Na terceira e última entrevista da série sobre o Laboratório Afrikas (LabAfrikas), os entrevistados são a mestranda em História, Estela Gonçalves, e os graduandos em Jornalismo, Caroline Gerhein, e em Artes e Design, Leonardo Marques. Os três estudantes participam do novo projeto de criação de conteúdo acadêmico em audiovisual do Grupo de Pesquisa Afrikas, sob coordenação da professora Fernanda Thomaz, do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Estela e Leonardo integram efetivamente a equipe. Caroline, que é atriz, foi convidada para ser a narradora do primeiro vídeo, cuja temática é a branquitude. A iniciativa, com lançamento previsto para março, tem por objetivo oportunizar a difusão do conhecimento científico para diversos públicos, através do uso de novas linguagens.
Além de apontar como o reconhecimento pela branquitude de suas vantagens raciais, materiais e simbólicas é inseparável do processo de enfrentamento ao racismo, os depoimentos nos alertam acerca de como a discriminação racial opera na sociedade, nas instituições e nas subjetividades. As falas também nos dizem sobre como algumas experiências de pesquisa no ensino de graduação podem impulsionar trajetórias acadêmicas, favorecer a permanência na Universidade e colaborar, inclusive, para o reconhecimento de si.
Confira as entrevistas abaixo:
Portal da UFJF – Há quanto tempo você participa das atividades do Afrikas?
Estela Gonçalves (mestranda em História) – A Fernanda [professora Fernanda Thomaz] me chamou para o grupo em julho. Foi um pouco depois da apresentação do meu trabalho de conclusão de curso (TCC) da graduação em História, que aborda as africanidades na escola pública de educação básica. Ela me disse: ‘Estela, acho que o projeto conversaria com o que você está pesquisando no TCC. Seria legal você vir para o grupo de pesquisa, para ajudar a pensar metodologias, linguagens e tudo mais’. Em agosto eu fui à reunião do grupo pela primeira vez e adorei. São discussões pelas quais eu tenho muito interesse. Vão justamente nesta linha da iniciação científica. Eu estou aprendendo. Por mais que sejam temáticas sobre as quais eu já tenha leitura anterior, os textos que estudamos neste semestre no grupo me acrescentaram muito. Até mesmo me ajudaram a pensar o projeto de mestrado.
“Os textos que estudamos neste semestre no grupo me acrescentaram muito. Até mesmo me ajudaram a pensar o projeto de mestrado” – Estela Gonçalves
Portal da UFJF – Conte-nos também, por favor, sobre os aprendizados na elaboração deste vídeo sobre a branquitude…
Estela Gonçalves (mestranda em História) – Este projeto me ajudou de fato a me aproximar, estabelecer outras reflexões em torno da branquitude, e a pensar as masculinidades, tema que estudarei no mestrado, também a partir da branquitude. Estar no Afrikas me proporciona reflexões que não sei nem se teria por outros meios. Estar com essas pessoas com as quais dialogo o tempo todo, levantando questionamentos, conceitos, que muitas vezes ‘passam batido’ para nós, me faz refletir sobre muita coisa, até mesmo dentro da História. São várias visões que temos dentro do Afrikas, que me levam para outros patamares de reflexão, de pensamento. Eu já conhecia a Fernanda [professora Fernanda Thomaz] há muito tempo. Ela sempre falou que gostaria de investir no audiovisual, nos vídeos, em qualquer coisa que extrapolasse a Universidade, que levasse as nossas pesquisas para a sociedade mesmo. Está sendo um aprendizado para mim também esta proposta do audiovisual, porque não sabia nada sobre isso. Já aprendi como é a construção de um roteiro, a produção, porque eu era realmente muito leiga nisso. Nunca tinha participado de nada na área, como a atividade de hoje [gravações finais do vídeo sobre a branquitude]. É isso que o grupo de pesquisa tem me proporcionado: sair do meu Instituto [de Ciências Humanas] para vir à Faculdade de Comunicação gravar. Nunca tinha vindo aqui. Nem sabia que a Universidade tinha esses recursos, só por alto. São essas experiências que o Afrikas tem me proporcionado de fato.
Portal da UFJF – Esta é a sua primeira participação no Afrikas, como atriz e narradora do vídeo, ou já esteve em outras atividades do grupo?
Caroline Gerhein (Bacharelado em Jornalismo) – Eu já conhecia o Afrikas por terceiros. A Renata [Dorea] já havia me falado e também outras amigas. Já fiquei sabendo de eventos, mas não havia participado. Porém, sempre consegui estabelecer algum tipo de diálogo com o que era falado, trabalhado, através de pessoas terceiras próximas a mim. Sempre o que era trabalhado lá, perpassava de alguma forma a minha vida.
“Ter a possibilidade, através da arte, através do meu trabalho como atriz, de poder contribuir de alguma forma para a causa, acredito que seja o meu posicionamento político mais forte” – Caroline Gerhein
Portal da UFJF – Fale-nos, por favor, um pouco sobre a experiência de participar, como atriz, diretamente de um projeto do Afrikas?
Caroline Gerhein (Bacharelado em Jornalismo) – Existe uma coisa da gente que é preto: a gente consegue se unir por pequenas coisas. Às vezes um texto, às vezes um olhar, às vezes um abraço, sentimos coisas que nos remetem a uma ancestralidade, que é difícil de explicar. Então, ler um texto sobre algo que me toca, sobre algo que vai influenciar ou impactar a comunidade que eu defendo, que eu acredito, as pessoas pelas quais eu estou lutando, é realmente uma coisa que me deixa realizada enquanto atriz e também me deixa muito feliz, principalmente porque existe um carinho entre nós. Somos uma comunidade de fato. Estamos em busca de um caminho melhor para nós. Um caminho de mais diálogo, principalmente um caminho de mais visibilidade e respeito. Ter a possibilidade, através da arte, através do meu trabalho como atriz, de poder contribuir de alguma forma para a causa, acredito que seja o meu posicionamento político mais forte. É usar o meu corpo, usar a minha voz, usar a arte, em prol de um movimento que acredito e perto de mulheres tão incríveis. É só chegar perto, no estúdio, que você sente que cada uma ali tem uma luta diferente e isso se encontra de alguma forma a partir do momento em que estamos juntas para realizar este trabalho. Iniciativas como esta são muito importantes. Devemos ocupar os espaços. Sabemos que o cenário não é bacana pra gente. Agradeço o convite e o carinho das meninas. Espero que cada vez mais elas consigam desenvolver outros trabalhos, e que esses trabalhos possam chegar a mais pessoas, que isso possa impactar positivamente neste cenário atual tão nebuloso.
Portal da UFJF – Há quanto tempo você integra o Afrikas?
Leonardo Marques (Bacharelado em Artes e Design) – Eu fiz o processo seletivo da Fernanda [professora Fernanda Thomaz], em abril deste ano, porque um amigo meu me indicou. Esse amigo me disse que ela era uma ótima professora e que o projeto era muito bom. Eu tinha passado por um período de crise de identidade. Eu ficava me perguntando aonde me encaixava na sociedade. Eu sentia que precisava descobrir isso. Então, acabei entrando para o Descolônia, que é um coletivo do Instituto de Artes e Design (IAD). Isso me ajudou muito a pensar em outros ângulos, e a buscar fontes através dos meus ancestrais. Eu vi neste projeto também uma forma de conhecer mais sobre tudo isso. Tudo que eu nunca pensei que alguma vez fosse me perguntar: sobre a minha possível ancestralidade, por exemplo. Eu vim de uma família muito miscigenada, que é a realidade de vários brasileiros. Muitos deles não se consideram negros. Não se consideram indígenas ou afro-indígenas, mesmo sendo. Eu entrei no projeto com esse pensamento: aprender mais sobre mim. E é realmente o que ando aprendendo. Além disso, por ser um projeto audiovisual, que é a área que quero seguir, também aprendo muito sobre produção, direção, como trabalhar na parte de audiovisual na qual ainda sou muito leigo.
Portal da UFJF – É possível afirmar que o seu ingresso no Afrikas favorece a sua permanência na Universidade?
Leonardo Marques (Bacharelado em Artes e Design) – Sim, porque, com o contato com o Afrikas e também com o Descolônia [Coletivo de estudantes negros da UFJF], eu consegui chegar a uma conclusão de quem eu sou como pessoa. Eu deixei até meu cabelo crescer para ver como ele iria ficar. É um nível de procura altíssimo. Passei por bastante ‘aperto’ mesmo. Foi bem forte esse encontro. Então, eu me vi também. Já cheguei a me perguntar: ‘será que eu fraudei a cota?’. Pergunta muito pesada mesmo. Já tive uma amiga que comentou que eu não era negro, nem indígena, que eu era branco. Ela disse que eu escolhi a cota de modo errado, mesmo eu não me considerando como tal. Já chegou este tipo de pensamento na minha cabeça e eu pensei que eu poderia estar errado. Esse grupo agora me faz ver onde eu estou, sei onde me encaixo, e eu estou em paz. É algo bem interno mesmo. Ajudou bem o meu psicológico.
“Com o contato com o Afrikas e também com o Descolônia [Coletivo de estudantes negros da UFJF], eu consegui chegar a uma conclusão de quem eu sou como pessoa.” – Leonardo Marques
Portal da UFJF – Há alguma outra informação que você queira acrescentar?
Leonardo Marques (Bacharelado em Artes e Design) – Eu acho o projeto importantíssimo, porque a Universidade, de modo geral, trata desses assuntos internamente. Então, sempre tem entrevistas, discursos, por aqui. Mas nunca sai da Universidade. Uma das coisas que eu ouvi comentarem no Descolônia foi sobre um acontecimento. Eles foram na rua, perguntando sobre negritude. Teve o caso de uma mulher que indagou: ‘você está me perguntando isso porque eu sou negra? Está sendo racista comigo?’. É estranho isso… O pessoal de Juiz de Fora se vê fora da ‘bolha’ que é a Universidade. Você ir para a feira, gravar ali, permite o contato direto com o que as pessoas falam. Os diálogos que temos nessas gravações são a favor dessas pessoas. Não apenas no ambiente acadêmico, mas também fora da academia, para que possa atingir mais gente.
Leia as demais entrevistas da série Afrikas:
Grupo de pesquisa elabora vídeo sobre branquitude
Novos sentidos e linguagens para o conhecimento acadêmico
Outras informações: Afrikas