A inspiração e a força da ancestralidade, o conhecimento de intelectuais negras e negros, muitas ideias na cabeça, um microfone e uma câmera nas mãos, uma Universidade Pública. Assim, o Grupo de Pesquisas Afrikas, sob coordenação da professora do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernanda Thomaz, dá início a um novo projeto, o Laboratório Afrikas (LabAfrikas). 

Gravação do vídeo “Branquitude” (Foto: Rodrigo Milanni)

Segundo a pesquisadora, o objetivo da iniciativa é produzir material em audiovisual e disseminar o conteúdo acadêmico em linguagem mais acessível para todos os públicos. Neste mês, o Afrikas concluiu a gravação do primeiro vídeo,  que será lançado em março de 2020. O tema é a branquitude, ou seja, a pertença étnico-racial atribuída às pessoas brancas. “Ser branco vai além do fenótipo, é ter privilégios raciais materiais e simbólicos”, ressalta Fernanda.

“Ser branco vai além do fenótipo, é ter privilégios raciais materiais e simbólicos”

Para acompanhar as gravações finais do primeiro projeto audiovisual do grupo de pesquisa, a equipe do Portal da UFJF esteve no estúdio da Faculdade de Comunicação (Facom). E o que seria uma notícia transformou-se numa série de três entrevistas.  É que as narrativas dos integrantes do Afrikas nos dizem muito mais do que sobre audiovisual e cinema, nos apontam outras epistemologias e, sobretudo, novos olhares acerca da Universidade Pública e da sociedade brasileira. 

Vale destacar, também, outra característica potente do Afrikas:  é um grupo de pesquisa interdisciplinar, e conta com graduandos dos bacharelados em Ciências Sociais; História; Jornalismo; Rádio, TV e Internet; Artes e Design; e Cinema. Tem ainda a colaboração de uma estudante recém-aprovada no Mestrado em História. 

O Portal da UFJF conversou com alguns desses estudantes e também com a idealizadora da iniciativa, a professora Fernanda Thomaz. Nesta primeira entrevista, a docente nos conta sobre como surgiu a ideia de utilizar a linguagem audiovisual, comenta sobre a escolha da temática e sobre o papel da Universidade Pública. 

Portal da UFJF – Como surgiu a ideia de elaborar um material em audiovisual, a partir dos estudos e pesquisas realizados no Grupo Afrikas?

Professora Fernanda Thomaz durante gravação em estúdio da Facom (Foto: Rodrigo Milanni)

Fernanda Thomaz – Eu tenho interesse em trabalhar com audiovisual já faz um tempo. Fiz o projeto “Memória do Cativeiro”, coordenado pela professora Hebe Mattos [hoje docente do Departamento de História da UFJF],  durante a minha graduação na Universidade Federal Fluminense (UFF). Produzimos um vídeo. Então, juntou essa experiência com essa vontade, mas também com uma preocupação sobre qual é o nosso papel aqui, na Universidade. O que temos produzido aqui? Até que ponto falamos apenas para nós mesmos? É um nicho muito fechado e a Universidade tem um papel muito mais amplo do que isso. Amplo não apenas no sentido de sairmos daqui e afirmarmos ‘nós possuímos um conhecimento maior’. Não! Na verdade, é tentarmos pensar como podemos contribuir para a sociedade de uma forma geral. Aí, pensei na possibilidade de elaborar um projeto que reunisse tanto a ideia da pesquisa, da extensão, quanto do próprio ensino, com alunos de iniciação científica, para produzirmos alguma coisa. 

Portal da UFJF – Como se deu o processo de ‘criação’ do grupo? 

Fernanda Thomaz – Inicialmente, pensei em interseccionar os temas gênero e raça. Fiz uma proposta de seleção de iniciação científica, para bolsa de iniciação científica (BIC) aqui, na Universidade. Minha ideia era selecionar alunos da História, da Comunicação ou do Cinema, para pensarmos a elaboração do material audiovisual. Vieram vários estudantes: Renata [graduanda em Cinema], Leonardo [graduando em Artes e Design], Lucas  [graduando em Artes e Design], Vinícius  [graduando em História].  Ana Emília [graduanda em Ciências Sociais] já estava no projeto. Nós só a deslocamos para esta nova iniciativa. Eu comecei a discutir, inicialmente, com a Ana Emília e com a Renata. Traçamos e pensamos: por que não tratamos das questões das relações raciais? Pensamos também sobre Áfricas, africanidades e racismo. Pensamos o vídeo com uma linguagem bem didática e acessível. Discutimos agora, no fim do semestre, também sobre História Pública. Na verdade, História Pública é mais um questionamento sobre o que estamos produzindo enquanto conteúdo histórico e para quem. A História Pública tem a proposta de pensar no público e um público muito mais amplo. Esse é o meu questionamento no sentido político: o que eu estou fazendo aqui?

“É o meu questionamento no sentido político: o que eu estou fazendo aqui?” 

Portal da UFJF – Conte-nos, por favor,  um pouco mais sobre a escolha da temática…

 Fernanda Thomaz – O Afrikas tem um sentido político também. Estamos pensando nas relações raciais, nas Áfricas, nas africanidades, no racismo, mas também numa contribuição social. Foi a partir disso que surgiu o projeto. Depois, foram chegando outras pessoas, a Estela [mestranda em História], o Gustavo [graduando em Jornalismo], a Ana Júlia [graduanda em Rádio, TV e Internet] . O projeto surgiu da inquietação que, curiosamente, conjugou com o interesse dos alunos e alunas. Minha ideia é, de certa forma, manter um projeto de iniciação científica, criar um projeto de iniciação científica. Os estudantes estão sendo formados. Fazemos um projeto de discussão e pesquisa, discutimos os textos e cada vez mais vamos aprimorando esse processo de investigação. Mas também pensamos no projeto de divulgação, para atingir uma amplitude maior, que se caracteriza como extensão. Por outro lado, também estamos trabalhando com educação, porque estamos pensando em nos formarmos e em formar outras pessoas. 

Portal da UFJF – O primeiro vídeo será lançado logo no início do próximo semestre?

 Fernanda Thomaz –  Sim. Na verdade, pensamos fazer uma websérie. É uma ideia que, inclusive, surgiu da Renata [graduanda em Cinema]. A nossa proposta inicial é produzir, a cada semestre, três vídeos com uma temática mais interrelacional, que seria a temporada dessa websérie. Como neste semestre é o início, é um vídeo-piloto,     estamos também aprendendo a construir isso. Está tudo muito novo, na construção, por isso levamos um pouco mais de tempo. A ideia é iniciarmos o próximo semestre com o lançamento desse vídeo e já estarmos produzindo os outros vídeos também. Além disso, temos a proposta de levar isso para as escolas, conversar com os alunos e repensar essas linguagens. A nossa proposta é pensar também outras linguagens para além da acadêmica, outras narrativas para além dessa, que é muito fechada, formatada. Já está na hora de repensarmos isso tudo. 

“Temos a proposta de levar isso para as escolas, conversar com os alunos e repensar essas linguagens”

Portal da UFJF – Fale-nos um pouco sobre a equipe do Afrikas…

Fernanda Thomaz – Eu tenho muito orgulho desse grupo, dessa equipe. Não estão conosco aqui neste momento da entrevista outros integrantes do grupo. Tem o Vinícius [graduando em História], o Lucas [graduando em Artes de Design], o Gustavo [graduando em Jornalismo]  e a Ana Júlia [graduanda em Rádio, TV e Internet], ou seja, tem um grupo ainda maior. Eu tenho muito orgulho, porque são pessoas extremamente críticas, e acreditam neste trabalho, na potência dele no sentido político. É mais do que um trabalho na Universidade, na iniciação científica. É uma relação que envolve objetivos de vida. Nós passamos por tantas dificuldades e buscamos inspiração em algo que nos dê sentido. Neste momento que não está bom para ninguém, formar essa comunidade é o que nos fortalece. Fugir do adoecimento. Eu queria dizer exatamente é que eles são muito autônomos. Não é uma autonomia concedida por mim. Não é isso. Não é uma questão de maternalizar ou paternalizar isso aqui. É uma equipe muito crítica. Nós nos ouvimos. Cada um coloca a sua opinião. Eu não fui à gravação na Feira Livre, por exemplo. Eles foram gravar. Eu não estava na Universidade na primeira gravação. Eles fizeram a gravação. E, se eu não estivesse aqui hoje, iria funcionar lindamente da mesma forma. Eu fico muito orgulhosa mesmo, porque não é um projeto professora/estudantes. É um grupo que é muito mais horizontal e que pensa junto. Eu só tenho que agradecer a vocês do fundo do meu coração. É real. 

Outras informações: Afrikas