A escolha por lendas indígenas foi feita devido à familiaridade com o gênero, para entender a relação entre tradução, cultura e visibilidade (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A escolha por lendas indígenas foi feita devido à familiaridade com o gênero, para entender a relação entre tradução, cultura e visibilidade (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Assim como na história bíblica da Torre de Babel, a importância da tradução para a comunicação é facilmente perceptível no nosso cotidiano: de Game of Thrones até aquele restaurante japonês da esquina, nós estamos em contato frequente com outros idiomas. A fim de investigar como a questão cultural pode ser processada por meio da tradução, a professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Carolina Magaldi, desenvolveu um projeto em parceria com estudantes do Ensino Médio.

A pesquisa foi premiada no XXII Seminário de Iniciação Científica (Semic) de 2016, promovido pela UFJF. Carolina conta que o “objetivo principal do estudo foi aliar a noção teórica a um componente prático, que é gerar uma visão crítica da forma como essa literatura é traduzida e propor alternativas, versões que sejam mais próximas da riqueza cultural desses povos”. 

A escolha por lendas indígenas ocorreu em razão da familiaridade com o gênero e de aspectos mais visíveis para entender a relação entre tradução, cultura e visibilidade. “As lendas são textos que fascinam e que nós temos contato desde pequenos”, explica. “Nelas, a noção de estrangeirização e os elementos culturais são muito mais destacados do que em uma crônica contemporânea, por exemplo, que é bem mais sutil”. Segundo a professora, essa característica das lendas também revela facilmente como a tradução contribui no processo de visibilidade de culturas periféricas. “Sem a tradução, o acesso a essas histórias seria muito limitado.”

Para Carolina, o maior desafio foi realizar a pesquisa com alunos do Ensino Médio.  “Apesar deles estarem em contato constante com a tradução, questionarem legendas de músicas e filmes o tempo todo, ainda é difícil encontrar um trabalho com o ensino médio nessa área. É bem inovador.” Ao fim do processo, as bolsistas realizaram a tradução da lenda indígena “O Guardião de Yosemite”.

A pesquisa foi premiada no XXII Seminário de Iniciação Científica de 2016, promovido pela UFJF (Foto: Twin Alvarenga)

A pesquisa foi premiada no XXII Seminário de Iniciação Científica de 2016, promovido pela UFJF (Foto: Twin Alvarenga)

Metodologia

Os conceitos de visibilidade e polissistemas deram início à fundamentação teórica necessária para a tradução. Segundo Carolina, eles dão suporte para entender o trabalho do tradutor. A visibilidade trabalha com a ideia de que a tradução é, na maioria das vezes, invisível. “Você não fala que leu uma tradução de Shakespeare. Você fala que leu Shakespeare.  Então, o trabalho do tradutor fica, de certa forma, invisível.” Ele também aborda a teoria de visibilidade cultural, ou seja, o quanto da cultura acompanha a tradução.

Já o conceito de polissistemas é um pouco mais complexo e foi a base da Virada Cultural da Tradução, na década de 70. “Foi quando a tradução parou de ser vista como um elemento mecânico, que se você tivesse um amplo conhecimento de duas línguas você ia conseguir fazer, e passou a ser vista como uma ponte cultural entre duas comunidades e dois momentos históricos”, afirma a professora. Dessa forma, o conceito de polissistemas trabalha com a ideia de que as obras traduzidas e textos-fonte se comunicam entre si. É um sistema flexível, hierárquico e correlacionado, que admite, por exemplo, que a tradução de um texto pode levar a leitura de um outro. “Quando foram traduzidos os livros da franquia Crepúsculo, logo depois, tudo que se encontrava na livraria eram outras traduções de livros sobre vampiros. Então, esse nicho é um polissistema propriamente dito, que vai dialogar com outros polissistemas”, exemplifica.

As bolsistas também realizaram uma pesquisa de campo a fim de entender como a literatura indígena brasileira está sendo exportada e como outras literaturas indígenas internacionais estão sendo importadas. “A partir daí, elas começaram a identificar peculiaridades nesse processo, como quem está financiando essas traduções e quem as produz.”

Posteriormente, teve início o estudo da lenda em si. A partir de leituras envolvendo o processo cultural do povo indígena, aliadas a teoria estudada até então, as bolsistas produziram uma tradução para o texto. “Elas não pegaram o texto e foram traduzindo. Elas realmente absorveram a ideia de que o tradutor é o leitor mais proficiente que existe, e elas destrincharam o texto, produzindo uma tradução criteriosa”, completa.