Dandara diz que durante muito tempo não se imaginava dentro da Universidade, mas que o cenário vem mudando e ainda é necessária a compreensão do lugar ocupado pela comunidade LGBTQI+ na ciência (Foto: Carolina de Paula)

A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) passa a ter a primeira técnico-administrativa (TAE) travesti preta de sua história. De punho fechado e erguido, gesto utilizado para representar resistência, Dandara Oliveira tirou uma foto na Praça Cívica do campus para postar em suas redes sociais, portando o documento que oficializou a admissão em 28 de abril.

Dandara é socióloga, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e militante pelos direitos humanos. Dentro da UFJF, teve ainda participação fundamental na fundação do Centro de Referência LGBTQIA+, projeto que existe há três anos e é vinculado à Pró-Reitoria de Extensão (Proex) e à Faculdade de Serviço Social. A relação com a Universidade ainda se estendeu durante os seis anos em que ela trabalhou como técnica em saúde no Hospital Universitário (HU), através da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), participando, por exemplo, ativamente na linha de frente do combate ao Covid-19.

Agora, a mais nova servidora da UFJF passará a integrar a Comissão Orientadora dos Estágios (COE) da Faculdade de Medicina, lugar que Dandara queria ocupar para estar mais próxima da área educacional. “Após todos os anos em que trabalhei no HU, resolvi mudar de área por conta da minha nova formação. Acho que precisamos muito que as pessoas consigam conviver com a diversidade nesse espaço que deve ser plural e diverso”, destaca a também fundadora da Associação de Travestis, Transgêneres e Transsexuais de Juiz de Fora (Astra JF).

Ocupar espaços é combater a LGBTfobia

https://www.youtube.com/watch?v=ZUkxaNc6G9Q

O Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia é celebrado em 17 de maio e tem como objetivo aumentar a conscientização sobre as violações dos direitos LGBT e estimular o interesse pelas causas LGBTs em todo o mundo. Uma das pautas mais importantes relacionadas a representantes da letra T é justamente a inserção de travestis, homens e mulheres trans no mercado de trabalho.

Segundo dados de 2020 do Banco Mundial, o país ultrapassa hoje a marca de 212 milhões de habitantes. Desse total, de acordo com pesquisa inédita realizada na América Latina em 2021 pela Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), 1,9% da população brasileira é de pessoas transgênero ou não binárias. Ou seja, cerca de 4 milhões de indivíduos. A maior parte sequer consegue entrar em uma universidade e, segundo Dandara, a presença de corpos trans e travestis ainda precisa ser “desnormalizada”.

“Tenho discutido muito uma ideia que é da normalização de corpos travestis pretos em alguns lugares. Mas penso que é preciso fazer essa ‘desnormalização’. Afinal, por que existe uma norma? Por que existem corpos normativos que são permitidos de frequentar espaços como a universidade e outros não? Enxergo a minha posse como um momento histórico na UFJF e,  talvez, no Brasil. Temos pouquíssimas mulheres trans ou travestis TAEs em universidades públicas. Então, isso mostra que nós podemos estar em todos os espaços”, ressalta Dandara.

 Ainda é preciso reforçar que nós, enquanto pesquisadoras, trazemos novas epistemologias para a academia

Mesmo com muitos desafios sendo superados, como a implantação das cotas para trans e travestis nos Programas de Pós-Graduação da Universidade, é preciso ainda superar, como aponta Dandara, a violência transfóbica, que se revela, por exemplo, quando as pesquisas de pessoas trans são descredibilizadas por um corpo docente formado majoritariamente por corpos brancos e masculinos.

“Juiz de Fora tem uma mãezona que é a UFJF. Porém, não é novidade para ninguém que travestis e trans não eram bem vindas neste espaço. Durante muito tempo, não imaginava que eu pudesse estar aqui dentro. Essa relação, com o tempo, vem mudando. Mas ainda é preciso reforçar que nós, enquanto pesquisadoras, trazemos novas epistemologias para a academia. Nas ciências humanas, em geral, estudamos muitos autores que não trazem a vivência preta e LGBT. Então, ter esses outros olhares oferece um acúmulo ainda maior de experiências para todas as áreas da Universidade”, finaliza Dandara.