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Conheça a proposta de descanalizar rios e reintegrá-los às cidades

A proposta de descanalizar rios e reintegrá-los às cidades, com o intuito de valorizar aspectos paisagísticos e melhorar a qualidade da água, é tendência crescente em diversos países. Contudo, a intervenção em cursos d´água no contexto urbano envolve múltiplos fatores, que vão muito além da relação custo-benefício.

Segundo a arquiteta Adriana Sales, que defendeu tese de doutorado sobre o tema na Escola de Engenharia, é preciso considerar também aspectos urbanísticos, tecnológicos, econômicos, políticos, sociais, ambientais e legais, o que torna extremamente complexa a decisão.

Aplicável a diferentes contextos, a metodologia elaborada por Adriana Sales oferece aos gestores a possibilidade de comparar propostas de intervenção, com base em três critérios fundamentais: objetivo, impacto e custo.

O trabalho focaliza cursos d’água de pequeno porte, notadamente na escala dos chamados “corredores fluviais”, e tomou como estudo de caso o córrego Engenho Nogueira, que cruza o campus Pampulha, canalizado na maior parte do trajeto.

A pesquisadora explica que sua intenção, ao propor a ferramenta, é integrar outras variáveis que também têm peso importante para a tomada de decisões. “Esse tipo de análise costuma relegar a segundo plano questões que deveriam ser prioridades no processo decisório, como as relacionadas aos aspectos social e ambiental e à integração urbano-paisagística dos cursos d´água ao seu entorno”, ressalta.

Cenários
Devido à grande variação e às especificidades de cada possível cenário, a ferramenta também precisava ser flexível e aberta à incorporação de novos critérios – ou exclusão daqueles considerados pouco pertinentes. Assim, a metodologia permite ajustes e reformulações, de maneira a garantir seu emprego nas mais diversas situações, assegura a pesquisadora.

“A proposta apresentada exige critério e discernimento por parte do analista, que deve, em cada etapa, considerar as particularidades do seu objeto de análise, selecionar e ponderar indicadores, assim como avaliar e comparar os resultados encontrados”, explica Adriana Sales, que foi orientada pelo professor Márcio Baptista, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Escola de Engenharia.

Ela assegura que, aplicada ao córrego Engenho Nogueira, dentro do campus, “a metodologia mostrou-se simples e de fácil emprego, levando à obtenção de resultados bastante interessantes no que tange à comparação das alternativas de intervenção propostas”.

O estudo teve como objeto três trechos do córrego – o primeiro próximo ao Colégio Técnico, o segundo sob o bloco de ligação da Escola de Engenharia e o terceiro na avenida Mendes Pimentel. As opções foram construídas com base em pesquisa de opinião com 197 pessoas da comunidade universitária, representantes dos três segmentos – alunos, professores e técnicos.

“A manutenção dos cursos d´água a céu aberto – como elementos integrantes da paisagem – foi a opção da maioria dos entrevistados”, destaca Adriana Sales, lembrando que apenas duas pessoas apontaram a necessidade de área para estacionamento, enquanto o restante apoiou a ideia de ambientes de lazer e paisagismo.

O estudo, já apresentado à administração da Universidade, oferece diferentes alternativas de integração do curso d’água à paisagem do campus. Para o trecho do córrego que passa no subsolo, próximo à Praça de Serviços, em frente à esplanada da Reitoria, o estudo comparou quatro sugestões.

A primeira propõe o fechamento do trânsito em um quarteirão, nas duas vias da avenida Mendes Pimentel, com abertura do córrego e integração da área que liga a Faculdade de Ciências Econômicas à esplanada, e o fechamento de uma pista da rua Eduardo Frieiro, entre a avenida Mendes Pimentel e o quarteirão do IGC.

A segunda alternativa também prevê o fechamento das pistas em frente à Reitoria, conjugado com intervenção em outro trecho do córrego, que passaria a correr a céu aberto em área ocupada por gramado, em terreno lateral adjacente à Reitoria. A terceira hipótese sugere interferência somente nesse trecho do córrego que fica em área de gramado, o que evitaria qualquer mudança na avenida principal do campus.

A quarta proposta prevê apenas intervenção no subsolo, com construção de galerias, para evitar o transbordamento do curso d’água. “Essa alternativa seria a mais cara”, compara a pesquisadora.

Além do estudo de caso no campus, a pesquisa foi desenvolvida também na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, na Secretaria de Habitação de São Paulo e na Universidade Politécnica da Catalunha, em Barcelona (Espanha), em programa de doutorado sanduíche.

Para a autora, o intercâmbio de experiências no Brasil e no exterior foi “de suma importância na aproximação do campo científico com a realidade das questões urbanas”, e o trabalho é fruto desse conjunto de vivências, que permitiu a construção de um caminho de mão dupla entre academia e prática.

Soluções integradas
Segundo Adriana Sales, a preservação de sistemas naturais remanescentes e a restauração de ambientes degradados têm levado gestores e pesquisadores a buscar soluções ambientalmente mais integradas, em conjunto com as tradicionais técnicas de engenharia.

A pesquisadora destaca algumas propostas formuladas no exterior de reintegração de rios à paisagem das cidades, “embasadas em conceitos que procuram compatibilizar inúmeras demandas”. No Brasil, todavia, as iniciativas são mais tímidas. “Elas estão centradas em cursos d´água ainda não canalizados e em intervenções de pequena escala, tanto em termos espaciais quanto de escopo”, compara.

De acordo com o professor Márcio Baptista, a água vem ganhando crescente importância nas decisões relativas ao planejamento urbano, e ferramentas como a que Adriana Sales propõe são fundamentais. Baptista explica que embora na maioria das vezes não seja possível dar ao ambiente a configuração original, a ideia é oferecer melhores condições para a ocorrência dos processos hidrológicos, geomorfológicos e ecológicos em cursos d’água degradados, atendendo ao conceito de restauração.

(Ana Rita Araújo/Boletim 1815)

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