Já se passaram quase 20 meses da eclosão da pandemia do novo coronavírus, conhecido como Sars-Cov-2, que teve início em novembro de 2019. Ainda assim, a Covid-19 continua sendo um dos tópicos mais recorrentes em todo o mundo, que está em todas as manchetes de veículos de comunicação, mas também é alvo de muitas informações equivocadas e fake news.

A 73ª Reunião Anual (RA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece de forma totalmente remota seguindo os protocolos de restrição e isolamento social imposto pelas autoridades competentes, não poderia deixar de debater sobre a temática que, embora esteja tão em voga, ainda desperta muitas dúvidas e curiosidades.

“Ter a primeira vacina licenciada para uso em menos de um ano é algo sem precedentes na história. É uma vitória da medicina, da ciência”, Esper Kallás

É nesse contexto que o médico infectologista e coordenador do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Esper Kallás, foi convidado para discorrer na conferência on-line “O que já sabemos sobre a covid-19?”, realizada nesta quinta-feira, 22. A mediação foi feita pela professora Lucile Maria Floeter-Winter, representante da diretoria da SBPC.

A experiência e a participação desde o começo em todo o processo para o enfrentamento da pandemia não excluíram o cuidado do especialista para apresentar as informações. “É uma enorme responsabilidade em fazer um apanhado geral do que aprendemos com essa pandemia, que será feito muito mais pelo olhar de um médico, infectologista e pesquisador dessa área”, afirmou Kállas, que atua como consultor e integra o grupo de contingência do governo do estado de São Paulo.

O vírus

Identificado em novembro de 2019 no Sudeste Asiático, no centro urbano Wuhan, “que lembra um pouco São Paulo, uma região metropolitana com ampla circulação de pessoas com cerca de 11 milhões de habitantes”, o novo coronavírus expôs uma doença respiratória viral de origem desconhecida.

Embora já existissem tipos da família de coronavírus que circulam no Brasil e no mundo, o médico considera que era uma área da ciência de interesse muito específico, uma vez que, nesses casos, o vírus atinge principalmente crianças de forma branda e indivíduos na fase adulta já desenvolveram os anticorpos.

No começo de janeiro, pesquisadores descobriram que se tratava de um betacoronavírus e, com os casos acumulados e a transmissão nos cinco continentes, virou uma pandemia. Kallás apresentou alguns dados e citou o posicionamento do Brasil que perde somente para os Estados Unidos em número de mortes.

Um tópico de interesse para investigações científicas, segundo ele, é quanto ao baixo índice da maioria dos países da África, que pode ser explicado pelas características demográficas próprias do continente africano e pela subnotificação.

Sintomas e tratamento

Segundo o infectologista, a doença da Covid-19 é caracterizada por quadros que têm algumas fases. “A participação do vírus na secreção respiratória atinge o pico com o aparecimento dos sintomas. Após os 10 primeiros dias cai bastante”, observou. A importância de identificar esses mecanismos é para buscar formas de prevenção e tratamento.

“Uma análise recente indicou que o uso da cloroquina pode aumentar até 70% os malefícios dos sintomas”, alertou

O tratamento deve considerar dois aspectos: a fase aguda e a fase tardia. No período de resposta patogênica do hospedeiro é quando há a possibilidade de inflamação do organismo, ocorrendo o comprometimento de alguns tecidos como o pulmão, podendo se agravar para múltiplos órgãos e até mesmo levar à morte.

Na visão de Kallás, a indicação de medicamentos usados para outras enfermidades também aconteceu em todos os casos de viroses. “Várias pesquisas mostraram posteriormente que esses remédios não tinham efeito para a Covid-19. Uma análise recente indicou que o uso da cloroquina pode aumentar até 70% os malefícios dos sintomas”, alertou.

Uma aposta do especialista em infectologia é o uso de anticorpos isolados monoclonais produzidos em laboratório. Esse tipo de tratamento precoce demonstrou eficácia e benefícios para a fase inicial dos sintomas, “ao todo, tem 26 produtos sendo desenvolvidos em laboratórios, três já são licenciados em alguns países”.

Desafios

De acordo com o especialista, dentre as preocupações que a comunidade médica e científica deve ter daqui pra frente é com o fato de que a covid-19 não se encerra com o fim dos sintomas da fase aguda. “Uma percentagem significativa de pessoas desenvolvem sequelas, que vão de sintomas leves aos mais severos e incapacitantes, distribuídas por vários órgãos e tecidos.”

Após um prazo arbitrário de quatro semanas do início dos sintomas já é considerado que são sequelas. Pela sua atuação como médico no Hospital das Clínicas, os casos são muito diversos, tais como: cansaço, dores musculares, alterações persistentes no sistema respiratório, manifestações cardiovasculares, ou mais graves, como problemas renais crônicos.

Com relação ao aprendizado adquirido pela comunidade científica, o impacto foi muito alto. “Aprendemos muito como os sistemas de defesa que combatem o vírus, que é a essência do sistema imune e que possibilita o desenvolvimento de vacinas. O que a gente viu, considerando o tempo entre a descoberta do vírus até ter a primeira vacina licenciada para uso em menos de um ano, é sem precedentes na história. É uma vitória da medicina, da ciência, além de uma oportunidade de todas as vezes que falar de ciência, trazer a sociedade para o nosso lado”, enfatizou Kallás.

O pesquisador lembrou que o vírus HIV-Aids, por exemplo, é uma epidemia que já tem décadas e ainda não tem vacina. “Tudo isso só foi possível pelo investimento em pesquisa e inovação como resposta para resolver problemas, especialmente na área da saúde”, reforçou.

Em sua opinião, o Sars-Cov-2 veio para ficar, que desde o começo já mostrava que se tratava de um vírus propenso à transmissão comunitária. É preciso melhorar as formas de tratamento e a contenção do vírus. “O país que está melhor é o que mais investe em saúde, pesquisa científica, tecnologia e inovação. É dessa maneira que países como os Estados Unidos, a Inglaterra e a Alemanha saíram na frente”, defendeu o cientista.

programação completa da 73ª Reunião Anual da SBPC traz nomes de projeção no cenário científico nacional, sendo transmitida pelos canais SBPCnetTV UFJFCentro de Ciências UFJF,  Critt – UFJFUFJF Notícias e Revista A3 UFJF.

Outras informações: Site oficial da 73ª Reunião Anual da SBPC