As incertezas sobre a economia quando o surto de Covid-19 passar ainda são muitas, mas especialistas no assunto já começam a publicar suas análises em meio ao furacão – o que fazer agora e quais são os cenários futuros. A crise atinge os capitais financeiro, produtivo e a força de trabalho. Essa última a principal a ser preservada neste momento, aponta o professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Weslem Faria.
Faria tem doutorado em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo (IPE/USP), com ênfase em Métodos e Modelos Matemáticos, Econométricos e Estatísticos, e publicações nas áreas de comércio internacional e economia brasileira. Nesta entrevista do Portal da UFJF, o pesquisador comenta sobre os impactos mundiais, as ações do governo brasileiro e os desafios para o cidadão comum.
Portal da UFJF – Quais serão os impactos mais intensos, imediatos e a longo prazo, na economia?
Weslem Faria – A pandemia vai afetar a economia de forma muito forte. O mais evidente a curto prazo é a grande volatilidade que as incertezas estão trazendo para o mercado financeiro. O mês de março acumulou forte queda no nível de negociações e nas pontuações das bolsas de valores. A ajuda do governo americano de dois trilhões de dólares foi, até agora, a notícia que mais acalmou o mercado financeiro, tanto é que na última semana as bolsas do mundo todo tiveram forte aumento. Mas isso já passou, na última sexta-feira a bolsa já estava em forte queda de novo. É um período de incerteza que causa esses altos e baixos.
Vamos ter também uma grande recessão econômica na produção e no nível de emprego. A maioria dos economistas prevê, na Europa e nos EUA, uma grande recessão. A China é outra economia importante, mas, por lá, o Estado agiu de forma rápida e, como o Estado já possui maior presença na economia, ele mitigou mais eficazmente os efeitos de curto prazo. E isso influencia no longo prazo também. Os economistas preveem que a China seja um dos poucos países que tenham crescimento econômico em 2020, cerca de 3%, enquanto os demais devem ter uma forte queda.
Quais setores são os mais atingidos?
A gente percebe que alguns setores da economia foram, primeiramente, atingidos, como transporte e aviação, por conta do fechamento de fronteiras. Com as medidas de isolamento social, tem-se efeitos sobre o comércio e os serviços, setores que são impactados devido à contenção da interação humana para diminuição do contágio da doença. Prevê-se que isso também deve impactar a economia de forma negativa.
Como o governo brasileiro deve lidar para que a crise não impacte, principalmente, a população mais vulnerável?
A ajuda (do governo) precisa ser mais incisiva.
É muito importante que o governo tenha iniciativas para mitigar os efeitos, principalmente, sobre como essas populações vulneráveis podem estar expostas à crise, não só de saúde, mas econômica. Medidas já aprovadas de expansão de programas sociais, como Bolsa Família, e a ajuda financeira aos trabalhadores autônomos, principalmente informais, são medidas corretas adotadas até o momento. A ajuda financeira, apesar de aprovada, ainda não está vigorando. Isso deve ser implementado o quanto antes. A ajuda deve aumentar também a medida que a população for sentindo mais fortemente os impactos, isto é, a ajuda talvez precise ser ajustada e ser mais incisiva. Nos EUA e nos países da Europa, por exemplo, a atuação está sendo muito mais forte e a transferência de renda muito mais volumosa.
Do ponto de vista econômico, deixar o isolamento social e voltar aos postos de trabalho nesse momento traria algum resultado significativo?
Essa é uma medida que não vai ajudar a economia nem no curto nem no longo prazo. O que estamos vivendo agora é diferente de uma situação de guerra, por exemplo. Quando os países se enfrentam em uma guerra temos a destruição do capital e da força de trabalho. Essas duas coisas são importantes para a economia produzir. No caso dessa pandemia, nós não estamos, de certa forma, expondo o nosso capital físico, ou seja, nossa capacidade de produção está sendo mantida ou grande parte dela. Só que a economia pode perder a força de trabalho, ou seja, o outro de fator de produção que é a mão de obra.
É uma armadilha dizer que as pessoas voltarem a trabalhar vai ser uma medida para não entrar em recessão. É perigosíssimo isso.
Uma volta inconsequente, com a pandemia não controlada, pode trazer perdas maiores no médio e longo prazo em termos desse fator de produção. É uma armadilha dizer que as pessoas voltarem a trabalhar vai ser uma medida para não entrar em recessão. É perigosíssimo isso. Todos têm que se preservar para que, quando estiver controlada a pandemia e for seguro para que as atividades sejam normalizadas, aí sim, teremos uma recuperação forte. Não podemos expor as pessoas ao risco de contrair a doença, congestionar o sistema de saúde e, no caso, prejudicar a produção no médio e longo prazo, com mais pessoas inabilitadas a trabalhar do que nesse momento.
Há uma preocupação em relação ao estoque de produtos e também sobre o preço dos itens nos supermercados. Como o senhor orientaria o consumidor?
As pessoas precisam se conscientizar de que não devem estocar. O setor produtivo da economia já sinalizou que vai conseguir manter o abastecimento. As associações de supermercados regionais afirmam que estão recebendo mercadoria e repondo as prateleiras. Então, não vai haver escassez de produtos. As compras devem ser feitas à medida em que forem necessárias. Essa corrida pode trazer várias consequências negativas, como a escassez de alguns produtos específicos e o setor produtivo pode direcionar a sua força de produção de forma a gerar mais custos, impactando os preços.
Entretanto, o que estamos observando nesse momento é o aumento de preços que fazem parte do ciclo da economia. Por exemplo, alguns legumes e verduras já tiveram um aumento na última semana, mas isso é conjuntural, não necessariamente é devido à pandemia. O mercado financeiro está sinalizando, inclusive, que os preços futuros podem ser menores. Isso porque eles são formados pelo cruzamento das curvas de oferta e demanda. O mercado financeiro prevê uma redução de demanda dos produtos devido a uma possível queda da renda disponível das famílias e do isolamento social. A perspectiva é de que haja uma queda nos preços e não um aumento. A estocagem de recursos deve ser evitada, mas não deve influenciar no aumento dos preços no curto prazo.
Temos acompanhado um aumento de promoções e vantagens no comércio virtual. O que devemos fazer para não comprar em excesso nesse período?
As pessoas não devem fazer compras por impulso. Se você já tinha uma compra programada e, agora, está sendo uma oportunidade, então compre. Observe que estamos vivendo um cenário de adversidade, incomum, então deve-se pensar se o nível de renda vai se manter no médio e longo prazo. Todas essas questões devem ser analisadas na hora da aquisição.
Quais outras medidas de controle de finanças devem ser tomadas neste momento?
Esse é um momento que a incerteza está alta, os gastos precisam ser contidos, o cartão de crédito não deve ser usado, assim como o rotativo do cheque especial.
Em momento de adversidade, a cautela deve ser redobrada. Os economistas falam de poupanças de precaução. Esse é um momento em que a incerteza está alta, os gastos precisam ser contidos, o cheque especial não deve ser usado, assim como o rotativo do cartão de crédito. Essas formas de créditos são muito caras. Essas são medidas iniciais que tem que ser realizadas para que as famílias não se desequilibrem financeiramente. Vivemos um momento em que podem surgir alguns gastos imprevistos, então o controle das finanças deve ser levado muito a sério.