Professores e alunos na Catedral de Santa Tereza D’Avila, em Tefé, na missa celebrada pelo Bispo D.Joaquim, no início das licenciaturas (Foto: acervo de Lucy Brandão)

Engana-se quem pensa que o primeiro campus avançado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) é aquele localizado no Vale do Rio Doce, em Governador Valadares. Com uma distância equivalente a 3.084km, o primeiro polo de atuação da Instituição, fora do município juiz-forano, foi erguido em Tefé, no estado do Amazonas. A UFJF realizou ações para ajudar no desenvolvimento da região nas áreas de infraestrutura e saúde, mas, principalmente, na formação de professores, por meio das licenciaturas de curta duração.

As relações da UFJF com o município amazonense iniciaram-se em 1968, coincidindo com o período da lei Nº 5.540 que dava início a fase da Reforma Universitária. De acordo com o primeiro diretor da Faculdade de Educação, Murílio Avellar Hingel, naquela época, o Governo tomou uma iniciativa de convidar as universidades para instalarem campus avançados, especialmente na região amazônica, pois havia a preocupação em ocupar e desenvolver aquela região. 

O chamado Projeto Rondon foi criado em 1968 e durou todo período do Regime Militar, sendo oficialmente extinto apenas em 1989. Envolveu dezenas de universidades e milhares de estudantes de todo país. Em 2005, o Rondon foi relançado com diferente proposta, e muitos dos projetos da UFJF já tiveram a oportunidade de participar de operações no Norte do país por meio da iniciativa.

“Na época, a ideia era interiorizar a assistência à saúde, outros mecanismos de desenvolvimento e a parte da educação. Curiosamente, acompanhando essa ideia, surgiu uma decorrência muito importante que foi fazer a transliteração das línguas indígenas [passá-las para o alfabeto latino e compor a sua gramática], pois são linguagens simples, sem número e plural e o vocabulário é muito pequeno. Hoje, praticamente todas tem a versão em alfabeto latino”, explica Hingel

Pioneirismo

Segundo recorda o também ex-ministro da Educação, a primeira instituição a se instalar na região foi a Universidade Católica do Rio Grande do Sul que desenvolveu o campus avançado em Benjamin Constant – uma cidade que faz fronteira com o Peru. Em seguida, a UFJF, sob comando do reitor Gilson Salomão e do pró-reitor de Saúde, José Rafael de Souza Júnior, assumiu os trabalhos em Tefé. “Na época, a cidade possuía uma população razoável, porém pobre, a rede de esgoto era inexistente e os moradores tomavam banho no lago. Água corrente era encontrada em poucos prédios, inclusive havia no hospital em que a nossa universidade se instalou antes da construção do campus.”

A publicação do Diário de Notícias, de 29 de junho de 1969, também reitera o pioneirismo da Universidade. “As equipes da UFSM [Universidade Federal de Santa Maria] e da UFJF completaram, nessa viagem, os contactos necessários ao estabelecimentos do ‘campus’ e conseguiram as assinaturas dos protocolos de compromisso que servem de base para os convênios a serem firmados pelo Ministério do Interior, com a prefeitura de Tefé e o Governo do Roraima”.

Lucy Maria Brandão, recorda que em setembro de 1969, quando o campus foi aberto, já era professora do Colégio de Aplicação João XXIII e foi uma das aventureiras a embarcar no desafio. “Fui com uma incumbência de estágio supervisionado da área de formação de professores e acompanhando pessoas incríveis. Aquele campus foi uma das experiências mais lindas e boas da Universidade. O pessoal saia da sua redoma e caía num mundo totalmente diferente do que era isso aqui.”

Além de Hingel e Lucy, outros docentes também embarcaram nesse desafio, entre eles, o padre Leopoldo Krieger, Flora Mattos e José Luiz Ribeiro. “É preciso imaginar que os professores e alunos precisavam viajar dias, alguns até semanas. As pessoas não sabem o que é o Amazonas. Descer e subir rios é muito difícil. Há partes do Rio Solimões que de barco não somos capazes de ver as margens”, conta o ex-ministro. “Lá dormíamos um em cima do outro, os alunos dormiam nas salas de aula, chegavam as cadeiras pro lado, penduravam as redes, e dormiam. Tudo era precário e humilde. Os alunos tomavam banho no lago.  Depois o governo doou dinheiro e a prefeitura cedeu espaço para que a UFJF construísse o campus.”

Função social

Inicialmente, o papel da UFJF seria, de tempos em tempos, se reunir para prestar ajuda àquela população. Hingel reitera que, nos primeiros contatos, a ação médica eram as mais importantes, tanto que a primeira instalação da Universidade era em um hospital. Posteriormente, com a ajuda do bispado da região, outras iniciativas puderam ser desenvolvidas junto a comunidade.

Entre as inúmeras funções, Lucy lembra que, para o campus na região Norte, sempre embarcavam médicos e, ao menos, dois acadêmicos. “Me recordo muito do Rafael Aloísio. Outro que tenho um carinho muito grande, pois também nos ajudou muito em Tefé, era o doutor Rubens Sotto Maior. Como aquela região possui muita luminosidade, causa muitos problemas de vista e ele foi lá para fazer muitas cirurgias. Eu era, mais ou menos, a assessora do pessoal da Medicina. Sempre que era feita uma operação, eles me pediam para fotografar para depois usarem as imagens nas aulas. A gente fazia um pouco de tudo por lá.”

Já em 1971, o secretário de Educação e Cultura do Amazonas dirigiu-se à UFJF e pediu que fosse estudado a possibilidade de instaurar cursos para a formação de professores do estado. “O problema principal era que quando surgissem ginásios e colégios, mesmo sendo escassos, não haveria profissionais formados para assumir o trabalho. Eles fizeram a proposta e assumiram os custos pelos cursos, mas não pelo campus e pela vinda dos professores e dos alunos”, observa Hingel.

Eram cursos formais, autorizados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), e os trabalhos eram realizados nos meses de férias do campus sede: janeiro, fevereiro e julho. Os docentes enviados a Tefé não poderiam ser retirados das salas de aula nos períodos letivos, por não haver quem os substituísse. 

Para Hingel, as graduações ganharam uma nomenclatura infeliz de “Cursos de curta duração”. Não eram licenciaturas plenas, por serem menores, e o intuito era formar professores para lecionarem apenas nos ginásios (os últimos quatro anos do Ensino Fundamental). 

“No dia 23 de julho daquele ano, recebi uma correspondência pedindo que elaborasse um projeto para essas licenciaturas. Até me surpreendi com a rapidez com que resolvi o assunto. Levei uma semana para fazer o projeto do curso, inclusive, com o rascunho do concurso do vestibular, realizado em dezembro de 1971, e com o início das aulas previstas para 3 de janeiro de 1972. A proposta foi aprovada pelo Gilson Salomão e pelo secretário do Amazonas, José Maria Cabral Marques”, detalha o ex-diretor da Faced.

Já para Lucy, em 1972, a UFJF realizou uma das ações mais importantes para Tefé, e para toda a região, que foi a formação de professores, pois os profissionais da área não possuíam ensino superior. “Era uma licenciatura mais interessante do que a convencional, pois o aluno ficava o dia inteiro estudando. Haviam aulas pela manhã, eles descansavam entre 12h e 14h, em seguida tinha atividades até às 17h30 e retornavam aos estudos das 19h às 22h.”

De acordo com o professor aposentado, José Luiz Ribeiro, as lembranças do campus de Téfé representam um capítulo muito rico durante sua trajetória como docente. Ingressou na expedição quando a filha Tarsila havia acabado de nascer, algo quase desesperador, considerando que não havia retratos tão nítidos como atualmente. “Estive lá em 1973, depois em 1974, e nós tivemos a barca da cultura, em que o Grupo Divulgação também foi naquela expedição em pleno rio São Francisco. Dei muitas aulas lá. Era responsável pelas disciplinas ligadas à arte, pois era professor da Comunicação, do Serviço Social e  da Artes.”

Arte na selva

O contato com a selva foi enriquecedor no âmbito artístico e uma inspiração para a peça teatral ‘Guairaká”, de José Luiz Ribeiro. O professor conta que a encenação era realizada com bonecos feitos com materiais que se encontravam naquela região. “Eu estive em Tefé duas vezes, inclusive na segunda a Malu [professora aposentada Maria Lúcia Campanha Ribeiro] também foi para dar aula lá. Vivemos aquela coisa toda de tomar banho naqueles rios, vendo os botos pularem. Foi uma experiência rica.”

Além disso, Ribeiro recorda da quantidade de alunos que participaram da formação de professores. “Eu dava muita pesquisa em cima das línguas nativas, do material de lá e foi um grande aprendizado. Tenho que agradecer a minha passagem pela Universidade que me deu grandes oportunidades. Naquela época a UFJF ainda era, relativamente, pequena e participei de tudo.”

O fim do campus

O último curso de formação de professores coordenado por Lucy foi em 1988, mas o campus funcionou até 1996. Após o fim das atividades, foi cedido ao exército. Hoje é sede de um quartel, pois, entre inúmeros motivos, Tefé é um ponto estratégico, onde deságua o rio Japurá que, vindo da Colômbia, faz parte da rota das drogas. 

A cidade fica a 523 km de distância de Manaus, localizada às margens do lago Tefé – formado pelo alargamento do rio de mesmo nome nas proximidades de sua foz, e que possui como um dos afluentes, o rio Solimões. Atualmente, as principais fontes de renda do município estão ligadas ao comércio local e a agricultura, uma vez que escoa uma diversidade de alimentos para outras cidades, inclusive para a capital do estado.

Conheça a história de Tefé.

UFJF 60 anos

Para celebrar a data, a Diretoria de Imagem Institucional traz a proposta de recordar os mais diversos momentos vividos pela comunidade acadêmica ao longo dos 60 anos. A iniciativa consiste em envolver as pessoas da comunidade para compartilharem suas recordações pelo e-mail ufjf60@comunicacao.ufjf.br ou pelas redes sociais usando a #UFJF60anos. 

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