Analisar práticas de cuidado de si, descrever enunciados de gênero e compreender as circunstâncias do envolvimento de mulheres com o crime de tráfico de drogas. Esses foram os principais objetivos da mestranda Maira Knupp Toledo Costa, ao elaborar a dissertação “Mulheres, corpos e a estética da existência: um estudo de caso em instituição prisional sobre mulheres encarceradas por envolvimento com tráfico de drogas”. Ela apresentou a pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsi), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no último dia 20.

“A pesquisa deu-se com o objetivo de identificar condições de abjeção ou de agenciamento de mulheres presas por tráfico de drogas com relação ao uso de seus corpos para o cometimento do crime. Para compreender os enunciados e posições ocupadas pelas informantes no contexto de tráfico de drogas, fez-se necessário um estudo sobre os dispositivos disciplinares que atravessam e produzem a posição enunciativa dos corpos femininos na sociedade, a partir da leitura de Foucault em diálogo com autoras feministas, principalmente Judith Butler”, explica a mestranda.

Maira acrescenta que foram realizadas entrevistas com um total de nove mulheres. “Nove mulheres atenderam aos critérios de inclusão. Todas consentiram em participar da pesquisa, cuja base foi qualitativa e de caráter exploratório. Foram abordadas, principalmente, questões correlatas a cinco eixos: vida familiar e econômica, possível histórico de uso de substâncias, histórico de envolvimento com o crime, histórico de vivência de situações de violência e percepções acerca do uso do corpo na tentativa de entrar com droga no presídio.”

A inquietação intelectual sobre essa temática surgiu da própria atividade profissional da mestranda. Há três anos, Maira foi aprovada em concurso público para atuar como psicóloga na antiga Secretaria de Estado de Defesa Social, atual Secretaria de Administração Prisional do Estado de Minas Gerais.

“Simultaneamente fui aprovada no Programa de Pós-graduação em Psicologia – Mestrado na UFJF. Ao iniciar minha atuação como psicóloga no sistema prisional, deparei-me com o fenômeno do encarceramento feminino, mais especificamente com o fato de que algumas mulheres eram presas portando drogas em seus corpos numa tentativa frustrada de adentrar com droga no sistema prisional. A partir daí, surgiu a inquietação intelectual para compreender as motivações que levavam essas mulheres a cometerem esse crime e entender suas relações com seus corpos.“

Corpo: subalternidade x resistência

A partir dos dados produzidos na pesquisa, a mestranda concluiu que há semelhanças nos enunciados das participantes.

“O corpo aparece, reiteradamente, como aquele marcado pelas condições de subalternidade – o corpo que ocupa a posição de abjeto – e, por outro lado, como possibilidade de resistência – o corpo enquanto possibilidade de agenciamento. Algumas mulheres tiveram suas ações delitivas motivadas em função dos filhos, por necessidades financeiras ou por perceberem aí uma opção para angariar recurso para sua subsistência e de suas famílias”, pontua a acadêmica. Ela acrescenta, ainda, que “contudo, há nessas decisões autonomia de si, performances ligadas a uma estética da existência que articulam-se a decisões sobre suas vidas e seus corpos, em que o tráfico de drogas aparece como uma estratégia de resistência ao lugar de subalternidade e marginalidade.”

Outro ponto em evidência na pesquisa é a ausência de posições fixas de exercício de poder, privilégio e subalternidade nas relações sociais.  “Os lugares e as posições estão em constante movimento e se transpassam de acordo com as contingências sócio-históricas, materializando-se no corpo. No caso das mulheres entrevistadas, o corpo ocupa múltiplos lugares na fala e história de vida, ora em tensões que as colocam em lugar de abjeção e subalternidade – como nos casos em que sofrem violência -, ora ocupando lugar de autonomia de si, em práticas discursivas que dizem de uma estética da existência sobre o uso do próprio corpo, como possibilidade de resistência – como no uso do corpo para o tráfico de drogas.”  

Maira ressalta, ainda, a relevância da problematização das relações de gênero, da pluralidade da categoria mulheres e de se considerar a mulher como agente de ação e autonomia. “Nessa medida, refletir sobre o lugar ocupado pelas mulheres na criminalidade, no tráfico de drogas e suas vivências no espaço prisional se faz necessário, para que se repense a ‘utilidade’ da prisão enquanto dispositivo de controle e ‘correção’ para as mulheres ‘delinquentes’. Considera-se o fracasso da prisão, como anteriormente apontado por Foucault, como fato que deve iluminar as discussões sobre o sistema prisional e possíveis alternativas sociais de combate a criminalidade e violência, que visem à igualdade de condições sociais.”

Contato:
Maira Knupp Toledo Costa (mestranda)
mairaktoledo@hotmail.com

Banca Examinadora:
Prorª Dra. Juliana Perucchi  (orientadora – UFJF)
Prof. Dr. Paulo Cesar Pontes Fraga (UFJF)
Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho (UFRJ)

Outras informações: (32) 2102 – 3103 – Programa de Pós-Graduação em Psicologia