Nina Cristófaro dirigiu seu olhar para a água, onde ondulações e reflexos permitem uma janela para a reflexãoO Jardim Botânico da UFJF é alvo da reflexão artística de 12 talentos convidados pela Pró-reitoria de Cultura para registrar em fotografias suas percepções sobre as paisagens e inspirações a partir desse cenário. O resultado passa a ocupar a Galeria Mehtl’on, na casa sede, com a exposição “Entre enigmas e percursos“ a partir desta sexta-feira, 12, data da abertura oficial. As imagens trabalhadas apresentam uma visão plural, que desvenda as dimensões culturais das composições desse território aberto a amplas possibilidades de interpretação.

Os artistas Higor Soffe, Karina Orquidia, Letícia Bertagna, Lucas Soares, Matheus de Simone, Nina Cristofaro, Marize Moreno, Raizza Prudêncio, Ricardo Cristofaro, Valéria Faria, Vermelho e Washington da Silva apuraram suas lentes para oferecer uma ressignificação das estruturas naturais do Jardim Botânico, envolvendo fauna, flora e ruínas, em imagens criadas a partir de intervenções e concepções próprias, que deixaram fluir a imaginação, muitas vezes de forma ficcional.

O texto de apresentação da mostra justifica esses olhares variados ao ressaltar que “alguns pensadores definem a paisagem como existente numa relação entre o homem e a natureza, como um objeto de contemplação – portanto, válida apenas enquanto vista. Percebemos o artista como um importante veículo para compreender nossas paisagens contemporâneas e as diversas camadas temporais que a compõem”.

Caminhos a revelar

O trabalho de Valéria Faria partiu de resquícios de 36 casas de coelhos encontradas próximo à mata

Cada obra partiu da imersão de seu criador na paisagem e no imaginário em torno do Jardim Botânico a fim de empreender um diálogo conceitual com a fotografia. Segundo a pró-reitora de Cultura, Valéria Faria, curadora da exposição, trata-se de um território repleto de caminhos a serem desvendados.

“Essas representações artísticas permitem uma verdadeira aventura de conhecimento sobre o lugar, cujo percurso histórico tem uma grande carga de conteúdos e significados, que culminam no de criação do Jardim Botânico pela Universidade”.

O trabalho de Valéria partiu de resquícios de 36 casas de coelhos encontradas próximo à mata, às quais acrescentou a imagem de coelhos alquimistas, – alguns portando lanças -, além de objetos de seu acervo pessoal, como bonecas, conchas e cabeças de manequim que retratam a personagem Veruska Nava, criada pela artista. Nesse cenário que remete à Idade Média, uma ficção é tecida num conto, instigando o espectador, assim como o leitor, a mergulhar nessa realidade fantástica ao mesmo tempo em que encontra paralelos no real.

“Desenvolvi uma foto-instalação composta de uma fotografia intitulada “As 32 moradas de Veruska Nava”, ilustrações da série “Jardim das delícias” e um conto “O conforto das lágrimas”. O trabalho faz alusão a um tempo no passado distante e a seres fantásticos que habitavam a Quinta das Malícias. Esta proposta busca abordar a ficção na fotografia e a sua capacidade de revelar narrativas para além da imagem, apresentando relações múltiplas entre os universos do tempo, espaço, homem e natureza. Propõe ainda um pensamento crítico acerca de processos retrógrados na política e os abismos da realidade atual”.

Uma visão além do alcance

Washington da Silva trabalha sobre a ideia de um corpo que gravita em diferentes dimensões

O co-curador da exposição, Washington da Silva nomeia sua obra de “Corpo-satélite”, trabalhando sobre a ideia de um corpo que gravita em diferentes dimensões e acessa diferentes possibilidades. “Adentrando a natureza do Jardim Botânico, carregada de outros muitos mundos, passados, futuros, presentes, me deparo com dois caminhos que se constituem acesso para diferentes realidades. Diante disso passo a compreender como o simples ato de caminhar cria, sendo ele um instrumento de transformação tanto do espaço físico, quanto do interior. Hesitante, diante desses dois trajetos encontro a pausa, uma longa pausa em um percurso que não pode parar”.

Voar para germinar

Higor Soffe realizou uma intervenção datilográfica na série de três fotografias em suporte luminoso, onde se percebe, em primeiro plano, referências a uma teia de aranha, com o que sugere ser um inseto ao centro, tendo como pano de fundo o verde da mata. Mas nada é o que parece ser no trabalho de Soffe. Intitulado “Semente alada”, o tríptico brinca com o percurso de estruturas que voam para germinar em lugares diferentes e desabrochar além.

Intervenção datilográfica na série de fotografia brinca com o ser e parecer

“É a percepção do semear como possibilidades que ainda não se concretizaram. Por isso, no trabalho, as sementes estão meio penduradas, meio suspensas e abertas ao que pode acontecer”.

A obra “Mira”, de Matheus de Simone, se utiliza de uma fotografia de arquivo impressa em um pedaço de pau. Na imagem, homens militares, despidos na mata, apontam para a câmera e se divertem. “Alvos sob a mira, dedos no gatilho, falos à mostra remetem a questões como vigilância, punição e controle do patriarcado”.

Herança africana

O artista Vermelho explora as questões da afrodescendência, a partir de um porta-retratos com o trabalho de antigos cafezais. É importante lembrar que a linha do tempo do Jardim Botânico revela um momento em que grande parte da área foi tomada por plantações de café até que o cultivo foi abandonado e a mata, como é vista hoje, foi recuperada.

A partir da Árvore do Esquecimento, em torno da qual os escravizados tinham que dar voltas para deixar de ser quem eram, o trabalho cava e cultiva raízes negras e  indígenas, afetos, lutas, fotografia e memórias”.

Raizza Prudêncio também buscou as raízes afro-brasileiras e ressalta que seu trabalho como um todo discute as relações dessa cultura com a cultura contemporânea. Sua abordagem tem como alvo o orixá das florestas. A partir de Oxossi, desenvolveu desenhos nas matas do Jardim botânico para o conteúdo final. “Trata-se de um belo espaço para desenvolvimento de trabalhos artísticos e para os pesquisadores das ciências da natureza”.

Um olhar ao acaso

O diretor do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), Ricardo Cristofaro, dá sua contribuição à exposição com uma obra desenvolvida para a série “Paisagem à Deriva”, que vem realizando desde 2012. Ele volta o olhar para determinado cenário, ao acaso, focando elementos que vão da arquitetura a objetos que passam despercebidos e que, no geral, acabam sendo esquecidos.  

Essa percepção trafega dentro de diversas paisagens, sejam elas urbanas ou rurais, incluindo a transição entre a cidade e o campo, dependendo do potencial avistado, em função de suas qualidades estéticas e singularidade. É uma ação dentro da estratégia Objet Trouvé (objeto encontrado), muito utilizada na Europa. “Percebi o potencial do trampolim que está no lago do Jardim Botânico, resquício da antiga ocupação, e o fotografei. É o que trago para a mostra”.

Paisagem invisível

Nina Cristófaro dirigiu seu olhar para a água, onde ondulações e reflexos permitem uma janela para a reflexão: “Meu trabalho fotográfico busca trazer novas perspectivas sobre a paisagem e os elementos da natureza. Para realizá-lo, busquei recorrer aos planos subjetivos dentro da fotografia, possibilitando criar narrativas que perpassam entre o imaginário e o real da natureza, acompanhando seu lado místico e fantasioso. Dessa maneira, o resultado final nos entrega distorções que a própria paisagem é capaz de criar e que permitem olhares sobre o que se encontra além de sua imagem natural”.

A obra de Marize Moreno faz uma imersão na história do Curtume Krambeck

Em outro enfoque, Marize Moreno faz uma imersão na história do Curtume Krambeck, em que aparecem referências à velha fábrica e àqueles que viveram ao seu redor. São trabalhos impressos em casca de parede e pedaço de couro com reproduções de imagens de arquivo do curtume, como fotos distintas de uma equipe de funcionários e de um grupo de homens.

As galerias

A casa sede do Jardim Botânico passa a contar com três galerias, nomeadas com verbetes Puris, povo indígena que dominou a região no século XIX, também identificado como Coroados. Foram pensadas palavras caras à Cultura, à Extensão e ao Jardim Botânico, daí a escolha de *Tchóre*, que significa mato, *Mehtl’on*, que significa força e *Tlegapé*, que significa luta.

Serviço

Exposição: “Entre enigmas e percursos”

Local: Galeria Mehtl’on da casa sede do Jardim Botânico/UFJF

Endereço: Rua Coronel Almeida Novais, s/n, Bairro Santa Terezinha (sem estacionamento)

Inauguração: sexta-feira, 12 de abril, às 9h30, para convidados. A abertura ao público será às 13h.

Visitação: aberto ao público de terça a sexta das 8h às 17h, e domingos no mesmo horário. Última entrada às 16h30. Feriados: sob consulta.

Outras informações: 2102-3964/3224-6725