Composta inteiramente por artistas negros, a mostra vem sendo idealizada desde 2016 pelo Coletivo Descolônia e pelo projeto de extensão Laboratório de Descolonização (Foto: Iago de Medeiros)

Pertencimento é algo que vai muito além de estar presente em determinado local. É fazer parte  de uma coletividade, com seus símbolos e valores manifestos no espaço e na cultura que nos cerca. Em um momento histórico para o Instituto de Artes e Design e a  Universidade Federal de Juiz de Fora (IAD – UFJF), a Galeria Guaçuí recebe 24 artistas negros na Exposição Preto ao Cubo, que celebra e reforça a presença do negro e de sua poética no ambiente Institucional.

Composta inteiramente por artistas negros, a mostra vem sendo idealizada desde 2016 pelo Coletivo Descolônia e pelo projeto de extensão Laboratório de Descolonização, formado a partir do coletivo. A curadoria se deu de forma colaborativa e foi organizada pela aluna do IAD Karina Pereira e pela professora Eliane Bettocchi.

Karina Pereira: “Nossa vontade era trabalhar bem a proposta para que, quando fosse realizada, acontecesse de maneira a gerar um impacto, como está sendo agora” (Foto: Iago de Medeiros)

Karina é membro do Descolônia e conta que o processo foi interessante porque “quebrou com a hierarquia de saberes em curadoria entre professor e aluno. Os artistas que participam da mostra são alunos ou ex-alunos da Universidade, todos com uma vivência no movimento negro e que sentiam essa necessidade de ocupar um espaço na Universidade para mostrar sua arte e seu trabalho”. Karina ponderou que a ideia foi amadurecida aos pucos e o fato de o coletivo ter se tornado um projeto de extensão da UFJF facilitou algumas etapas. “Nossa vontade era trabalhar bem a proposta para que, quando fosse realizada, acontecesse de maneira a gerar um impacto, como está sendo agora”.

O espaço onde acontece a exposição é a Galeria Guaçuí, do Instituto de Artes e Design, administrada atualmente pela professora Renata Zago que falou sobre a existência de um diálogo entre o Coletivo e a administração anterior da Galeria. “Quando eles me procuraram eu achei importante dar visibilidade porque é um coletivo negro formado em grande parte por alunos da Universidade e era preciso mostrar essa proposta para comunidade, tanto interna quanto externa”.

Mesmo tendo colaborado para a concretização da exposição, Renata enfatiza que a proposta partiu totalmente do Coletivo e que sua atuação aconteceu apenas em trazê-los a esse espaço. “É uma mostra pioneira na Universidade e o resultado está sendo incrível. Futuramente eu pretendo continuar estabelecendo esse diálogo, tanto com o Descolônia quanto com outros coletivos para realizar mais mostras desse tipo.”

Ocupação e Resistência

O artista Noah Mancini expõe duas obras na exposição, “as aquarelas e os lambes-lambes. “As aquarelas nasceram de uma reflexão que eu fiz a partir de revistas antigas de moda e história em que eu percebi que o negro não era representado e, quando havia uma representação era de uma forma com a qual eu não me identificava. A ideia foi pegar essas pessoas brancas da revista e transformá-las em pessoas negras, ocupando um espaço onde antes elas não existiam”.

Comentando a inserção do negro no meio da produção artística brasileira, Noah avalia como ainda pequena. “Não só a produção, mas também o escoamento. Quando acontece, normalmente é inserido no contexto da arte marginal, periférica, fora dos meios institucionais. Além de não ser representado nesses espaços, a abertura para o compartilhamento de nossa cultura através do nosso ponto de vista é bastante restrita.”

Noah Mancini expõe duas obras na exposição, aquarelas e os lambes-lambes (Foto: Iago de Medeiros)

Ex-aluno do Instituto, Cláudio Jr. Ponciano também compõe a mostra e expõe no espaço registros da festa Makoomba, “que é uma celebração da música negra, de periferia do mundo. Nós juntamos o trabalho audiovisual de minha autoria e de Igor Pires, com as fotografias do João Victor Medeiros, que trouxe essa identidade para a festa, e com a arte produzida para o evento para as pessoas entenderem um pouco mais a identidade do jovem negro de Juiz de Fora através do seu agir, do seu vestir, da sua música.”

Relacionando o acontecimento da Exposição Preto ao Cubo com o atual cenário político do país, Ponciano aponta um grande contraste, pois “a Makoomba nasceu justamente num momento em que nos sentíamos aptos a celebrar nossa cultura, as coisas que a gente gosta. E nesse momento político de agora, nós percebemos novamente uma vontade de ceifar isso de um jeito muito obscuro”. Ele completa afirmando que, apesar do que vem acontecendo, a exposição, o coletivo e a resistência que todos seus membros criaram juntos dão forças para seguir em frente.

Karina Lopes também ressalta o elemento da resistência envolvido na realização da Exposição. “Nós, no coletivo, sempre debatemos a questão do epistemicídio e o apagamento de algumas culturas na Academia. Alguns professores não abrangem determinados temas e valorizam outros, sempre falando de uma arte eurocentrada.”  Agora, no momento que o país vive, todas essas questões se efervescem. “Nunca houve um momento tão importante de a gente sentir a necessidade de falar sobre essas questões, de nos enaltecer e de resistir.”

Outras informações: (32) 2102-3350 – Instituto de Artes e Design (IAD)