Estudantes, professores e técnico-administrativos em educação (Taes)  debateram na noite desta sexta-feira, dia 29, no Anfiteatro das Pró-reitorias, os ‘15 anos de cotas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)’. A mesa foi conduzida por ex e atuais cotistas, pelo diretor de Ações Afirmativas,  Julvan Moreira de Oliveira, e pelo professor Ignácio Delgado

“Foram trezentos anos de mão de obra escravizada”, ressalta Guilhermando. Foto: Rodrigo Milani/UFJF

“Tem que lembrar de uma música que diz: ‘cota não é esmola’. Isso é essencial para começarmos um debate sobre essas perspectivas. Muitas vezes estamos num processo de falar que tudo que é do povo negro, que é para o povo negro, é um privilégio, sendo que não olhamos para todo o histórico responsável pela necessidade desta cota na sociedade”, destacou o estudante do 6° período de Pedagogia, Guilhermando Andrade.

Conforme Andrade, é imprescindível recorrermos à história do país para a compreensão das ações afirmativas, que visam ao combate de desigualdades presentes na sociedade. “É fundamental olharmos esse micro, que é a cota, a partir do todo, que é o processo de escravidão, o processo de construção do nosso Brasil. Trezentos anos de mão de obra escravizada é algo que tem de ser levado em consideração. E sabemos que, depois da escravidão, o negro não tinha acesso à educação básica de qualidade e até hoje não tem, se pararmos para observar. A grande maioria se encontra nas periferias, nos guetos.” 

“A nossa trajetória é de resistência”, afirma Jeane. Foto: Rodrigo Milani/UFJF

A avaliação é compartilhada pela assistente social, Jeane Angélica da Luz de Pádua, graduada há três anos na UFJF. “Uma palavra que resume a nossa trajetória é resistência. Não só pelo sistema de cotas. Nós, negros, estamos resistindo a cada dia. Há a necessidade de uma Universidade, como a UFJF, defender e acreditar que outros atores podem fazer parte dela. O meu desejo é que, a cada dia, nós possamos resistir, lutar, mostrar que estamos aqui, mostrar para que viemos. E que a Universidade continue avançando.”

O debate também contou com a presença da  farmacêutica do Hospital Universitário da UFJF e mestra em Farmacologia pela Universidade de São Paulo (USP),  Rosana Maria de Sousa.  Ela relatou ao público presente um pouco sobre sua trajetória, após ingressar na primeira turma de cotistas do curso de Farmácia da UFJF. 

“A política de cotas pode realmente mudar a vida das pessoas”, afirma Rosana. Foto: Rodrigo Milani/UFJF

“Eu quis contar a minha trajetória de vida, antes e depois das cotas, para mostrar a diferença que essa política fez na minha vida. Se não fosse a cota, não teria feito mestrado, passado no concurso. Foi algo que veio para transformar e pode realmente mudar a vida das pessoas. Muitos ainda veem as cotas como falta de capacidade, mas não é nada disso. É uma oportunidade de inserção na sociedade, que avalia que o negro não tem direito a uma melhor qualificação”, destaca. 

“Você não via um negro na Universidade” 

As cotas foram aprovadas na UFJF no ano de 2004, no reitorado da professora Margarida Salomão, através da Resolução nº 16/2004 do Conselho Universitário (Consu). A decisão pela adoção da política de ações afirmativas pautou-se em relatório elaborado por comissão especial, sob coordenação do professor Ignácio Delgado. Confira o documento neste link.

“A comissão foi constituída em maio de 2004, fez reuniões nas unidades ao longo do mês de junho para consolidar o relatório e em julho entregou o documento ao Conselho Superior (Consu). De julho a novembro, realizamos audiências públicas sobre o assunto em vários locais da cidade, em inúmeras escolas e instituições”, recordou Delgado.

O professor destacou as mudanças ocorridas no meio acadêmico após a implantação da política. “Você não via um negro na Universidade. Às vezes, quando via, eram estudantes de países africanos, que vinham fazer intercâmbio. Quando você anda hoje pela Universidade, a diversidade ainda não é a desejada, não é a expressão da sociedade brasileira, mas é muito diferente. Nós andamos na rua e o Brasil é mestiço. Você vai entrando nos ambientes oficiais e privilegiados, vai ficando cada vez mais branco. A Universidade Pública, por causa do sistema de cotas, tem mitigado essa desigualdade.” 

“Esforço de muitas lideranças e intelectuais negros no passado”

O diretor de Ações Afirmativas, Julvan Moreira de Oliveira, ressalta que a política de cotas é uma reivindicação do movimento negro desde o início dos anos de 1940, com Abdias do Nascimento.

“E se passaram muitos anos até a implementação, para que o país reconhecesse realmente a importância disso. Isso demonstra a dificuldade de implementar políticas para que segmentos da sociedade brasileira possam ser inseridos, para que a sociedade brasileira seja mais democrática. A Lei de Cotas é resultante do esforço de muitas lideranças e intelectuais negros no passado. E já começa a dar resultados. A cada ano percebemos o aumento da população negra na Universidade Pública. Isso mostra que a política está correta, que tem uma função social importantíssima, para chegarmos à sociedade que almejamos, com igualdade e oportunidades para todos.”

Saiba mais: Ações Afirmativas promove debate sobre 15 anos de cotas na UFJF

Outras informações: 2102-6919 – Diretoria de Ações Afirmativas