Claudio Teodoro de Souza é o oitavo filho de um casal de agricultores. Seus pais são oriundos de Caculé (BA), município próximo de Vitória da Conquista, localizado a mais de 700 quilômetros da capital Salvador. Todos os 11 filhos do casal ajudaram os pais na lavoura no sítio São José, nos arredores de Araçatuba (SP), e tiveram acesso à luz elétrica em casa durante a década de 80, quando Claudio terminava o ensino fundamental. As marcas do trabalho no campo seguem presentes até hoje no corpo do pesquisador – e é a busca pelo entendimento do metabolismo deste mesmo corpo, o humano, que norteia a trajetória científica de Claudio. Ele, que já foi reconhecido nacionalmente com o Grande Prêmio Capes de Tese, atualmente é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde (PPgS) da UFJF.

“Todos os pesquisadores fazem parte de algo revolucionário” (Arte: Carolina de Paula/Gian Rezende)

Em celebração ao Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico, comemorado em 8 de julho, a equipe de Comunicação da UFJF reuniu-se com Claudio para conversar sobre os motivos que o levaram a se encantar pela ciência (e a permanecer na carreira científica), bem como os desdobramentos gerados a partir dos estudos e os desafios enfrentados por pesquisadores em todo o país. “Sou pesquisador por teimosia”, alega. “No Brasil, além de curioso, é preciso ser teimoso.”

Quebra-cabeça em (des)construção
Claudio define o fazer científico como a montagem de um quebra-cabeça: “é algo gigantesco, em constante construção, no qual vamos colocando peças uma ao lado da outra. Cada um de nós contribui com sua visão única, mas tudo só existe e faz sentido se é visto junto ao trabalho dos outros”. Ao longo dos últimos anos, ele confessa sentir mais a desconstrução sistemática desse trabalho; são peças que são retiradas ou que deixam de existir antes mesmo de serem encaixadas, dizimadas pelos cortes orçamentários e baixos investimentos em setores voltados ao fomento da ciência.

“Conheço pesquisadores que estão há dois, três anos sem fomento para seus projetos. Isso asfixia não só a pesquisa que eles mesmos conduzem, como também as pesquisas de todos os orientandos pelos quais eles são responsáveis. Pode acabar com o trabalho de anos, de décadas, e as pesquisas que nasceriam dali.” Claudio afirma que, para tentar impedir esse asfixiamento, já chegou a tirar dinheiro do próprio bolso para manter os projetos de orientandos. “A falta de recursos para pesquisa no Brasil é um problema de longa data, mas que tem piorado nos últimos anos; isso precisa ser superado urgentemente. O outro problema a ser superado é a comunicação e interação com a sociedade. O que é realizado pelos pesquisadores precisa se apresentar à sociedade, precisa ser traduzido em bem-estar, melhorias, em qualidade de vida.” 

Claudio (ao centro da imagem) durante o trabalho no sítio São José (Foto: Arquivo pessoal)

O pesquisador propõe que uma das soluções, além da difusão do conhecimento desde as primeiras etapas de ensino, é disseminar a cultura de comunicar os projetos e as iniciativas científicas desenvolvidos nos campi, não somente entre os pares da academia, mas também em canais de comunicação diversos com a sociedade. Ele sustenta que, para que a sociedade em peso queira preservar os institutos de ensino e pesquisa, é preciso que entendam o que é feito dentro deles. “Muitas universidades se comportam como se estivessem em uma redoma de vidro. Sem conhecimento, não há reconhecimento.”

Outros dois pontos frisados como importantes pelo pesquisador são oferecer atividades de extensão junto à comunidade e apresentar-se como opção viável para parceria com setores alheios ao âmbito acadêmico. Ele defende que deveria ser algo mais corriqueiro que empresas entrassem em contato com pesquisadores das universidades para resolver problemas específicos. Para Claudio, essa conexão é também uma forma de incentivar que mais estudantes ingressem na carreira científica. “Formamos doutores com alta capacidade de solucionar problemas, dos mais simples aos mais difíceis. Isso precisa estar a serviço da população regional, nacional e quiçá internacional.”

Claudio do lado do orientador, Lício Velloso, durante a entrega do Prêmio Capes, realizada no Palácio do Planalto (Foto: Arquivo pessoal)

Um dos maiores reconhecimentos que podem atestar a qualidade do trabalho de Claudio foi o Prêmio Capes de Tese, denominado “Carl Peter von Dietrich”, concedido a ele em 2006 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A premiação reconhece, anualmente, os melhores trabalhos de conclusão de doutorado defendidos no Brasil. 

Na época, o pesquisador estava sob orientação do cientista Lício Velloso, docente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Claudio o cita com admiração, frisando a importância do trabalho de Velloso não somente em sua trajetória acadêmica, mas também na pesquisa sobre diabetes em âmbito nacional e internacional. “Sem dúvida, um dos grandes espelhos e incentivadores da minha carreira.” 

Atualmente, além de ocupar o cargo de coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde (PPgS) da UFJF, Claudio lidera o grupo Nutrientes e Exercícios Físicos Aplicados à Síndrome Metabólica (Nefasm). Dedica seus projetos científicos à compreensão dos mecanismos biológicos relacionados à fisiopatologia, bem como à prevenção e ao tratamento de doenças metabólicas, como a Diabetes tipo 2. O pesquisador também é bolsista em produtividade de pesquisa nível 1D da Capes.

Desejo em ser professor e paixão por ser pesquisador
Durante o ensino básico, o caminho de ida e volta para a escola que Claudio e seus irmãos trilhavam chegava à marca de 13 quilômetros (às vezes, quando chovia ou o ônibus da prefeitura quebrava, era preciso fazê-lo à pé). Havia, ainda, o trabalho diário nos arados do sítio São José. Como a maior parte da colheita era dedicada à subsistência, em algumas épocas, a comida da família era escassa. 

A energia elétrica chegou ao sítio em 1986, quando Claudio tinha 14 anos. É por volta dessa mesma época que ele recorda de ter, pela primeira vez, sentido entusiasmo pelas possibilidades da ciência: foi quando observou tecidos celulares da cebola e espermatozoides por meio da lente de um microscópio, no laboratório da Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau de Clementina.

Cláudio rodeado pelos pais (Foto: Arquivo pessoal)

Antes desse episódio, o desejo de Claudio era voltado para tornar-se professor, inspirado por profissionais da educação que, em meio aos anos da ditadura militar no Brasil (1964 – 1985), o incentivaram a seguir pelo caminho da educação. A paixão pela pesquisa, por sua vez, começou na graduação em Educação Física na Universidade Estadual Paulista (Unesp), assim que surgiu a oportunidade de ingressar em uma bolsa de Iniciação Científica.

Hoje, já estabelecido no meio acadêmico, Claudio ainda se comove em reconhecer sua responsabilidade em formar pessoas. “Me sinto honrado em ser comprometido a formar cidadãos criativos, independentes e diferenciados, e também em transitar entre colegas empenhados pelo mesmo objetivo.” Ao longo da conversa, o pesquisador frisou, várias vezes, que as falas da mãe o norteiam durante toda sua trajetória – não somente a pessoal, como também a científica –: “todo esforço será recompensado”. “Sigamos por dias melhores”, ele conclui, acrescentando o recado que gostaria de enfatizar para todos: contem com a ciência, contem com os pesquisadores.

Confira a primeira matéria da série especial da UFJF em celebração ao Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico: O que significa ser pesquisador?

Outras informações:
Claudio, do planalto de Clementina às honras do Planalto