Ele até chegou a ensaiar uma outra profissão frequentando o curso de administração do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-GV). Mas não demorou muito para Gui Ramalho descobrir que seu escritório mesmo era o palco. E não é que deu certo. “Interior de Mim”, álbum mais recente do cantor, foi contemplado no “Prêmio Janelas Abertas”, um edital lançado pela Pró-Reitoria de Cultura (Procult) para apoiar artistas dos dois campi neste período de pandemia.
Lançado em dezembro de 2020, “Interior de Mim” é o resultado de um ano de trabalho. Todas as oito canções refletem uma mudança importante na vida do cantor valadarense. “O surgimento do álbum foi quando eu me mudei para o interior de mim, porque de certa forma foi quase que literalmente assim. Fui morar sozinho e me relacionar ainda mais intimamente comigo, e foi nesse momento que eu fiz várias canções, por ter esse laboratório disponível para poder experimentar, sem o constrangimento do olhar de alguém que mora comigo (embora fosse ótimo morar com minha mãe). Morar sozinho me permitiu ir a alguns lugares que eu não tinha me permitido ir ainda”, afirma.
Apesar dessa coesão e de um caráter quase conceitual do álbum, Ramalho faz questão de destacar que o processo criativo foi bem natural e espontâneo. “Eu fiz várias canções sem saber que estava compondo um álbum inicialmente. Mas depois, pensando o que foi esse fenômeno, eu reparei que todas as músicas tinham uma certa relação entre elas, um recorte do que eu estava vivendo e que valia a pena compartilhar, dividir isso com todo mundo que se identifica com o projeto.”
E tudo – absolutamente tudo – em “Interior de Mim” guarda relação com o novo lar do cantor, desde a arte da capa até a própria sonoridade do álbum. “O meu parceiro Willian Chambela [responsável pelo design] sonhou com essa ideia de que a capa do álbum seria a planta baixa da casa, onde as músicas foram compostas, inicialmente por mim. E depois, juntamente com outro parceiro, o Rafael Caires, a gente montou um home studio, com os equipamentos dele, os meus, e dentro dos nossos recursos a gente tirou um resultado autêntico, porque a estrutura da casa, a acústica, tudo isso não é como um estúdio convencional de tratamento, então isso também permitiu chegar a lugares diferentes”, frisa Ramalho.
Esse tom bem introspectivo do álbum foi decisivo para o seu reconhecimento no “Prêmio Janelas Abertas”, como explica o diretor do Cine-Theatro Central e responsável pela avaliação dos projetos na área musical do edital, Luiz Cláudio Ribeiro. “Traz outro aspecto mais intimista desta questão da pandemia, com o isolamento e afastamento social. Há esses questionamentos na própria produção e na forma como o autor do projeto intenciona divulgar o seu trabalho.”
Filho de músico, Ramalho começou a tocar violão aos 12 anos. Três anos depois, já fazia o seu primeiro show remunerado. Apesar do talento musical ter vindo do berço, ele conta que sua passagem como discente pela universidade foi importante para a sua trajetória artística:
“Foi na própria UFJF que eu comecei a tocar em outros ambientes, até mesmo em festas universitárias que eu promovia junto com outros colegas. Tem até um projeto, que é o Almoço com Cantoria [iniciativa do setor de Comunicação, Cultura e Eventos que proporciona aos estudantes e demais integrantes da comunidade acadêmica a oportunidade de se apresentar nos restaurantes universitários do campus], que eu tive o maior prazer e honra em participar da fundação. Eu fiz o curso de administração [no qual não chegou a se formar], que me deu uma base, um auxílio no ofício da música. Enfim, muito aprendizado que agrega inclusive na própria carreira: essa forma de ver a música como um empreendimento, um negócio e utilizar as ferramentas que a administração dispõe para isso”, explica.
E não é que foram os próprios docentes de Gui Ramalho que deram aquele forcinha na hora de decidir pela música como única profissão. “Foi uma escolha que eu tive que fazer, uma decisão difícil. A vida não tem manual. Mas com a orientação dos meus professores, eu cheguei à conclusão de que a música estava abrindo oportunidades. Eu precisava optar se ia aceitar essas portas que estavam se abrindo ou se ia me manter no curso. É uma escolha. Se haveriam outras, com outros desfechos, não tem como saber. A questão é que foi muito proveitoso o meu momento na UFJF, me conectei com pessoas que carrego com o maior carinho, e tenho o maior prazer, satisfação e gratidão à instituição.”
Uma gratidão que, segundo o cantor, só aumentou após o Janelas Abertas. “Já tenho um certo apreço, um carinho diferente pela UFJF, por ser um ex-aluno, e até por esse cuidado com os artistas nesse momento tão frágil para essa classe. Então eu fico muito feliz de ser premiado e ver uma instituição dedicada a essa questão”, afirmou. E complementa afirmando que o saldo da premiação no edital é bem positivo. “Eu entendo que não só financeiramente, mas as vitrines, os canais já são em si um grande ativo, um grande benefício para a nossa carreira”, assegura Ramalho.
A UFJF sofreu um desfalque em seu corpo discente, mas “Interior de Mim” mostra que a música brasileira, sem dúvida, ganhou um importante reforço.
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