A palestra “Entre o Pai e o desejo”, com João Silvério Trevisan, será uma das atrações da II Semana Rainbow da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).  O evento será realizado no dia 14, às 20h, no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm). A entrada é gratuita.

Escritor, jornalista, dramaturgo, tradutor, cineasta e ativista LGBT, Trevisan recebeu inúmeros prêmios em teatro, cinema e literatura, dentre os quais o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (CBL), por três vezes. Tem obras traduzidas para o inglês, o alemão e o espanhol, além de escrever para jornais e revistas do Brasil e do exterior. Dentre as suas obras mais conhecidas está “Devassos no paraíso”, publicada pela primeira vez  em 1986.

Ao público de Juiz de Fora, o escritor falará sobre o seu livro mais recente, “Pai, Pai”, publicado no ano passado. A obra, segundo Trevisan, tem como tema principal o exercício do perdão a si mesmo e ao outro, não como uma questão religiosa, mas sobretudo como resposta às nossas próprias necessidades interiores.

Confira a entrevista:

Portal UFJF: O livro “Pai, Pai” foi lançado no segundo semestre de 2017. A obra aborda, especialmente, a sua relação com seu pai, moldada em abandono e violência, além de outros fatos marcantes em sua vida, como a passagem pelo seminário, a morte de sua mãe e o início como escritor. Você mencionou em outras entrevistas que este livro é “um balanço” de sua vida. Conte-nos sobre a importância de tornar públicas tais histórias.

– João Silvério Trevisan: A decisão de tornar públicas essas minhas histórias tem a ver em primeiro lugar, eu acredito, com o ofício de escritor. Eu acho que não existe escritor sem interlocução. Então, a gente está o tempo todo procurando trocar as nossas experiências e as nossas ideias. Daí a necessidade de publicar e, mais do que tudo, de ser lido. Esse eu acho que é um aspecto muito importante em relação ao meu livro. Particularmente em função dessa temática que eu abordei, eu acho que precisava de algum modo me liberar disso tudo, me libertar. E me libertar não apenas  para mim, mas me libertar sem nenhum tipo de fronteira, de limite. Era me libertar num processo de liberdade mesmo, e nada mais livre do que a escritura.

“Nós temos muita dificuldade em nos equilibrarmos entre a culpa e o perdão com relação a nós mesmos”

– O Brasil é o país que mais mata a população LGBTTI e, para além das violências físicas e mortes, existem inúmeras outras, muitas vezes simbólicas e realizadas no interior das famílias. Na sua avaliação, a LGBTTIfobia intrafamiliar ainda é temática tabu? Caso sim, a quais fatores você atribui a referida resistência à temática?

– João Silvério Trevisan: Eu acho que, num contexto cultural basicamente conservador como o brasileiro, as famílias são consideradas um espaço sagrado e um espaço preservado de invasão de estranhos. Portanto, esconder o que está acontecendo dentro da família é uma prática absolutamente comum no país. A violência contra LGBTs dentro de famílias é aquela mesma violência que ataca, por exemplo, as meninas mais novas quando são estupradas ou assediadas sexualmente por membros da família. Nada disso pode eclodir, e aí vem o círculo vicioso, para não criar escândalo e não sujar o nome da família, ou seja, o nome da família já está sujo, mas não se considera que esses elementos, em especial a violência às pessoas que são dominadas dentro da família, sejam de fato uma verdadeira violência. Infelizmente, pais, especialmente os homens, eles acreditam que os filhos são seus produtos e, portanto, são seus não apenas dependentes, mas sua propriedade. Eu acho que é lamentável, é cruel, mas o comportamento é exatamente esse, de tratar as crianças, especialmente as crianças diferentes, como uma propriedade a ser manipulada de acordo com o pensamento que rege aquela família. Em geral, é um pensamento conservador.      

“Nós, assim como esquecemos de tomar consciência de que estamos vivos,  também esquecemos de tomar consciência da necessidade de perdoar e de ser perdoado, portanto, pedir perdão”

 

– Você já mencionou em entrevistas que, ao assistir a um filme do cineasta John Ford, identificou-se com um personagem afligido por surras do pai. Ao publicar “Pai, Pai”, você permite que tal processo de identificação ocorra com os leitores do livro. Comente sobre essa possibilidade.

– João Silvério Trevisan: O filme de John Ford, chamado “Como era verde o meu vale”, que de fato eu vi na infância e é narrado no livro “Pai, Pai”, faz parte de toda essa minha perspectiva de abrir a minha trajetória para possíveis interlocutoras e interlocutores. Eu acredito que, paralelamente a isso, ocorre inevitavelmente um processo de identificação. Pais, homens, são particularmente problemáticos na vida das famílias. E as marcas que eles costumam deixar são marcas dolorosas e às vezes sem condições de cicatrizar durante a vida. Portanto, acredito e tem acontecido de fato que muita gente se identifica com essa questão e me procura para conversar, trocar ideias e, inclusive, fazer algumas confidências. Eu acho que faz parte da relação do escritor com o mundo essa possível identificação. E é uma identificação bem-vinda e muitas vezes abençoada.

– Há alguma questão que você queira acrescentar?

– João Silvério Trevisan: Apenas gostaria de mencionar o fato de que ‘Pai, Pai’ é um livro que trata basicamente do perdão. Eu acho que, no decorrer de nossas vidas, nós, assim como esquecemos de tomar consciência de que estamos vivos,  também esquecemos de tomar consciência da necessidade de perdoar e de ser perdoado, portanto, pedir perdão. Acho que o perdão não é uma questão religiosa, mas uma questão em que você tem que responder às suas próprias necessidades interiores. Eu acho que, no meu caso, o fato de já estar com mais de 70 anos, portanto, com uma perspectiva razoavelmente clara a respeito de quanto eu vivi, a ideia do perdão se torna muito mais premente, porque você começa de fato a olhar a vida restrospectivamente e, nesse retrospecto, é possível perceber que muita coisa é “picuinha”, muita coisa tem importância secundária e a gente, enquanto está de cara com essas coisas, acaba dando uma importância demasiada. Nesse momento, entra então a ideia do perdão. E aí perdoar, ser perdoado, e perdoar-se. Eu acho que esse “se perdoar” é o mais complicado por incrível que pareça. Nós temos muita dificuldade em nos equilibrarmos entre a culpa e o perdão com relação a nós mesmos. Eu acho que esse é um movimento natural e obrigatório para que a gente possa, depois de perdoar a si mesmos, pensar e se dispor a um gesto de perdão que venha de dentro da gente. Um gesto de perdão generoso, e perdão não é uma coisa fácil. Perdão não é uma coisa que a gente decide fazer amanhã ou hoje ou depois de amanhã ou na semana que vem. Perdão é puxar todas as raízes do emocional de nós mesmos e trabalhar com essas raízes durante décadas e às vezes ter que retrabalhar e perdoar e perdoar e perdoar incessantemente.

A palestra ‘Entre o Pai e o desejo’, com João Silvério Trevisan, integra a programação da II Semana Rainbow da UFJF, projeto de extensão cuja realização é uma parceria das diretorias de Ações Afirmativas e Imagem Institucional, da Pró-reitoria de Cultura e de diversos cursos da UFJF.

A atividade acontece no dia 14, às 20h, no Mamm, que fica na Rua Benjamin Constant, 790.

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Outras informações: (32) 2102-3997 – Diretoria de Imagem Institucional

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