direitos indígenas no Brasil (Foto: arquivo pessoal)

Artista, ambientalista, ativista e indígena. Shirley Djukurnã Krenak é figura proeminente no movimento pelos direitos indígenas no Brasil, liderança exercida especialmente no Vale do Rio Doce, onde tem atuado como educadora e coordenadora pedagógica em, pelo menos, dois programas de extensão no campus de Governador Valadares: o Núcleo de Agroecologia (Nagô) e o Centro de Referência em Direitos Humanos. 

Neste 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, a futura Doutora Honoris Causa pela UFJF, fala da aproximação entre as instituições de ensino e os povos originários, da luta pelos direitos indígenas e seus desafios. Segundo Shirley, o desejo de compartilhar a sabedoria ancestral do povo Krenak e sua história de luta pela proteção do Rio Watu (Rio Doce) é o que impulsiona seu trabalho. “Valorizo a preservação da cultura indígena e reconheço a importância de aprender com as comunidades tradicionais sobre cuidado ambiental e respeito à natureza.” Confira a entrevista completa:

Quais são os desafios enfrentados pelo povo indígena do Vale do Rio Doce e como tem trabalhado para enfrentá-los?

Defesa do Rio Watu impulsionou Shirley para o ativismo e o contato com os saberes tradicionais (Foto: arquivo pessoal)

O povo indígena do Vale do Rio Doce enfrenta uma série de desafios, incluindo a invasão de terras, a destruição do meio ambiente, a falta de acesso a serviços básicos como saúde e educação, e a preservação da cultura e tradições. Para enfrentar esses desafios, estamos trabalhando em parceria com organizações não governamentais, órgãos governamentais e movimentos sociais para reivindicar os direitos territoriais, promover a sustentabilidade ambiental, fortalecer a educação e a saúde nas comunidades, e proteger e valorizar a cultura.

Qual é a importância da preservação da cultura e dos direitos dos povos indígenas, especialmente no contexto atual?

A preservação da cultura e dos direitos dos povos indígenas é crucial não apenas para nossa própria dignidade e bem-estar, mas também para o benefício de toda a humanidade e para a construção de um mundo mais justo, equitativo e sustentável.

Os povos indígenas representam uma riqueza cultural inestimável, com línguas, tradições, conhecimentos e práticas únicas. Proteger nossa cultura contribui para a diversidade cultural global e para a compreensão da complexidade da condição humana. Além disso, os povos indígenas têm direitos humanos fundamentais que devem ser respeitados, incluindo o direito à autodeterminação, à terra e aos recursos naturais, à preservação de nossa cultura e identidade, entre outros. Proteger esses direitos é essencial para promover a igualdade e a justiça.

Garantir a proteção de nossa cultura e o respeito aos nossos direitos é essencial para promover a justiça social e econômica e combater a desigualdade

Historicamente, os povos indígenas têm sido marginalizados e discriminados, sofrendo com a perda de suas terras, recursos e direitos. Garantir a proteção de nossa cultura e o respeito aos nossos direitos é essencial para promover a justiça social e econômica e combater a desigualdade. Reconhecer e respeitar os direitos dos povos indígenas também é fundamental para promover o diálogo e a colaboração construtiva entre diferentes grupos sociais e governos, buscando soluções sustentáveis e inclusivas para os desafios enfrentados pela humanidade.

O que é possível destacar entre os desafios mundiais relacionados ao meio ambiente?

Destaca-se o vasto conhecimento tradicional sobre ecossistemas, plantas medicinais, práticas agrícolas sustentáveis, entre outros, que os povos originários possuem. Esse conhecimento é valioso para a proteção ambiental e para o desenvolvimento de soluções para os desafios globais, como as mudanças climáticas. Os territórios indígenas abrigam ecossistemas importantes e biodiversidade significativa. A proteção dos direitos dos povos indígenas está intimamente ligada à proteção ambiental, pois frequentemente atuamos como guardiões da terra e dos recursos naturais.

De que maneira a troca de conhecimentos com os povos indígenas pode impactar a transformação da Universidade? Quais são as possibilidades de colaboração e aprendizado mútuo?

Pode impactar a transformação da Universidade de diversas maneiras. Contribuir para uma visão mais abrangente e interdisciplinar do conhecimento, incorporando perspectivas e saberes tradicionais que frequentemente são ignorados. Isso pode enriquecer os currículos acadêmicos, promover uma maior diversidade da origem e da natureza do conhecimento e ampliar a compreensão dos desafios sociais e ambientais. 

Para Shirley Krenak, incorporar os conhecimentos indígenas nos currículos educacionais é fundamental para reconhecer e valorizar suas contribuições para a sociedade (Foto: arquivo pessoal)

As possibilidades de colaboração e aprendizado mútuo incluem projetos de pesquisa colaborativos, intercâmbios culturais, programas de estágio em comunidades indígenas e iniciativas de preservação e revitalização linguística e cultural. Essas parcerias podem promover uma maior inclusão e equidade na educação superior, além de contribuir para a construção de relações mais justas e respeitosas entre as instituições acadêmicas e os povos indígenas.

Como você vê o papel das universidades e instituições de ensino na promoção da valorização e respeito pelos conhecimentos e tradições indígenas?

As universidades e instituições de ensino têm o poder e a responsabilidade de desempenhar um papel ativo na promoção da valorização e respeito pelos conhecimentos e tradições indígenas, contribuindo para a construção de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa com a diversidade cultural.

Deste modo, incorporar os conhecimentos indígenas nos currículos educacionais é fundamental para reconhecer e valorizar suas contribuições para a sociedade. Isso pode ser feito através da inclusão de disciplinas específicas sobre estudos indígenas, literatura indígena, história e cultura, entre outros.

As instituições de ensino devem respeitar os direitos indígenas, incluindo o direito ao consentimento prévio, livre e informado em todas as atividades que afetem suas comunidades e territórios.

As universidades podem também promover parcerias colaborativas com comunidades indígenas para realizar pesquisas que respeitem suas perspectivas, necessidades e direitos. Isso pode ajudar a preservar e documentar conhecimentos tradicionais, bem como desenvolver soluções inovadoras que respeitem e valorizem suas tradições.

 O baixo número de estudantes indígenas, inclusive na UFJF, é uma preocupação. Quais estratégias podem ser implementadas para reverter essa situação e promover uma maior inclusão e representatividade desses grupos na universidade?

 A promoção da inclusão e representatividade dos estudantes indígenas na universidade é um desafio importante e requer uma abordagem multifacetada. Aponto algumas estratégias que podem ser implementadas, tais como ações afirmativas. Implementar políticas de cotas para estudantes indígenas, reservando vagas em cursos de graduação e pós-graduação. Isso pode ajudar a garantir uma representação mais equitativa desses grupos na universidade.

Outra ação são os programas de apoio específicos para estudantes indígenas, oferecendo orientação acadêmica, suporte financeiro, assistência psicossocial e tutoria. Esses programas podem ajudar a mitigar desafios específicos enfrentados por esses estudantes.

Para além das políticas de ações afirmativas e de permanência, quais outras abordagens podem ser usadas?

Promover ações de sensibilização e capacitação para a conscientização sobre as questões indígenas entre a comunidade universitária por meio de palestras, oficinas e eventos culturais, que destaquem e celebrem as tradições e conhecimentos indígenas, com o intuito de aumentar a conscientização e promover o respeito por essas culturas dentro do ambiente acadêmico. Além disso, oferecer capacitação para professores e funcionários sobre como lidar de forma sensível e eficaz com as necessidades dos estudantes indígenas.

É preciso, ainda, ter um currículo inclusivo, com conteúdos relacionados aos povos indígenas nos currículos dos cursos, promovendo uma compreensão mais ampla e respeitosa da diversidade cultural do Brasil.

Outra frente é o apoio à pesquisa e extensão. Incentivar e apoiar projetos de pesquisa e extensão que abordam questões relevantes para as comunidades indígenas, envolvendo estudantes indígenas sempre que possível. Estabelecer parcerias que atendam às necessidades específicas dessas comunidades, garantindo sua participação ativa e liderança.

Outra ação são os programas de intercâmbio cultural entre estudantes indígenas e não indígenas. Eles promovem a troca de conhecimentos e experiências e constroem pontes de entendimento entre diferentes culturas. Com isso, conseguimos que o campus universitário seja acessível e acolhedor para estudantes indígenas, incluindo a disponibilidade de espaços culturais e serviços de apoio específicos.

E, para isso acontecer, é fundamental que haja um compromisso institucional genuíno com a promoção da inclusão e representatividade dos estudantes indígenas.

Como você se sente ao ser reconhecida e condecorada pela Universidade Federal de Juiz de Fora com o título de Doutora Honoris Causa? Qual é a importância desse reconhecimento para você?

Receber o título de Doutora Honoris Causa pela UFJF  é uma honra e um reconhecimento do meu compromisso com a preservação da biodiversidade e o bem-estar da humanidade. Este reconhecimento não é apenas pessoal, mas também representa a importância de mais mulheres indígenas serem reconhecidas por seu conhecimento ancestral e contribuições para a sociedade.