Reunidas em uma mesa-redonda da 73ª edição da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), quatro pesquisadoras de destaque nacional debateram sobre o que o presente nos ensina sobre o passado, abordando o conhecimento herdado da pandemia de Gripe Espanhola (mutação do vírus Influenza(H1N1), que se espalhou das aves para os humanos), a maior do Século XX e a mais mortal da história, vitimando cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Coordenada pela professora Christiane Cruz, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, a mesa-redonda recebeu as pesquisadoras Heloisa Starling (Universidade Federal de Minas Gerais), Liane Bertucci (Universidade Federal do Paraná) e Gisele Porto Sanglard (Fundação Oswaldo Cruz). As convidadas apresentaram desde o contexto histórico da doença, passando por questões específicas, como a assistência à infância durante a pandemia, chegando até os paralelos possíveis entre o cenário da Gripe Espanhola e o observado atualmente frente à Covid-19.

“O debate foi riquíssimo, com diversos olhares que demonstram as possibilidades para ainda mais frentes de pesquisa. Como foi reforçado aqui, o presente nos motiva a olhar para o passado”, sintetiza Christiane Cruz, destacando preocupações recentes que são espelhadas por cenários de um século atrás, como a assistência a crianças órfãs pós-pandemia e o atendimento a comunidades marginalizadas durante a crise sanitária. 

Por sua vez, a professora Liane Bertucci traçou o histórico da Gripe Espanhola no Brasil, destacando o trabalho de pesquisadores brasileiros que, décadas depois, receberam reconhecimento internacional pelos estudos conduzidos na direção de apontar o agente etiológico por trás da doença. “Aristides da Cunha, Olympio da Fonseca e Octávio Magalhães foram reconhecidos pelo Institut Pasteur, na França, como alguns dos pioneiros em identificar, de maneira indicativa, que o causador da gripe era um vírus e não um bacilo, como acreditava-se antes. Isso ajudou no tratamento de sintomas e no desenvolvimento de vacinas que auxiliam a controlar as epidemias de gripe.”

Ao abordar a assistência prestada às crianças durante a pandemia de Gripe Espanhola, Gisele frisou o papel importante da filantropia para auxiliar os poderes públicos no socorro às vítimas e suas famílias. “Em face de toda a tragédia que foi a pandemia, um dos resultados foi a reforma da saúde pública em 1919”, informa. A pesquisadora ainda alertou para um dado recente preocupante: o Brasil é o país que lidera o número de mortes por Covid-19 entre crianças de 0 a 9 anos de idade.

Por fim, Heloisa afirmou que negar a pandemia, não importando a época, é também um modo de negar o espaço público à sociedade. “O vírus não cria ou inventa nada, mas escancara a realidade que vivemos: ele revela a forma de governar, as desfaçatez das autoridades, a forma de maquiar e adulterar a realidade, as desigualdades e as fraturas sociais. O vírus expõe o disfuncionamento de vida que, até agora, era visto como normal.” A pesquisadora finalizou reforçando que, ao mesmo tempo que é preciso ir de encontro ao passado para adquirir repertório no combate às pandemias, também é necessário considerar que cada época conta com suas singularidades.

O evento conta também com programação Jovem e Família, além de eventos culturais ao longo de sua duração. Toda a programação e a cobertura dos eventos estão reunidas no hotsite da 73ª Reunião Anual da SBPC na UFJF.