Um repertório de obras compostas na primeira metade do século XVII na Itália, mas relativamente pouco conhecido do público de música antiga no Brasil, constitui o programa do concerto desta quarta, 25, da edição virtual do 31º Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga. A soprano Rosana Orsini e o cravista Marco Brescia, radicados em Portugal, gravaram a apresentação especialmente para o evento juiz-forano, com o qual já colaboraram presencialmente em duas edições anteriores, na montagem das óperas “Il Ballo Delle Ingrate” (2017) e “Vendado es Amor, no es Ciego” (2018), apresentadas no Cine-Theatro Central.

A soprano Rosana Orsini e o cravista Marco Brescia, radicados em Portugal, executam repertório pouco conhecido do público brasileiro (Foto: Divulgação)

O Festival é organizado pela Pró-reitoria de Cultura e pelo Centro Cultural Pró-Música, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e se estende até segunda-feira, 30 de novembro, sempre via plataformas virtuais. As transmissões, pelo canal do Pró-Música no Youtube, acontecem diariamente a partir das 19h, com palestra do professor de Música da UFJF, Rodolfo Valverde, destinada a fazer uma contextualização histórica dos programas dos concertos. Em seguida, às 20h, as apresentações musicais. 

Desta vez, o cenário é uma igreja românica de 1156, de Santa Eulália do Mosteiro de Arnoso/Vila Nova de Famalicão, que, como afirma Rosana, “deixa qualquer um vindo das Américas sem ar, pela antiguidade e pela beleza das linhas simples dessa arquitetura que não encontra similar no nosso continente”. Ambiente e música prometem proporcionar uma verdadeira viagem no espaço e no tempo: “Aproveitamos o fato de o festival ser virtual para mostrarmos um pouco mais do patrimônio religioso do norte de Portugal, tanto no que diz respeito à arquitetura como aos instrumentos musicais”, ressalta a soprano.

Para ela, a cultura não pode parar, sobretudo em um tempo em que “as pessoas estão privadas do convívio social, muitas sozinhas e com medo não só da doença, mas das consequências que ainda nem sabemos bem o quão grandes serão”. Segundo Rosana, a presença do público faz uma diferença enorme para o artista, mas, por outro lado, “a tecnologia possibilita alcançar um público ainda mais abrangente, e isso de certa forma compensa o vazio da plateia”.

Canto hipnótico
O programa da apresentação, “Il Pianto della Madonna”, inclui obras dos compositores Giovanni Felice Sances, Tarquinio Merula, Girolamo Frescobaldi, Giovanni Maria Trabaci e Claudio Monteverdi. As obras de canto são intercaladas com obras de cravo solo, de autoria de Merula, Frescobaldi e Trabaci, que serão interpretadas por Marco Brescia, num cravo cópia de um instrumento italiano de princípios do século XVIII, feita pelo luthier lombardo Alberto Colzani.

Sobre as obras vocais, a soprano destaca a “Canzonetta Spirituale sopra alla nanna”, de Merula, em que a Virgem Maria canta uma canção de ninar para o menino Jesus, mas, enquanto embala o bebê, tem visões da Paixão e de todo o sofrimento que o espera. “É uma das obras mais emotivas e dramáticas do repertório vocal, me atrevo a dizer, de todos os tempos. A simplicidade do acompanhamento sobre um “basso ostinato” e a melodia recorrente, quase hipnótica do canto, acabam por realçar a força do texto e da mensagem em si. É uma obra-prima do repertorio seiscentista”, ressalta.

Graças à parceria artística efetuada nessa edição entre o evento brasileiro e o Festival Internacional de Órgão de Vila Nova de Famalicão e Santo Tirso (FIO), o concerto gravado especialmente para apresentação no Brasil será retransmitido nas redes sociais de seu congênere português. Ao avaliar as perspectivas desse intercâmbio cultural, Rosana observa que parcerias entre agentes culturais não são uma novidade advinda da pandemia. “São muitos os teatros e ciclos de concertos que estabelecem colaborações para enriquecer suas programações, minimizando os custos de produção. Para o artista também é sempre uma experiência enriquecedora, já que sua arte passa a ser conhecida e admirada por um público mais amplo.”

Os músicos
Rosana Orsini atua regularmente em prestigiados festivais, teatros e salas de concertos do Brasil, Estados Unidos e Europa. É graduada em canto lírico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em canto pela Manhattan School of Music, de Nova York, pós-graduada em canto pela Royal Academy of Music, de Londres, e doutora em História Moderna e Contemporânea pela Universidade Paris IV – Sorbonne, e em Ciências Musicais, pela Universidade Nova, de Lisboa, onde, atualmente, é pesquisadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. 

No campo da música antiga, especializou-se em “prassi executiva barocca”, no Conservatorio di San Pietro a Majella, de Nápoles, e no Curso Internacional de Interpretación Vocal Barroca em León, na Espanha. Colaborou com diversos grupos especializados na interpretação histórica da música antiga, tais como o Esprit Ensemble (Inglaterra), National Gallery of Art Chamber Players (EUA), Il Combattimento (Espanha), Scarlatti Lab (Itália), Cuarteto Alicerce (Espanha), e Favola d’Argo (Portugal), entre outros.

Rosana Orsini assinou a direção artística das encenações de “Il Ballo delle Ingrate”, de Claudio Monteverdi, e “Vendado es amor, no es ciego”, de José de Nebra, no enquadramento do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga de Juiz de Fora. Junto do organista Marco Brescia, com quem mantém um aclamado duo desde 2006, gravou o CD “Angels and Mermaids: religious music in Oporto and Santiago de Compostela” (Arkhé Music, Portugal, 2016), para além do disco “Sacred Belcanto” (Castelpor, Portugal, 2020), gravado com o tenor Luciano Botelho e o organista Marco Brescia. Outras informações sobre a soprano podem ser acessadas pelo site www.rosanaorsini.com

Marco Brescia é um músico de referência na interpretação historicamente informada da música de tecla de tradição ibérica e italiana (séculos XVI-XIX), atuando regularmente nos mais renomados festivais internacionais, como o Euro-Via/Festival Internazionale di Venezia, Festival Organistico Internazionale Città di Treviso e della marca trevigiana, Stagione Internazionale di concerti sugli organi storici della provincia di Alessandria, Settimana Organistica Internazionale di Piacenza (Itália), Landsberger Orgel Sommer (Alemanha), Festival Internacional de Música Antigua de Daroca (Espanha), Festival de Órgão da Madeira, Festival de Estoril/Lisboa (Portugal), Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga de Juiz de Fora, etc. 

As classes ministradas por José Luis González Uriol no enquadramento dos cursos de música antiga de Daroca (Espanha) representaram um ponto de inflexão inexorável para o seu desenvolvimento artístico. Sob a orientação de Javier Artigas, Brescia concluiu um Mestrado em Interpretação da Música Antiga/Órgão Histórico (Escola Superior de Música de Catalunya/Universitat Autònoma de Barcelona), com obtenção da prestigiosa “matrícula de honor”. É doutor em Musicologia Histórica (Universidades Paris IV – Sorbonne/Nova de Lisboa), com obtenção da menção máxima. Atualmente, Brescia é pesquisador na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, de Lisboa. 

Com Rosana Orsini, gravou o disco “Angels and Mermaids: religious music in Oporto and Santiago de Compostela” (18th/19th century) (Arkhé Music, Portugal, 2016), além do CD “Zipoli in Diamantina: Complete organ works” (Paraty, França, 2020) e do disco “Sacred Belcanto” (Castelpor, Portugal, 2020), este último com a soprano Rosana Orsini e o tenor Luciano Botelho. Desde 2015, é diretor artístico do Festival Internacional de Órgão de Vila Nova de Famalicão e Santo Tirso (Portugal) e, desde 2019, membro do júri do Concurso Nacional de Órgano “Francisco Salinas”, de Burgos (Espanha). Outras informações sobre o músico podem ser acessadas pelo site  www.marcobrescia.com