O título faz referência a um antigo provérbio das comunidades macuas (Foto: Divulgação)

O livro “Casaco que se despe pelas costas: história do colonialismo, justiça e agências africanas em Moçambique” será lançado, nesta sexta-feira, 11, às 14h,  em evento remoto, transmitido pelo canal do youtube do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A obra é de autoria de Fernanda Thomaz, pesquisadora e professora de História da África da UFJF e pós-doutoranda na Universidade de Ibadan (Ibadan/Nigéria), uma das mais antigas instituições africanas e referência historiográfica naquele continente.

O evento é aberto ao público e não há exigência de inscrição prévia. Além da autora, estarão presentes os professores e pesquisadores Marcelo Bittencourt, da Universidade Federal Fluminense (UFF), prefaciador da obra; Cristina Nogueira, da Universidade de Nova Lisboa (Portugal); e Joel Tembe, da Universidade Eduardo Mondlabe (Moçambique). A atividade integra a programação da IV Semana da Consciência Negra da UFJF. 

A publicação, em formato digital, é um lançamento da Editora da UFJF, e já está disponível gratuitamente para download no site da editora. O livro analisa as dinâmicas e a estrutura do sistema colonial, entre as décadas de 1890 e 1940, a partir do mecanismo de poder jurídico, no norte de Moçambique, especificamente no distrito de Cabo Delgado. O título faz referência a um antigo provérbio das comunidades macuas, de Moçambique, que dizia: “Ekunya, ekasakó; enrureliwa ottulí”. Em português: o milando [litígio; demanda], resolvido por brancos na administração, é como o casaco que se despe pela parte das costas.    

“A ideia do casaco que se despe pelas costas demonstra parte da complexidade da estrutura colonial diante das agências daquelas pessoas que estavam sendo colonizadas. Nesse sentido, são discutidas no livro as ações e reações dos africanos que interpretavam, traduziam e agiam no mundo colonial a partir de suas próprias culturas, de seus formatos jurídicos e de suas relações sociais. Isso ocorria, de certa forma, dentro dos limites possibilitados pela estrutura de poder vigente, a colonialista”, ressalta Fernanda Thomaz.

Justiça
O livro está dividido em duas partes, tendo, ao todo, nove capítulos. A primeira parte se refere à história social da justiça e discute, especialmente, como os africanos se relacionaram com a estrutura imposta pelos colonizadores e suas agências nos processos de transformação da organização judiciária colonial. A segunda parte se debruça sobre as querelas e práticas cotidianas de homens e mulheres africanos no distrito de Cabo Delgado. 

Nesse sentido, são pensadas as relações sociais e as experiências individuais que, por vezes, chegaram ao âmbito da justiça colonial. Em outras palavras, busca-se compreender como as pessoas interpretavam a justiça colonial e como funcionavam as formas jurídicas locais, tais como os procedimentos judiciais, o sistema de provas e a punição dos povos macuas, macondes, muanis e ajauas.

A publicação também evidencia a trajetória de pesquisa da autora e seu interesse pela História de Moçambique, manifesto desde o curso de graduação na UFF. “A ousadia de Fernanda sempre esteve presente em nossos processos de orientação, quer na escolha dos temas e dos recortes, quer na perspectiva teórica adotada”, assinala Marcelo Bittencourt, professor orientador da autora nos cursos de graduação, mestrado e doutorado. 

Bittencourt acrescenta que “a opção pelo estudo da região norte de Moçambique e a escolha pela documentação judicial se traduziram num afastamento em relação à historiografia mais conhecida e mais robusta, tendencialmente concentrada na parte sul do território moçambicano, e em relação à qual Fernanda Thomaz guardava maior intimidade”. 

Fernanda Thomaz analisou processos criminais para revelar como africanos concebiam políticas colonialistas (Foto – Arquivo Pessoal)

Fontes históricas
No livro, os registros judiciais foram adotados como as fontes históricas prioritárias de análise, para o aprofundamento na abordagem em torno das agências africanas e dos usos do sistema jurídico colonial. A pesquisa contou com a leitura e a sistematização de 165 processos criminais, que envolviam crimes de homicídio voluntário, ofensas corporais (ou agressão), abuso de autoridade, violência contra liberdade e estupro, entre outros.

Os processos criminais foram consultados pela pesquisadora nos fundos do Juízo de Direito da Comarca Cabo Delgado e do Conselho de Pemba, onde estavam localizados os documentos provenientes do Tribunal Privativo dos Indígenas. Todos os registros judiciais foram produzidos entre os períodos de 1894 a 1940 e, atualmente, constam no acervo do Arquivo Histórico de Moçambique. 

A consulta desses documentos serviu também para a elaboração da tese de doutorado da autora, realizada na Universidade Federal Fluminense (UFF), e intitulada “Casaco que se despe pelas costas: formação da justiça colonial e a (re)ação dos africanos no norte de Moçambique, 1894-1940”, a qual dá origem ao livro.

“Mais que um mero instrumento para descrever e relatar a investigação de um crime, há tempos os processos criminais têm sido utilizados como fonte de análise para o historiador. A análise dos processos criminais, enquanto fontes históricas, pode levar o investigador atento a transitar pela concepção de mundo, por discordâncias e redes de solidariedades das pessoas do passado”, destaca Fernanda Thomaz.

Ainda conforme a autora, “é assim que histórias e experiências de homens e mulheres no passado podem ser reconstruídas no presente. Neste livro, a partir da análise dos processos criminais, buscamos revelar como os africanos concebiam as políticas colonialistas e quais eram os usos que faziam dos mecanismos de domínio através da lente da justiça”, conclui.

Sobre a autora
Fernanda do Nascimento Thomaz é professora e pesquisadora da UFJF; doutora, mestre e graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com pós-doutorado no Max Planck Institute (Frankfurt/Alemanha). Atualmente realiza pós-doutorado na Universidade de Ibadan, em Ibadan, na Nigéria. Tem experiência na área de História, com ênfase em História da África, atuando principalmente nos seguintes temas: Moçambique, Estado e Colonialismo; Poder, Discurso e Identidade; e Autenticidade, Poder e Identidade.

Pesquisa está alinhada aos ODS da ONU
As ações de pesquisa da UFJF estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). A iniciativa citada nesta matéria se alinha ao ODS 4 (Educação de qualidade), voltada para garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.

Outras informações
fefathomaz@yahoo.com.br