O medo não é uma estratégia: a autonomia e a compreensão são mais eficazes. Os primeiros casos conhecidos no Brasil envolvendo o HIV, o vírus da imunodeficiência humana, datam dos anos de 1981 e 1982, mesmo período de eclosão da pandemia mundial. Desde essa época, pesquisadores da área de Saúde alcançaram importantes avanços para a prevenção, tratamento e qualidade de vida dos diagnosticados. Porém, ainda há dificuldades a serem superadas para tornar amplamente acessíveis todas essas instâncias. A democratização da informação das diversas formas de prevenção, o entendimento do poder de escolha do método e o fim dos estigmas e preconceitos relacionados à infecção são algumas das medidas necessárias previstas na cartilha do Programa Conjunto da Nações Unidas para HIV/Aids, o Unaids. Chamada pela sigla do seu nome em inglês, a AIDS (Acquired Immunodeficiency Syndrome; em português, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é a doença do sistema imunológico humano derivada da infecção pelo vírus HIV.
Pesquisadores da área de saúde coletiva apontam que alguns dos principais problemas na prevenção do HIV e da AIDS ainda é o estigma, o medo e a culpa socialmente difundida
Na perspectiva histórica, pouco tempo após a descoberta do HIV e da AIDS, surgiu o teste sorológico e o uso do medicamento antirretroviral Zidovudina, composto conhecido como AZT, uma inovação para a época. Posteriormente, em 1995, surgiram os coquetéis – combinação de remédios que atuam na diminuição da carga viral no organismo –, principais agentes no tratamento e impulsionadores da mudança nos paradigmas da infecção. Neste mesmo período, a AIDS foi classificada como uma doença crônica: enquanto antes o diagnóstico da mesma era comumente considerado fatal, foi a partir dessa época que a doença derivada do HIV passou a ser encarada como uma enfermidade com a qual era possível conviver ao longo da vida.
Chegando aos dias atuais, segundo o Unaids, houve um aumento de 21% de novos casos no período de 2010 a 2018 no Brasil. De acordo com o Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, entre 2007 e junho de 2019, 300 mil casos de infecção por HIV foram notificados em todo o país. O maior percentual está concentrado na região Sudeste (45,6% dos casos), seguida pelo Sul (20,1%), Nordeste (18,3%), Norte (8,7%) e Centro-Oeste (7,3%). Os dados revelam um contraste com a tendência mundial de redução no número de pessoas vivendo com o HIV.
O infectologista do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF), Rodrigo Daniel de Souza, explica que as políticas públicas de saúde têm atuado na redução da transmissão prioritariamente no diagnóstico. “Vários tratamentos e medidas podem ser feitos para diminuir a transmissão do HIV. Uma das metas de controle do HIV, é a meta 90-90-90, que pressupõe que tenhamos 90% dos pacientes diagnosticados; 90% destes diagnosticados estarem em tratamento; e 90% com carga viral indetectável”, diz.
Métodos preventivos
Além da camisinha, as diferentes estratégias de prevenção oferecem possibilidades de uso dos métodos combinados, promovendo a autonomia de pessoas para utilizarem a forma que julgarem mais segura e eficaz; a decisão, por sua vez, precisa ser aliada com o acompanhamento médico. A política pública de distribuição gratuita de medicamentos feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) impacta diretamente tanto na diminuição dos novos casos da infecção, quanto na gestão do nível da carga viral dos pacientes já diagnosticados. Souza afirma que a adesão ao tratamento e o controle correto dos medicamentos é extremamente importante para a reação do organismo. “O Ministério da Saúde disponibiliza um teste de avaliação genética do vírus, e assim detectamos as mutações apresentadas. A partir das mutações, é feita a relação de quais remédios não funcionarão em cada caso; dessa forma, podemos escolher o melhor tratamento possível e vamos controlando a carga viral”, afirma o infectologista.
O aumento de novos casos de HIV tem prevalência nas chamadas populações-chave, classificadas pela Unaids como profissionais do sexo, pessoas que usam drogas injetáveis, pessoas trans, pessoas privadas de liberdade, gays e outros homens que fazem sexo com homens. O tratamento de controle da carga viral indetectável é uma das principais frentes estratégicas de não transmissão e promoção de saúde entre essas populações. Antigamente, elas eram classificadas como “grupos de risco”, uma alcunha que contribuia para a estigmatização do HIV e da AIDS. Esse foi um dos temas abordados durante a entrevista da pesquisadora de doenças infecciosas e vice-reitora da UFJF, Girlene Alves, para o podcast da UFJF, o Encontros A3.
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Desde a década de 1990, os antirretrovirais são utilizados na prevenção materno-infantil ao vírus do HIV. A transmissão vertical de infecções pode ocorrer durante o parto ou no momento da amamentação. Há, ainda, o uso desses medicamentos para a prevenção sexual, que pode ser feito de duas formas: a primeira, por meio da tomada contínua do remédio; a segunda, pelo uso do medicamento após uma situação de exposição ao vírus.
Rodrigo de Souza explica o funcionamento de cada profilaxia. “Alguns grupos de pacientes que se expõem de maneira repetida ao vírus podem tomar uma parte do coquetel chamado PrEP, que é a profilaxia pré-exposição. Eles tomariam esse remédio de forma indefinida, não como tratamento, mas justamente para evitar o vírus. Há, também, a profilaxia pós-exposição, a PEP, para pessoas que foram expostas de maneira desprotegida ao HIV. Nesse caso, o indivíduo pode tomar um coquetel por 28 dias, tentando reduzir a aquisição”. Ambas as estratégias são oferecidas pelo SUS: a PEP está disponível desde 2010 e a PrEP desde o fim de 2017. Em entrevista para o podcast Encontros A3, a pesquisadora Girlene Alves reforçou que nem a PEP ou a PrEP servem como substitutas à camisinha; a PrEP também não protege de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), como sífilis, gonorreia e clamídia, devendo sempre ser combinada com outras formas de prevenção.
As fases
O tratamento com os medicamentos é feito em pontos e fases distintas da replicação do vírus. Há os que se destinam a impedir a entrada do vírus na célula humana e também os que impedem a replicação do vírus no seu material genético, evitando a entrada do RNA viral no organismo, como explica o infectologista Rodrigo de Souza.
A primeira fase da patologia, conhecida por ser aguda, causa síntomas similares a gripe, como febre e mal-estar. Esse estágio ocorre entre duas e quatro semanas após a infecção do vírus. A segunda fase não apresenta características externas definidas no corpo, sendo assintomático – neste momento, o HIV está ativo, mas com reprodução baixa.
Com a evolução do nível de ataque do vírus no organismo, as células de defesa passam a funcionar com menos eficiência até serem destruídas. Os sinais mais comuns nesse período são a febre, a diarreia, suores noturnos e o emagrecimento.
A fase da infecção, quando a Aids se manifesta propriamente, se dá quando o sistema imunológico já está seriamente comprometido, permitindo o aparecimento de doenças oportunistas, como hepatites virais, tuberculose, pneumonia, toxoplasmose e alguns tipos de câncer. Os medicamentos com o uso correto evitam o enfraquecimento do sistema imunológico e a evolução da doença.
Pesquisadores da área de saúde coletiva apontam que alguns dos principais problemas na prevenção do HIV e da AIDS ainda é o estigma, o medo e a culpa socialmente difundida. A marginalização de grupos no acesso à saúde por preconceito causam maior dificuldade de difusão da informação dos métodos preventivos e dos tratamentos possíveis. No Dia Mundial de Luta contra a Aids mais recente, comemorado em 1º de dezembro de 2019, especialistas brasileiros demonstraram preocupação com possíveis retrocessos no país – que já foi referência mundial no assunto – em relação ao combate ao HIV e à AIDS. Um posicionamento é unânime: informar sobre o vírus e a doença, de forma clara e não estigmatizada, é essencial para a conscientização que, consequentemente, resulta na diminuição dos casos de infecção.