É tempo de velejar. Tempo de abraçar o mar. Sentir as ondas e o seu marulhar. Tempo de aprender com a senhora dos oceanos. Ao longo do mês de março, o Forum da Cultura da UFJF leva seus visitantes para uma emocionante viagem envolta por água salgada, areia e maresia, guiada pela Rainha do Mar. A exposição “Iemanjá, me ensina a navegar”, em cartaz no Museu de Cultura Popular, traz múltiplas representações icônicas dessa figura, que é um dos orixás da Mitologia Iorubá mais conhecidos, admirados e cultuados no Brasil.
Ao todo, estarão em exibição 18 peças, entre elas, efígies de Iemanjá e miniaturas de barcos e jangadas elaborados por artesãos nordestinos. O objetivo é criar uma ambientação cenográfica para que os visitantes se sintam literalmente em meio a um espaço litorâneo. Tal simbolismo também está ligado ao fato de Iemanjá ser respeitada por pescadores e ser considerada a dona do destino de todos aqueles que se aventuram no mar e a responsável por garantir a fartura de peixes.
Criadas, em sua maioria, em gesso policromado e madeira, as obras em exibição têm como procedência cidades como Januária (MG), Paraty (RJ), Itamaracá (PE), Fortaleza (CE) e Juiz de Fora (MG). Cada artesão imprimiu em sua peça, detalhes que exaltam a beleza dessa figura, popularmente conhecida por seus longos cabelos negros, feições delicadas e presença de muitos adornos. Uma das representações em exibição traz em uma de suas mãos o abebé de prata, um objeto que possui força espiritual para afastar energias negativas, por vezes, retratado como um tipo de leque e em outras, como um espelho.
Iemanjá é lembrada ao longo de todo o ano, entretanto, há datas em que ela recebe ainda mais destaque, como em 2 de fevereiro, quando ocorre a festa que carrega seu nome em diversas cidades do Brasil – principalmente em Salvador – onde, em 2025, a celebração completou 103 anos. O culto à mãe dos mares também ocorre na passagem de ano, quando os devotos fazem ofertórios de velas, espelhos, pentes, flores, sabonetes e perfumes em pequenas embarcações na esperança de que a Orixá leve todas as tristezas, problemas e aflições para o fundo das águas e traga dias melhores.
Um dos destaques da exposição é um altar que alia o natural e o tecnológico a fim de criar um ambiente imersivo para os visitantes. A instalação traz uma representação de Iemanjá envolta por areia da praia, conchas e um telão que traz imagens e sons do mar.
Já para os amantes de música popular brasileira, a exposição também traz as letras de canções que são verdadeiras odes à Iemanjá. Hinos como “Dois de fevereiro”, de Dorival Caymmi; “É doce morrer no mar”, de Dorival Caymmi e Jorge Amado; e “Canto de Iemanjá”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell estão presentes em cartazes com qr codes que facilitam o acesso dos visitantes às plataformas de música online.
Em tempos em que, infelizmente, ainda existe forte intolerância religiosa por parte da população em relação às religiões de matriz africana, o Forum da Cultura segue focado em desconstruir interpretações equivocadas sobre essa temática. “Assim como outras religiões que compõem o nosso rico caldeirão cultural brasileiro, o Candomblé e a Umbanda trazem suas contribuições através das figuras dos orixás da mitologia iorubá. Ao pensarmos nessa exposição, buscamos homenagear Iemanjá por sua forte presença em manifestações populares, nos terreiros espalhados pelo nosso país e, principalmente, na fé de tantas pessoas ligadas ao mar”, pontua o conservador e restaurador de bens culturais, Victor Dousseau. Para ele, trata-se de uma oportunidade ideal para quem busca “conhecer mais sobre a riqueza cultural que os negros trouxeram para o Brasil ao longo do triste período da escravidão e que se tornou um dos pilares de nossa sociedade”, completa.
“Iemanjá, me ensina a navegar” segue em cartaz até o dia 28 de março, com visitações de segunda a sexta, das 10h às 19h. A entrada é gratuita.
As belezas da Mitologia Iorubá
A Mitologia Iorubá é um conjunto de crenças que se baseia na vida em harmonia e em comunidade. Ela nasceu a partir do povo Iorubá, originários da região do alto Nilo. Por volta do século VI, eles estabeleceram-se na cidade de Ifé, na atual Nigéria e até o século XV tornaram-se um poderoso império, cujos domínios se espalharam pela África. Por tal fato, sua mitologia chegou a diferentes localidades do continente, alcançando, mais tarde, as Américas, através das pessoas escravizadas. As comunidades que surgiram no Novo Mundo deram origem a outras religiões, derivadas do Iorubá, como é o caso do Candomblé, no Brasil, e a Santería, em Cuba.
Composta por mais de 400 orixás e milhares de mitos, essa mitologia é fortemente marcada pelo culto à ancestralidade, onde é louvada a continuidade da vida através da figura feminina. Como o registro dos mitos era apenas oral, muitos sofreram alterações com o tempo. Hoje eles possuem múltiplas versões. Por tal motivo, a presente exposição também carrega importância por colaborar com o resgate e a manutenção desses saberes que compõem a cultura do Brasil.
Um mergulho em Iemanjá
Janaína, Marabô, Inaê, Mãe-d’água, Yemaya, Yemoja ou Iemoja são apenas algumas das denominações recebidas por Iemanjá, de acordo com as diferentes regiões onde ela é cultuada. O nome Iemanjá é derivado da expressão Iorubá, que quer dizer “mãe cujos filhos são como peixes”. Ela é representada nas cores branco, prata, azul-celeste e verde-água no candomblé e azul e branco pelos adeptos da umbanda.
Sua figura está fortemente ligada à maternidade e fertilidade. De acordo com a mitologia Iorubá, ela é a mãe de todos os orixás e é por esse fato que o culto aos orixás femininos não se completa sem Iemanjá. A senhora das grandes águas, mãe dos deuses, dos homens e dos peixes, também rege o equilíbrio emocional e a loucura, e está presente em muitos mitos que falam da criação do mundo.
Em uma dessas narrativas, retirada do livro Mitologia dos Orixás, do sociólogo, professor e escritor brasileiro Reginaldo Prandi, conta-se que Iemanjá vivia sozinha no Orum, que é o céu ou plano espiritual. Ali ela vivia, dormia e se alimentava.
Um dia, Olodumare decidiu que Iemanjá precisava ter uma família, ter com quem comer, conversar, brincar e viver. Foi então que o estômago de Iemanjá cresceu e dele nasceram todas as estrelas. Entretanto, as estrelas foram se fixar na distante abóbada celeste e lemanjá continuava solitária.
Então, de sua barriga crescida, nasceram as nuvens. Mas as nuvens perambulavam pelo céu até se precipitarem em chuva sobre a terra. Iemanjá continuava solitária.
Por fim, de seu estômago nasceram, então, os orixás Xangô, Oiá, Ogum, Ossaim, Obaluaê e os Ibejis. Eles fizeram companhia a Iemanjá.
Museu de Cultura Popular – UFJF
Com um rico acervo de mais de 3 mil peças, o Museu de Cultura Popular é um importante espaço de preservação, resgate e valorização da arte oriunda de expressões e tradições populares.
Entre estatuárias, artefatos indígenas, brinquedos antigos, peças de crenças religiosas e outros diversos itens, das mais distintas origens, o visitante tem a oportunidade de realizar uma verdadeira viagem a outros tempos e locais, muitas vezes desconhecidos. O museu abriga objetos da cultura nacional e também de estrangeiras.
As peças, de natureza singular, aguçam a curiosidade e atuam como pontos de contato entre pessoas e culturas diferentes, propiciando, dessa forma, um intercâmbio extremamente importante para a sociedade.
O Museu, criado em 12 de março de 1965 – data que marcou o centenário do folclorista Lindolfo Gomes –, foi transferido para o espaço do Forum da Cultura em 1973, sendo doado à UFJF em 30 de setembro de 1987. Sua origem está no trabalho do Prof. Wilson de Lima Bastos, que criou o então chamado “Museu do Folclore”, mais tarde renomeado como “Museu de Cultura Popular”.
Forum da Cultura
Instalado em um casarão centenário, na rua Santo Antônio, 1112, Centro, o Forum da Cultura é o espaço cultural mais antigo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Em atividade há mais de cinco décadas, leva à comunidade diversos segmentos de manifestações artísticas, abrindo-se a artistas iniciantes e consagrados para que divulguem seus trabalhos.
Endereço e outras informações
Forum da Cultura
Rua Santo Antônio, 1112 – Centro – Juiz de Fora
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E-mail: forumdacultura@ufjf.br
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Telefone: (32) 2102-6306