Projeto de extensão Meninas Digitais UFJF inicia as oficinas em abril de 2023 (Foto: Carolina de Paula)

“Na minha turma de graduação, entraram sete meninas entre mais de sessenta alunos. Já trabalhei no departamento de desenvolvimento em uma fábrica de softwares. Durante quase um ano em que eu fiquei lá, eu era a única mulher.” A partir da inquietação da professora Bárbara Quintela, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), foi criado o projeto de extensão “Meninas Digitais UFJF”, um dos núcleos do programa nacional homônimo organizado pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC). O objetivo é mostrar para meninas e adolescentes que a área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) também é lugar de mulher. 

O programa foi criado em 2011 pela coordenação da secretaria regional da SBC em Mato Grosso, sendo institucionalizado pela entidade em 2015. O projeto se baseia na aplicação de minicursos, oficinas, dinâmicas e palestras com estudantes e professores sobre a área da Computação. Essas atividades são direcionadas a meninas e jovens dos ensinos Fundamental e Médio. 

O núcleo do Meninas Digitais na UFJF iniciará as oficinas em abril deste ano. O trabalho será realizado junto a meninas estudantes de escolas da rede pública municipal de ensino em Juiz de Fora. Na primeira escola em que o projeto vai atuar, as ações serão focadas em alunas do 8º e do 9º anos do Ensino Fundamental. 

Outra frente é a divulgação de demais ações voltadas à promoção da igualdade de postos no setor de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, sintetizado pela sigla STEM. Essa tarefa é realizada por meio do site do projeto, redes sociais (Facebook e Instagram), além de conversas e troca de ideias e informações pelo aplicativo Discord. 

“Dessa forma, buscamos ampliar o alcance e impacto do projeto, além de conectar a comunidade de meninas interessadas em tecnologia com outras iniciativas que possam ser relevantes para elas. Promovemos oportunidades de aprendizado e networking para as meninas interessadas em STEM”, resume a estudante Anna Julia Lucas, bolsista do projeto e graduanda em Sistemas de Informação.

Computação já foi considerada “coisa de mulher”

O Censo da Educação Superior 2021, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), aponta que apenas 14,8% dos concluintes de cursos superiores de graduação em Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no Brasil eram mulheres, no ano retrasado. 

Bárbara Quintela se preocupa com a evasão de estudantes de TIC mulheres: “Continuo vendo o baixo número de meninas interessadas no curso. E muitas desistem” (Foto: Carolina de Paula)

Mas esse cenário nem sempre foi assim. Nos primeiros cursos da área, as mulheres eram maioria. Por exemplo, na primeira turma de Ciências da Computação na Universidade de São Paulo (USP), 70% dos alunos eram do sexo feminino. Isso foi na década de 1970. 

“Havia uma associação da área com o secretariado, que era considerada uma tarefa menos interessante. A partir do momento em que a tecnologia passou a ser vista como algo mais valorizado, o interesse dos homens aumentou”, informa Bárbara Quintela. 

A partir dos anos 1980, passa a acontecer uma grande virada, quando são lançados os primeiros computadores pessoais e videogames com um claro foco no público masculino. Na avaliação da professora, esse foi outro fator determinante para a Computação passar a ser considerada um assunto estritamente de homens. “A mídia também retratava os profissionais de tecnologia, que sempre eram homens. Isso tudo foi afastando as mulheres dos cursos dessas áreas”, observa. 

Quando Bárbara ingressou no Bacharelado em Sistemas de Informação, nos anos 2000, a área já era majoritariamente masculina. Situação que continuou acompanhando a pesquisadora no mercado de trabalho e, posteriormente, na carreira acadêmica. Hoje, a docente se atenta também à realidade da evasão de estudantes mulheres dos cursos em TIC. 

A criação de estereótipos sobre o lugar da mulher e o lugar do homem são determinantes para a baixa presença feminina na STEM. Essa é uma das conclusões do relatório “Uma equação desequilibrada: aumentar a participação das mulheres na STEM na LAC”, formulado pelos pesquisadores Alessandro Bello e María Elina Estebánez. O documento foi lançado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). 

De acordo com o relatório, esses estereótipos acompanham a mulher em diferentes fases da vida, como na infância, passando pela fase de escolha para os estudos universitários, na juventude. Embora essas noções pareçam menos persistentes entre as gerações mais jovens, as mulheres seguem afetadas por elas. 

A bagagem cultural sobre os papeis masculino e feminino no mundo já é construída nas primeiras experiências de socialização. Os preconceitos de gênero surgem ainda na primeira infância, desencorajando as meninas a se especializarem em STEM. Essas noções podem ser reforçadas, também, no ambiente escolar, por professores e instituições de ensino. “Estes tipos de segregação horizontal de gênero na educação são amplamente reconhecidos como uma das raízes da segregação de gênero na ciência”, conforme o documento. 

Por isso, a criação de referências com as quais meninas possam se identificar é algo tão importante.“Acreditamos que as meninas e adolescentes vendo mulheres falando sobre computação podem se identificar e considerar a área como uma opção interessante para elas também”, reflete Bárbara Quintela. 

Empresas têm valorizado a diversidade

O fomento da entrada de mulheres no mercado das áreas de TIC e STEM como um todo responde a uma demanda crescente no mercado por diversidade. O Relatório de Diversidade no Setor TIC, divulgado pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) em dezembro do ano passado, aponta que entre 2019 e 2020 foram contratados 5,7 mil mulheres e homens negros. Já em 2021, foram 34,5 mil novas contratações. Entre 2020 e 2021, a contratação de pessoas pretas e pardas cresceu 11,7%.

Para Anna Julia Lucas, há barreiras para a realização profissional feminina em STEM: “As mulheres devem ter a oportunidade de explorar seu potencial em qualquer área de interesse” (Foto: Carolina de Paula)

Bolsista do projeto, Anna Julia Lucas considera que a diversidade de gênero, étnico-racial, social e cultural pode ser um trunfo para as empresas, porque “contribui para a criação de equipes mais criativas e inovadoras, o que pode levar a melhores resultados em termos de produtividade e lucratividade.”

Ainda assim, o setor segue desigual: apenas 38,6% são compostos por profissionais mulheres. Destas, 20,4% são brancas, 11,6% são negras, 0,4% são de ascendência asiática e 0,04% são indígenas. Outros 6,1% são formados por mulheres que não tiveram a raça classificada. 

Para Bárbara Quintela, o crescimento do número de mulheres nas empresas da área de TIC não é significativo. “Aumentou bastante o número de vagas de trabalho com foco em mulheres, pois as empresas entendem que a diversidade e representatividade fazem diferença na qualidade do produto final.”

Segundo o relatório dos projetos parceiros do programa nacional Meninas Digitais relativo ao período 2020-2021, mais de 1.200 pessoas se engajaram com a causa da iniciativa, entre professores, mentores e monitores. Mais de 17 mil pessoas participaram das ações entre 2020 e 2021. Saiba mais no site nacional do programa. 

Saiba mais: Meninas Digitais UFJF

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