Professor da Faculdade de Letras da UFJF, que completa 35 anos como escritor, busca no campo literário mostrar suas percepções da realidade  (Foto: Bruno Santos/Folhapress)

Em 1985, então como aluno da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Edimilson Pereira estreava no campo das publicações. Atualmente docente da Universidade, com 35 anos de trabalhos no gênero da poesia, ensaios e literatura infanto-juvenil, o professor e pesquisador lança seus primeiros romances. A trilogia “Náusea” foi lançada no final de 2020, tendo seus livros publicados simultaneamente por três editoras distintas. 

Em “O ausente”, o cenário se monta na vida rural, narrando a história de Inocêncio, homem que nasce empelicado, ou seja, envolto pela placenta, e segundo crença popular, é predestinado a curar as pessoas ao seu redor. O livro trava um duelo entre a tradição e o compromisso com a palavra. Já em “Um corpo à deriva”, o cenário é urbano, e os personagens, um casal de jovens universitários, que permeiam por um pacto doloroso, desvelando a solidão e o horror como guia das vidas contemporâneas. “Front” encara a desigualdade, retratando um personagem nascido em bairro pobre e que sobrevive do lixo. Narrado em dois tempos, vemos o contraste do olhar fantástico de criança e a realidade brutal do homem adulto. 

Três narrativas distintas, mas que se entrelaçam no observar e no contar, nas dores e nas dúvidas. Prestigiamos a travessia do menino ao homem, vemos seu processo de maturidade e suas descobertas nas diferentes realidades. Os títulos se enquadram no romance moderno e, de acordo com o autor, têm em comum os aspectos característicos desse estilo, no qual ter um enredo ou personagens bem definidos não é necessário, mas pode se apresentar em dimensões fragmentadas. “Os três romances são interdependentes, têm vários aspectos em comum e, ao mesmo tempo, cada um deles pode ser lido como uma obra separada, uma história própria.”  

Olhar ficcional
Também pesquisador no campo das Ciências Humanas, Pereira atuou no projeto interdisciplinar “Minas e Mineiros”, que unia metodologias da sociologia, ciências da religião, antropologia e literatura, a fim de estudar as culturas populares tradicionais das áreas rurais e, posteriormente, dedicado às culturas afro-brasileiras diaspóricas. Ele afirma que, de forma indireta, esses aspectos se fazem presentes no romance. “Eles vão ser recriados pelo meu olhar ficcional, não exatamente com os dados da realidade, como o texto analítico antropológico, que tem compromisso com a verdade, mas como texto ficcional, que tem toda a liberdade de inventar assuntos de acordo com a imaginação do autor e dos próprios leitores.”  

Não estabelecer fronteiras muito rígidas entre os gêneros sempre foi um traço seu, diz Pereira. Entre seus trabalhos desenvolvidos em ensaios científicos, técnicas da narrativa ficcional se fizeram presentes para preencher lacunas. “Na pesquisa de campo, íamos coletar informações e elas vinham muito fragmentadas, ou, às vezes, você escutava a mesma versão das histórias, cada pessoa contando um fragmento, então a gente complementava esses dados de modo a criar uma espécie de paráfrase das narrativas originais. Esse exercício literário tem mais a ver com a literatura do que propriamente com a análise antropológica.” 

Com a prosa de ficção romanesca, observa-se o mesmo diálogo. Para ele, seus romances tem muito da linguagem poética e recursos que provêm da metodologia de pesquisa etnográfica. Aspectos combinados que refletem em sua própria caminhada no fazer literário, visto que a primeira publicação de um romance acontece agora, aos seus 57 anos, mas a presença da ficção se manifesta desde muito cedo. “Eu já tinha anotações e rascunhos de ficção romanesca, só não havia publicado, por uma questão de tempo e oportunidades, mas já trabalhava na confecção. No caso de cada um desses livros, são frutos de anotações mais antigas e ficaram prontos, mais ou menos, há três, quatro anos atrás, mas eu já venho trabalhando neles há muito tempo, só faltava vir a público.” 

Sem prazo de validade
Sobre a recepção do público, Pereira admite não esperar uma adesão imediata ou um sucesso da crítica. “Já tenho um tempo longo de trabalho com a literatura e com a escrita e minha preocupação sempre foi no sentido de criar um campo de conhecimento no qual, através do texto literário, no caso o romance e a poesia, pudesse mostrar suas percepções da realidade. Tenho mais me interessado em deixar textos que possam despertar o interesse do leitor gradativamente, ao longo do tempo. Minha literatura não tem prazo de validade”. 

Jurado da última edição dos prêmios de literatura Jabuti e Oceanos, o autor reforça a importância da UFJF em sua trajetória. “Em 1983 entrei como aluno, estudante do curso de Letras e depois retorno em 1987 como professor substituto, me efetivando em 1991. E desde então trabalho na Universidade, que é o mesmo período que eu vou desenvolver toda a minha obra, pesquisa e escrita. Eu devo muito à Universidade esse suporte intelectual que me permitiu desenvolver um percurso sólido que talvez eu não teria se estivesse em outra profissão. Lecionar literatura em uma faculdade como a de Letras sempre me manteve em contato com o mundo literário, tecendo amizades e relações de fraternidade que me permitiram conhecer membros do círculo literário e assim participar do júri de prêmios expressivos no ano passado”.    

Onde comprar
Os livros estão disponíveis nas livrarias Quixote, em Belo Horizonte; Travessa, no Rio de Janeiro; e nas livrarias Mandarina, Megafauna e Livraria da Tarde, em São Paulo. Virtualmente é possível realizar a compra nos sites das editoras responsáveis pela publicação das obras: Macondo Edições, de Juiz de Fora; Relicário Edições, de Belo Horizonte; e Editora Nós, de São Paulo.