CA da Ciência da Religião organiza evento gratuito e aberto ao público (Foto: Divulgação)

Para apresentar a diversidade e a amplitude de sua visão sobre religião e atender a uma demanda percebida também em sala de aula, o professor da Ciência da Religião, do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Volney José Berkenbrock, participará de uma roda de conversa para lançamento de “O Mundo Religioso”, seu 17º livro. O evento é gratuito, organizado pelo Centro Acadêmico (CA) da Ciência da Religião e acontece no próximo dia 18, às 10h, na Livraria Vozes.

O encontro tem como objetivo unir a pluralidade de assuntos proposta pelo livro à divulgação ampla e democrática dos estudos da área da Ciência da Religião. Assim, os interessados pelo tema terão acesso a um conteúdo que ficaria restrito ao ambiente universitário. A proposta, segundo a aluna de licenciatura em Ciência da Religião e vice-presidente do CA, Rita Suriani, é de extensão do conhecimento, pois há um interesse generalizado no que diz respeito ao fenômeno religioso, ponto central da obra de Berkenbrock. Para a estudante, abrir espaço para o diálogo, de forma gratuita, tornou-se um compromisso do Centro Acadêmico.

“Este CA é histórico, pois é o primeiro desde a implantação do curso de graduação em Ciência da Religião e não queremos ser históricos apenas neste sentido. Temos um compromisso com a sociedade, que é quem financia nossos estudos, de compartilharmos conhecimento, principalmente diante de tantos ataques às universidades públicas. Neste evento teremos, além do professor Volney, dois alunos mediadores que vão garantir um tom didático à conversa”, avalia.

Assista ao vídeo:

Entrevista

O Portal conversou com Volney Berkenbrock, que lança seu 17º livro, “O Mundo Religioso” (Foto: Arquivo pessoal)

Para explicar um pouco sobre a proposta, as motivações e as reflexões acerca do livro, Volney Berkenbrock, que se dedica aos estudos e pesquisas na área da Religião há mais de 30 anos, conversou com o Portal da UFJF:

– Portal da UFJF: O livro que você está lançando intitulado “O Mundo Religioso” aborda a religiosidade no Brasil sob uma perspectiva específica de algum segmento religioso? Qual seria o viés?

– Volney Berkenbrock: O livro quer ser uma espécie de apresentação de temas do que eu chamo de ‘Mundo Religioso’. A obra é composta por 11 capítulos, com temáticas introdutórias ao fenômeno religioso. Os capítulos tratam desde a  presença das religiões no mundo (os grandes sistemas religiosos, onde se encontram, em quais percentuais), passando por conceitos e teorias, e terminando com curiosidades, mostrando como diversos elementos de nosso calendário foram definidos a partir de ideias religiosas, por exemplo.

Os temas são bem amplos…

Volney Berkenbrock: Sim. Como se pode perceber, os temas são bastante amplos, na tentativa de apresentar o mundo religioso ao público mais geral, com uma linguagem acessível. Boa parte dos temas surgiu de diálogos com alunos da UFJF. Ministro a disciplina “História das Religiões” e tenho visto, com alegria, como os temas do mundo religioso são de grande interesse. Assim, comecei a escrever pequenos textos sobre temáticas específicas e o livro é, em grande parte, o resultado disto: da tentativa de responder ao questionamento e ao interesse de alunas e alunos.

Como você avalia a relação entre religiões e contemporaneidade? Está havendo uma adequação? Se sim, em que sentido e com que intensidade?

– Volney Berkenbrock: Se na primeira metade do século XX houve um processo que parecia levar ao fim da religião por sua substituição por descobertas das então chamadas ciências modernas, o que vemos há um tempo é uma presença muito forte das religiões em praticamente todo o mundo. Se se imaginava que as religiões acabariam ou não teriam mais importância, hoje se tem a clareza de que não é possível entender o mundo sem o ‘fator religião’. Temos neste ‘fator’ elementos muito díspares: desde o surgimento (ou ressurgimento) de religiões naturalistas, ligadas à experiência individual até o fanatismo e fundamentalismo religiosos; desde o declínio da importância de instituições religiosas tradicionais, até o surgimento de estruturas religiosas aos moldes de empresas modernas, com departamentos de marketing, de plano de expansão. Se tudo isto deve ser avaliado necessariamente como positivo ou não, já é uma outra questão. Aos estudiosos da religião interessa primeiramente pesquisar este fenômeno e não necessariamente emitir juízo de valores a respeito desta ou daquela corrente religiosa.

“Aos estudiosos da religião interessa primeiramente pesquisar este fenômeno e não necessariamente emitir juízo de valores a respeito desta ou daquela corrente religiosa”

Você é pesquisador de religiões afro-brasileiras e também é frei. Há um distanciamento necessário nesta relação? Como você lida com isso? A religião, em seu conceito de “religar” estaria acima de crenças particulares?

Volney Berkenbrock: Sim, sou pesquisador das religiões afro-brasileiras, notadamente do Candomblé, e também membro da Ordem Franciscana. Sou um frei, portanto. Estas duas coisas não me são, de forma alguma, contraditórias. O próprio São Francisco de Assis foi alguém que a seu tempo dialogou com o Islã. É um episódio talvez não tão conhecido do grande público, mas neste ano de 2019 comemora-se 800 anos do encontro de São Francisco com o sultão muçulmano Malek-al-Kamil. Era o tempo da V Cruzada (guerra dos cristãos contra os muçulmanos) e, mesmo assim, Francisco de Assis conseguiu ir até o Sultão e dialogar. Este diálogo foi muito frutífero e, para um seguidor de Francisco de Assis, o convívio espiritual com outras religiões está no DNA.

E por que o Candomblé?

– Volney Berkenbrock: Pessoalmente, acho muito interessante estudar e pesquisar o Candomblé. É um sistema religioso riquíssimo em termos de compreensões do mundo, dos mitos, das ideias sobre o ser humano, da simbologia, dos rituais. Interessei-me por começar a entender este universo há mais de 30 anos e nunca parei. E quanto mais estudo, mais entendo que é preciso continuar, pois nunca se sabe tudo. Pelo contrário!

“Interessei-me por começar a entender este universo há mais de 30 anos e nunca parei. E quanto mais estudo, mais entendo que é preciso continuar, pois nunca se sabe tudo. Pelo contrário!”

Estamos percebendo um fundamentalismo crescente, o que se reflete em casos de intolerância religiosa, materializados, sobretudo, em ataques a templos. Como você avalia esses acontecimentos?

– Volney Berkenbrock: O crescimento do fundamentalismo, do fanatismo, da intolerância religiosa é algo muito preocupante. E, nos últimos tempos, temos assistido no Brasil a atos de ataques a templos religiosos, principalmente os de tradição afro, que nos assustam. É preciso dizer que isto é crime e o Estado deveria tratar como tal. Infelizmente, há conivência de autoridades com estes crimes, dado que muitas destas autoridades foram eleitas por bases políticas advindas de segmentos religiosos intolerantes. Este tipo de atitude, a meu modo de ver, não é fruto de convicção religiosa, mas sim de ignorância religiosa, que leva à cegueira e ao vandalismo. Sei que meu livro é muito pequeno diante disto tudo, mas um dos objetivos da obras é justamente popularizar o conhecimento sobre o Mundo Religioso. À medida que as pessoas se interessam em conhecer o religiosamente outro, as atitudes mudam. Tenho tido esta experiência a cada semestre nas aulas da UFJF. É gratificante ouvir relatos de alunas e alunos que mudaram seus preconceitos a partir do estudo das religiões.

“À medida que as pessoas se interessam em conhecer o religiosamente outro, as atitudes mudam. Tenho tido esta experiência a cada semestre nas aulas da UFJF. É gratificante ouvir relatos de alunas e alunos que mudaram seus preconceitos a partir do estudo das religiões”

Qual a importância do conhecimento acadêmico na área da Ciência da Religião? O que esta área permite entender de nossa cultura e identidade?

– Volney Berkenbrock: Se formos olhar o resultado do último Censo, mais de 90% da população brasileira se declarou pertencente a alguma tradição religiosa. Quando falamos da área de Ciência da Religião, lidamos com um assunto que diz respeito à imensa maioria da população. Não se trata do estudo de algo marginal. Além disto, a religião está presente de forma decisiva em todos os níveis de nossa sociedade. Talvez não se perceba isto à primeira vista, mas, por exemplo: nosso calendário, nosso sistema jurídico, nosso sistema de organização social (conceito de família, por exemplo). A própria compressão de sexualidade e sua importância advém, em boa parte, de conceitos religiosos, sem mencionar as ideias sobre ética (em quase todos os campos da ciência) que só se compreendem a partir de conceitos religiosos de base. As compreensões religiosas estão, portanto, no embasamento da nossa sociedade e ignorar isto é querer entender algo sem perceber o que o sustenta. Estou convencido da necessidade de se popularizar a Ciência da Religião e de não fazer dela um espaço somente para pesquisas de especialistas, mas, ao contrário, torná-la um espaço de divulgação de conhecimentos para mais pessoas.

A Livraria Vozes fica na Rua Espírito Santo 963, no Centro.

Outras informações: Centro Acadêmico (CA) da Ciência da Religião