A programação da 73ª Reunião Anual (RA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), contou com a mesa-redonda: “Epistemologia Afrocentrada: Desafios para a Ciência”, na manhã desta segunda- 19. Com a participação dos pesquisadores Anna Maria Canavarro Benite, Bas’ilele Malomalo e Hilton Pereira da Silva e coordenada pelo Diretor de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Julvan Moreira, o encontro reuniu diálogos importantes sobre a interdição de pessoas negras na ciência, os estudos e saberes africanos e o impacto da Covid-19 em comunidades quilombolas.

Para dar as boas-vindas, o coordenador da mesa-redonda, Julvan Moreira, enfatizou a importância de se tratar sobre o tema. “Considerando que o Brasil é um país multicultural, ainda há invisibilidade sobre os estudos e as produções de conhecimento de assuntos descolonizados. Nessa perspectiva, esse diálogo apresenta uma abordagem teórica da epistemologia de base africana para compreender que a pesquisa pode reposicionar o saber do sujeito.”

Interdição de pessoas negras na ciência

A professora Anna Maria Benite considerou que o conhecimento científico é uma das maneiras de se produzir cultura e que ela pode ser comparada à qualidade de vida. Segundo a pesquisadora, a epistemologia legitima determinados produtos e trabalha com o aparato de mercado, trazendo características de recortes de mundo. “Essa produção é simbólica e demarca barbárie com os estudos que não se encaixam nas matrizes brancas e eurocêntricas, que são desrespeitosas com o ser humano, com a natureza e esquecem dos grandes feitos realizados pelas sociedades africanas.”

Além disso, destacou que por meio da produção científica começa-se a desenhar um arcabouço de uma ciência legitimada dentro de um estado colonizador. “A mordenidade inaugura a dicotomia entre branços ou negros, homens ou mulheres, letrados ou incapazes, homem ou cientista, mulher negra ou cientista. Criamos matrizes de epistemes muito pobres e a ciência se contamina com uma cidade adoecida e esses mecanismos representam a interdição da população negra do meu país”, explica Anna Maria.

Durante o diálogo, a pesquisadora também apontou que pensar sobre a epistemologia é o menos importante, considerando que o termo se trata de um conceito branco. “Chamamos as pessoas para uma conversa sobre a produção de saberes que vão para além do comum, até porque os conceitos são modelos que se aplicam em algumas situações e não em outras. Nossas epistemologias não são arbitrárias, nós lutamos pela existência. A nossa produção precisa ser citada a todo momento para demonstrarmos que ela existe no mesmo padrão dessa outra meritocrática.”

“A África é o berço da ciência”

O professor Bas’ilele Malomalo explicou que há uma divisão cultural no desenvolvimento da ciência, e que mesmo com a criação das políticas de ações afirmativas no país, a demanda de ampliar os estudos sobre negritudes não foi acatado e que ainda há muito o que fazer, como, por exemplo, o fato de a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras (ABPN) pensar em uma universidade negra, pautada em uma metodologia inter e multidisciplinar.

“A nossa voz ainda é muito tímida nas universidades brasileiras. Enquanto existir uma maioria de homens brancos que não se abrem para epistemologias descolonizadas, não conseguiremos recuperar a ontologia africana. Até as narrativas de estudos africanos são brancocentricos e contadas a partir de pessoas brancas. Nós precisamos começar a trabalhar algo que chamo de “Afrocologia” a partir das matrizes do nosso povo”, explica Malomalo.

Segundo o pesquisador, os africanos praticavam por anos a Medicina, a Física, a Química e a Filosofia, no entanto, a perspectiva de Descartes trouxe muitos problemas ao focar no eurocentrismo. “O que os povos africanos definem como universo? Que nós somos produtos da natureza, não apenas como um ponto racional, mas compostos por muitos elementos, entre eles, por meio de uma concepção divina, o que eu chamo de Razão da Sensibilidade. Nós estamos aqui na SBPC e não podemos deixar o continente africano de fora, pois a África é o berço das ciências e isso deve ser ensinado nas escolas”, reitera Malomalo.

Impacto da Covid-19 em populações quilombolas

Em diálogo, o professor Hilton Pereira da Silva apontou que é fundamental que as instituições de ensino estejam firmes diante das situações mais adversas para que o país avance rumo ao progresso. No entanto, durante a mesa-redonda apresentou os impactos do racismo nas populações quilombolas e amazônicas, a partir de considerações desenvolvidas na pandemia, que trazem como questões centrais a desinformação e o racismo estrutural.

Silva trouxe alguns dados sobre a população quilombola, adquirida por meio das informações do Cadastro Único (Cadúnico). Entre elas, 92% desse grupo é formado por pretos e pardos; 74,4% vivem em estado de pobreza; 55% não têm acesso a água canalizada; 54% não possuem energia elétrica; e 48% vivem em moradias precárias. “Quando a Covid-19 chega ao país e encontra essa população fragilizada, age de forma mais agressiva. Estudos demonstram que pretos e pardos têm 60% a mais de chances de morrer da doença e o risco é ainda maior na população quilombola.”

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima a existência de 5 mil comunidades quilombolas e a grande dificuldade em vacinar este coletivo se trata da falta de números aproximados de quantos pessoas compõem essa parte da população e as informações falsas e distorcidas que chegam ao grupo, causando impacto na saúde da comunidade, o que agrava a situação. “Apesar da abolição da escravatura, ainda há um racismo silencioso e não declarado que coloca essa população em vulnerabilidade. Um desafio que temos encarado é a garantia da chegada de insumos e de informações corretas sobre o assunto. É preciso garantir vacinas para todos em respeito a suas culturas”, finaliza Silva.

73ª Reunião Anual da SBPC

O evento acontece até o dia 24 de julho de forma inteiramente on-line, sediando conferências, mesas-redondas, webminicursos, painéis e sessões de bate-papo. Confira também a programação da SBPC Jovem e Família e a SBPC Cultural.

A programação completa da 73ª Reunião Anual da SBPC traz nomes de projeção no cenário científico nacional, sendo transmitida pelos canais SBPCnet, TV UFJF, Centro de Ciências UFJFCritt – UFJF, UFJF Notícias e Revista A3 UFJF.

Outras informações: Site oficial da 73ª Reunião Anual da SBPC

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