Bokermannohyla ibitiguara, uma espécie que se reproduz em riachos do Parque Nacional da Serra da Canastra, em atividade de vocalização (Foto: Renato Nali)

Uma descoberta que machos de uma determinada espécie de anfíbio podem se reproduzir com fêmeas de outras espécies do mesmo gênero e formar indivíduos híbridos motivou o projeto de pesquisa “Zonas de hibridação como componentes do processo evolutivo: Integrando genótipos e fenótipos na diversificação de anfíbios”. O estudo será realizado em parceria com a professora da Universidade do Texas, dos Estados Unidos, Kelly Zamudio, que atuará como pesquisadora visitante na UFJF, por um período de três anos, a partir de 2023.

A proposta partiu do professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Renato Nali, que identificou a hibridação em duas espécies de anfíbios do gênero Bokermannohyla durante o seu doutorado. A literatura científica geralmente reporta a hibridação em anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas), relacionando a situações de reprodução desordenada, em que muitos machos e fêmeas chegam simultaneamente ao ambiente de reprodução e não há muita oportunidade de distinção entre as espécies. No entanto, descobrimos recentemente que espécies de anuros que não têm esse tipo de reprodução também formam híbridos, o que abre muitas possibilidades de investigação dentro deste grupo de animais.”

Ao explorar mais a fundo esses casos, espera-se prover desdobramentos da quebra de paradigma de que anuros com cortes complexas e mecanismos bem estabelecidos de seleção sexual e reconhecimento específico não são capazes de hibridizar. Neste sentido, a pesquisa tem o potencial de contribuir no entendimento da história evolutiva das espécies, impactando as áreas de Ecologia Comportamental e Evolutiva. Além de participar de coletas de campo na Serra da Canastra, na Serra Negra da Mantiqueira e no Parque Estadual do Ibitipoca, Kelly irá ministrar dois cursos para o Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza (PPG Biodiversidade).

Coordenador do Laboratório de Ecologia Evolutiva de Anfíbios da UFJF, Renato Nali espera contribuir para a documentação da biodiversidade brasileira (Foto: Carolina de Paula)

O projeto também prevê três visitas do professor da UFJF à Universidade do Texas, com o objetivo de aprimorar técnicas moleculares de última geração, bem como interagir com o corpo docente e estudantes do laboratório. “Esse conhecimento será trazido para a UFJF, fomentando novas pesquisas e parcerias no Brasil”, almeja.

Para a pesquisadora Kelly Zamudio, esse é um ganho para todos. “Os dois laboratórios vão se beneficiar do intercâmbio de pesquisadores, faremos descobertas sobre a biodiversidade brasileira, e contribuiremos no treinamento e educação de futuros cientistas nos dois países. É por isso que as colaborações internacionais são tão impactantes”, afirma.

Instrumentos de última geração

De acordo com o docente, a pesquisa será realizada a partir de múltiplas metodologias, desde análises moleculares de última geração às morfológicas e de bioacústica, em busca de desvendar a ocorrência, frequência e direção da hibridação, bem como sua relação com os fenótipos envolvidos. A parte molecular será útil para comprovar a ocorrência genética dos híbridos. “Ela será toda desenvolvida na Universidade do Texas, onde há infraestrutura de ponta, com o apoio de uma pós-doutoranda da professora Kelly Zamudio, e com aporte financeiro da Fapemig.”

Na parte superior da figura, duas espécies distintas de anuros do gênero Bokermannohyla. Na inferior, encontram-se dois híbridos formados entre elas que foram determinados geneticamente (Foto: Renato Nali)

O estudo das vocalizações (bioacústica) e da forma corpórea poderá verificar a separação entre as espécies em seu fenótipo, ou seja, a manifestação da parte genética. Também serão feitos testes de playback em campo, em que cantos de uma espécie são tocados para outra, para verificar se haveria interações entre elas, o que, consequentemente, indica um reconhecimento específico deficiente e maior propensão à hibridação.

Toda a análise das vocalizações, forma corpórea e testes de playback será realizada no Brasil, com o apoio de um bolsista técnico doutor, financiado pelo projeto. Pretende-se envolver também alunos de pós-graduação do PPG Biodiversidade.

Bioacústica será diferencial

Sendo o estudo da comunicação sonora animal, a bioacústica é uma das principais linhas de pesquisa do Laboratório de Ecologia Evolutiva de Anfíbios (Lecean) da UFJF, fundado e coordenado pelo professor Renato Nali. Como nos anfíbios anuros os cantos são utilizados principalmente em um contexto reprodutivo, em que os machos vocalizam para atrair fêmeas e competir entre si por elas, a análise detalhada desses sons permite estabelecer os graus de divergência entre espécies.

“Por exemplo, quando duas espécies próximas apresentam cantos similares, é possível que haja reprodução entre elas: tanto os machos quanto as fêmeas de espécies distintas podem ficar ‘confusos’ e acabar acasalando ou brigando entre si, um cenário propício à hibridação. É por isso que a bioacústica será um elemento fundamental no projeto”, explica.

Foi dessa forma que os pesquisadores conseguiram identificar que não havia uma grande diferenciação nos cantos e na forma corpórea dos híbridos de uma espécie com outra do mesmo gênero, o que explicaria a reprodução entre essas duas espécies. Na época, a professora Kelly era supervisora da pesquisa de Nali no exterior. Essa descoberta foi publicada neste ano na revista Integrative Zoology (Hybridization despite elaborate courtship behavior and female choice in Neotropical tree frogs).

Pesquisa está alinhada aos ODS da ONU

As ações de pesquisa da UFJF estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). A iniciativa citada nesta matéria se alinha aos ODS 14 (Vida na Água) e 15 (Vida Terrestre).

Confira a lista completa no site da ONU.

Outras informações:

Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza (PPG Biodiversidade)

Laboratório de Ecologia Evolutiva de Anfíbios (Lecean)