Estudo explorou as potencialidades da análise espectroscópica Raman para o mapeamento de um documento do século XIX (Foto: Laura Santos)

Com importantes resultados no âmbito da tríade ensino, pesquisa e extensão, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) registra mais uma conquista, com a publicação, no jornal “Vibrational Spectroscopy“, de novo artigo resultante da abordagem interdisciplinar do Laboratório de Conservação e Restauração de Papel do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) e do Laboratório de Nanoestruturas Plasmônicas do Instituto de Ciências Exatas (ICE).

Referência internacional na temática, o jornal confere posição privilegiada à produção científica do Mamm e do ICE com a publicação do trabalho intitulado “Investing the origin of the raw material of rag paper by Raman spectroscopy“. Os articulistas pesquisadores são o restaurador doutor Aloísio Arnaldo Nunes de Castro, o professor doutor Antonio Carlos Sant’Ana e o mestrando Filipe Joaquim Teixeira, que à época do trabalho era graduando em Química pela UFJF.

O artigo refere-se a um projeto que explorou as potencialidades da análise espectroscópica Raman para o mapeamento de um documento do século XIX, estudando a origem do material e comparando padrões espectrais obtidos a partir de tecido e papéis de algodão sintetizados em laboratório. “O trabalho evidencia a avaliação de fatores estruturais como cristalinidade, comprimento da cadeia, interações intermoleculares e empacotamento, tendo a técnica de mapeamento Raman se revelado prática e eficiente para o que foi proposto”, explica o texto.

Segundo Sant’Ana, responsável pelo Laboratório de Nanoestruturas Plasmônicas, este estudo é importante para o grupo de pesquisa do ICE e para o Mamm por permitir vislumbrar várias possibilidades de trabalho futuro. “A espectroscopia Raman mostrou-se uma técnica eficaz para a análise de materiais à base de celulose, que compõe grande parte do acervo do museu, em livros, gravuras e documentos”, observa.

Sant’Ana  destaca que a possibilidade de avaliação do estado de conservação e da eficiência do restauro de obras usando a espectroscopia Raman é inovadora, além de um método rápido, não destrutivo e preciso em casos como o da análise do antigo documento.  “Imagine, por exemplo, termos uma obra de um artista muito famoso que podemos escolher a melhor metodologia para seu restauro e acompanharmos todo o processo utilizando esta técnica”, observa.

Ele ressalta que, como publicado em artigo anterior, pôde avaliar as condições de um tecido de celulose que envolvia uma múmia egípcia a partir de padrões espectroscópicos gerados com amostras fornecidas pelo Mamm. “Esta abordagem abre espaço para uso da metodologia desenvolvida em química forense”, comemora.

Espectrômetro Raman do Laboratório de Nanoestruturas Plasmônicas ICE-UFJF, mostrando o documento em análise (Foto: Laura Santos)

Viagem pela história
O documento histórico analisado no trabalho que resultou no artigo da “Vibrational Spectroscopy” foi disponibilizado pelo Acervo Histórico da UFJF para o Laboratório de Conservação e Restauro de PapelDatado do século XIX, se refere ao registro de um aristocrata local sobre propriedade de escravos. Estudos históricos mostram que o suporte celulósico observado tenha sido produzido por técnicas artesanais, que pode ser caracterizado como papel de trapo, este um processo amplamente utilizado até meados do século XIX.

Em sua conclusão, o artigo especifica: “Foi demonstrado que os estudos de espectroscopia Raman podem ser empregados na interdisciplinaridade Restauro/Química, pois mostrou-se eficaz para avaliar a qualidade e a homogeneidade das amostras celulósicas, assim como para determinar os parâmetros estruturais coletados a partir do estudo da razão das intensidades relativas de alguns modos vibracionais, sendo cruciais para identificarmos a procedência do documento histórico. Neste caso, inferimos que o documento em questão foi sintetizado a partir de fibras de algodão”.

Para Castro, responsável pelo Laboratório de Conservação e Restauração de Papel, tanto a publicação quanto a pesquisa em si estreitam as relações entre a arte e a ciência, inspirando continuidade ao trabalho que vem sendo desenvolvido entre o Mamm e o ICE ao longo dos últimos cinco anos. “Quando trabalhamos a obra de arte, há um mundo invisível por trás, em termos da sua composição química. Uma análise em Gravuras do acervo do Mamm feita por uma graduanda em Química, Pâmella Campos, por exemplo, possibilitou uma perspectiva acadêmica já para um mestrado”, observa.

Nesse sentido, Castro salienta que no escopo da Ciência da Conservação, –   interdisciplinar por excelência -, muitas ferramentas têm sido aplicadas em diferentes tipos de investigações científicas, seja no estudo de identificação e classificação de elementos constituintes dos bens culturais, seja na interpretação de processos de degradação, conservação e restauração do patrimônio cultural.

Potencial promissor
Essa parceria entre os técnicos do Laboratório de Conservação e Restauração de Papel do Museu de Arte Murilo Mendes e os graduandos e docentes do Departamento de Química vem firmando resultados promissores para a UFJF. “O conjunto de trabalhos desenvolvidos evidencia a potencialidade das espectroscopias vibracionais e da microscopia eletrônica em estudos analíticos de materiais celulósicos”, explica Castro.

Segundo o restaurador e conservador do Mamm, tais trabalhos dedicam-se ao estudo de caracterização química de diferentes tipologias de papéis empregados nas atividades de conservação e restauração (papel japonês Kozo, papel Filifold Documenta, papel Filiset, papel mata-borrão, papel siliconado), além de documentos manuscritos e obras de arte do período modernista do museu (papel de algodão).

Publicados em revistas especializadas como “Química Nova”, além do “Vibrational Spectroscopy”, muitos dos artigos são oriundos de trabalhos de bolsistas de Iniciação Científica (CNPq) e de conclusão de curso (TCC) em Química. Segundo Castro, são enriquecedores esses resultados, evidenciando a importância da abordagem interdisciplinar na prática educativa da UFJF, sobretudo no que diz respeito ao emprego das técnicas de espectroscopias vibracionais e da microscopia eletrônica na investigação do patrimônio histórico cultural.

Sant’Ana reitera que os resultados até agora obtidos geraram uma produção acadêmica fundamental, haja vista que não há na literatura científica estudos aprofundados sobre a metodologia utilizada. “E o mais importante: esses estudos geraram recursos humanos especializados nesta abordagem”, acrescenta.

Caráter de continuidade
Autor do TCC que inspirou o artigo para o “Vibrational Spectroscopy“, Teixeira aplaude a parceria entre os laboratórios do Mamm e da Química, é importante ressaltar o empenho de Castro em fornecer o documento histórico analisado, auxiliando no levantamento bibliográfico e na confecção de diferentes tipos de papéis, com base nos métodos empregados até o século XIX para que pudessem ser analisados  pelos parâmetros calculados a partir dos espectros obtidos, verificando, ao final, que o documento histórico era proveniente de fibras de algodão e sintetizado por via sem adição de base. “Essa cooperação foi crucial.”

Teixeira acredita que a colaboração entre os laboratórios é fundamental, devido à sua complementaridade, já que se comportam de maneira simbiótica, com ambos só tendo a ganhar com o caráter de continuidade dos trabalhos. “Geralmente, em um estudo, podem surgir algumas questões, como a origem do material presente no artefato pesquisado e o agente químico responsável pela sua degradação, questões estas que podem ser respondidas pelos estudos realizados nesses laboratórios”, observa.