linhadotempo certaNo início dos anos 1700, aventureiros ocupavam os vales onde ainda hoje corre o Rio Paraibuna. Dom João VI reinava sobre aquelas terras e o ouro era abundante. Sinuosa e arriscada era a Estrada Real por onde corria o precioso metal, aberta à pirataria que infestava a costa e repleta de acidentes e salteadores. Designado para solucionar esse problema, Garcia Rodrigues Paes (filho do famoso bandeirante Fernão Dias) conclui, nessa primeira década, a abertura do Caminho Novo. Em torno dessa estrada, surge o povoado de Santo Antônio do Paraibuna (que daria origem à cidade de Juiz de Fora), e ao longo desses anos vai encontrar prosperidade como entreposto comercial na rota de escoamento do ouro para o Rio de Janeiro e como fornecedor de alimentos para os mineiros de Vila Rica, embrenhados no interior da região.

O prelúdio

Porém, mesmo as mais ricas jazidas tem fim, e o das minas dessa terra chegou na década de 1780, quando o comércio de ouro entra em declínio. A professora da Faculdade de História UFJF, Mônica Ribeiro de Oliveira conduz o relato desse prelúdio. “Quando o ouro escasseia, no final do século XVIII, a produção agropecuária que girava em torno da atividade mineradora ganha importância econômica. Essas áreas de fronteira como região da Mata e das Vertentes passam a ser ocupadas pelas populações da área central do ouro. A região, onde seria fundado o povoado de Santo Antônio do Paraibuna, recebe essas famílias remotamente associadas ao ouro e, mais recentemente, vinculadas à produção agropecuária, que migravam para as novas terras com riquezas acumuladas ao longo das gerações.”

Santo Antônio do Paraibuna nasce de uma crise, e é na crise que encontrará uma oportunidade: enquanto o ouro entrava em declínio, o café prosperava atraía os produtores da região da Mata. Dispondo de sua localização estratégica, o povoado investe no grão com os recursos acumulados e herdados do período de bonança aurífera e aqueles herdados dos novos moradores, oriundos das áreas mineradoras.

Aos poucos, o povoado vai agregando os interesses (e a fortuna) dessa região, a segunda maior produtora cafeeira do Brasil dessa época.

Era da indústria

Emancipada de Barbacena há meros 11 anos, a agora Cidade do Paraibuna inaugura a Estrada União Indústria, em 1861, empreendimento patrocinado por Pedro II, então Imperador do Brasil, e pelo Comendador Mariano Procópio. A estrada favorece o fluxo de pessoas e mercadorias para a cidade, estimulando ainda mais sua produção cafeeira. Nesse período, Juiz de Fora (nome que a cidade adquire a partir de 1865) vai ter uma vocação de prestadora de serviços para o entorno agrário e, também, de comercialização do café para o porto no Rio de Janeiro.

Desde décadas anteriores, a cidade vinha recebendo grandes investimentos estruturais e afluxo de capital financeiro, fornecido aos opulentos fazendeiros locais por instituições de fomento à produção, como o Banco Territorial e Mercantil e o Banco de Crédito Real. De acordo com a pesquisadora, “com a demanda por mão de obra técnica para a construção da estrada de ferro, chamam-se os alemães, que vão formar um núcleo de colonização constituindo quase um terço dos habitantes da cidade.” Surge, então, um setor de produção de máquinas industriais voltado para o processamento do café.

“Maior cidade escravista de Minas”

“Outro resultado dessa economia regional vai ser a concentração de população escrava vastíssima, tornando Juiz de Fora a maior cidade escravista de Minas, no século XIX”, aponta Mônica. Nas décadas de 1920 e 1930, quando o café entra em crise e a região, em decadência, a população de ex-escravos começa a migrar para área urbana. Porém, esse centro já estava completamente controlado pelos grandes fazendeiros e industriais, e os negros vão para as áreas periféricas (como Ipiranga, Santa Cândida, Dom Bosco, São Benedito) e se formam ‘bairros negros’. Esse processo guarda consequências atuais: se compararmos o mapa étnico da cidade com o mapa da pobreza, veremos que a pobreza se concentra na população negra.”

Crise

Nascida da crise do ouro, Juiz de Fora vai tomar um grande golpe na crise do café e, por volta de 1940, a indústria local vai perder fôlego. Também professor de História, Ignácio Godinho Delgado é diretor de Inovação do Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia (Critt) da UFJF e acompanha o desenvolvimento econômico recente de Juiz de Fora. “Há um entendimento no estudo sobre economia da cidade de que a crise do café e a abertura do mercado da Zona da Mata para os grandes centros econômicos brasileiros determinaram uma mudança no ritmo da atividade aqui. Embora nessa época houvesse outros centros industriais próximos, como uma Belo Horizonte emergente e um Rio de Janeiro já estabelecido, Juiz de Fora mantinha uma reserva de mercado sobre a Zona da Mata. Quando surgem essas novas conexões com outros grandes polos nacionais, como São Paulo, a indústria juiz-forana, já combalida pela crise do café e sem a escala de suas concorrentes, passa a perder importância.”

“A história econômica e industrial de Juiz de Fora, até a década de 1930, é a história de pioneiros que vão se tornando grandes industriais, como Moraes Sarmento e Mascarenhas. Depois, o foco é atrair investimentos externos para movimentar a economia local.” Mesmo considerando o mérito dessas iniciativas em aproveitar oportunidades conjunturais, Delgado pondera que esse projeto envolve um peso fiscal muito grande para o município (renúncias fiscais de longa prazo, concessão de terrenos, obras de infraestrutura). Outra desvantagem, aponta, é a pouca conexão desses investimentos com as atividades existentes na região, nem com as potencialidades que emergiam da rede de ensino e pesquisa. “Aquilo que sempre foi apresentado como uma vantagem de Juiz de Fora, as conexões rodoviárias com vários polos nacionais se tornava uma desvantagem. Por exemplo, uma montadora vem para a cidade, mas não traz consigo uma fábrica de componentes, porque é muito fácil comprar em outro lugar.”

Crescimento e futuro

Juiz de Fora, porém, nunca parou de crescer, apenas desacelerou seu desenvolvimento econômico. Enquanto o setor industrial declinava em sua importância, o de comércio e serviços continuava polarizando a Zona da Mata. Áreas como ensino e saúde ganhavam peso na região.

Trabalhando no Grupo de Trabalho, Desenvolvimento e Inovação da Mata Mineira (GDIMata), o professor Ignacio observa três setores ascendentes que, coexistindo com redes de pesquisa e de serviços, oferecem uma janela de oportunidade econômica. São estes setores o complexo econômico industrial da saúde, o de novas energias e o de tecnologia da informação e comunicação. Sobre o primeiro, professor destaca que “se desenvolvem em uma profunda articulação com as instituições de pesquisa e com a rede de serviços.”

Para ele, as novas energias encontram muito potencial devido às especialidades presentes na Universidade. “O único Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia abrigado na UFJF é o Inerge, que reúne pesquisadores de ponta no campo da eficiência energética. Esses conhecimentos podem ser o ponto de partida de iniciativas que, mais a frente, incorporem também a produção de equipamentos para novas energias.”

O conhecimento oferecido pela Universidade e o ambiente empresarial dinâmico também favorece o setor de tecnologia da informação e comunicação. “Isso sem desconsiderar a importância de setores já tradicionais, uma vez que o desenvolvimento dessa tecnologia vai contribuir para a produtividade do setor metal-mecânico e de alimentos e têxteis”, considera Ignacio. “Mirar nesse horizonte é uma perspectiva plausível para dar um giro na economia regional, atraindo investimentos mais intensivos em tecnologia, que gerem empregos de maior qualidade e renda, e que estabeleçam uma conexão mais intensa com as potencialidades de que Juiz de Fora dispõe.”

Em meio aos impasses e reveses de nosso próprio tempo, é necessário resgatar nossa longa trajetória — seus momentos de fortuna e glória, seus períodos de estagnação e ocaso — e, a partir desse olhar para o passado, abrir novos caminhos para um futuro ainda não desbravado. Pois foi com a criação de um Caminho Novo que começou a história de Juiz de Fora.