Os EUA se transformam nos grandes vilões das negociações sobre saúde da Rio+20 ao vetarem todas as referências contidas no rascunho do documento final sobre o acesso universal a cuidados médicos e a remédios; e ao se oporem completamente à sugestão do Brasil de quebra de patentes de remédios em casos de pandemia ou outras emergências. Apesar dos revezes, negociadores brasileiros consideram que houve avanços significativos e que o texto final refletiu essas conquistas. Até um mês antes da Rio+20, a saúde sequer estava incluída nas negociações.
Entre os avanços mais significativos estão o reconhecimento de que a saúde da população está diretamente relacionada à sustentabilidade, como queria o Brasil. “Entendemos que os objetivos do desenvolvimento sustentável só podem ser alcançados na ausência de uma alta prevalência de doenças transmissíveis e crônicas e onde as populações possam alcançar um estado de saúde física, mental e bem-estar”, sustenta o documento final. Os países fecharam também o compromisso de redobrar os esforços de prevenção e tratamento de Aids, malária e tuberculose.
Não havia uma menção à saúde no rascunho do documento final da conferência. Agora, são nove parágrafos. Considera-se uma excelente evolução. Acho que houve uma mudança de atitude muito importante no que diz respeito ao tema. Essa abordagem conceitual sobre saúde e sustentabilidade foi aceita e isso é muito importante. Uma sociedade com alta prevalência de doenças não pode ser sustentável.
Outros avanços que constam como acordados são o reconhecimento de que as doenças crônicas (como câncer, diabetes e problemas cardiovasculares) constituem um dos maiores desafios para o desenvolvimento sustentável no século XXI; e o de que a redução da poluição do ar e da água tem um impacto positivo na saúde.
Brasil queria aprovar genéricos contra Aids
Isso foi possível porque o G-77 (o grupo de 130 países em desenvolvimento) adotou completamente a visão do Brasil sobre o tema, passando a atuar de forma coesa, e também porque, na maior parte das vezes, a União Europeia, embora não tenha necessariamente apoiado todas as menções, tampouco se opôs a elas, evitando obstáculos a sua aprovação.
Com isso, o papel de vilão ficou com os EUA. Um parágrafo inteiro, que se refere à possibilidade de quebra de patentes de medicamentos para produção de genéricos em casos de pandemias e emergências em países em desenvolvimento, foi totalmente descartado a pedido dos negociadores americanos. O parágrafo cita os acordos da Organização Mundial do Comércio sobre patentes que permitiram que o Brasil passasse, por exemplo, a produzir medicamentos genéricos contra a Aids.
Os EUA também pediram a retirada de textos que implicariam em comprometimento com o acesso universal à saúde e medicamentos. No segundo parágrafo, por exemplo, o texto original estabelecia: “reconhecemos que a cobertura universal é fundamental para promover a saúde, a coesão social e um desenvolvimento humano e econômico sustentáveis”. Com o veto americano, ficou: “reconhecemos os benefícios da cobertura universal para aprimorar a saúde, a coesão social…”. Sutilezas diplomáticas que fazem a diferença.
Os EUA mudaram o parágrafo que trata da luta contra Aids, malária, tuberculose e outras infecções que assolam países pobres e são negligenciadas pelo mundo desenvolvido. No documento, os países se comprometem a ampliar a prevenção e o tratamento e frisam que pretendem “redobrar os esforços para alcançar acesso universal à prevenção, tratamento e apoio do HIV” e para eliminar a transmissão de mãe para filhos do vírus. Na parte do texto que aborda doenças crônicas, o original pedia “o comprometimento com o fortalecimento dos sistemas de saúde para oferecer uma cobertura universal, prevenção, tratamento e apoio”. Em ambos casos, os EUA pediram a retirada do termo “universal”.
Vaticano rejeitou menção à saúde reprodutiva
Outro país que bloqueou partes da negociação foi o Vaticano, que pediu a exclusão das menções à saúde reprodutiva. Num único parágrafo, que trata do compromisso de reduzir a mortalidade materna e infantil e melhorar a saúde de mulheres, adolescentes e crianças, há seis vetos do Vaticano a expressões como “sexualidade”, “saúde sexual” e “saúde reprodutiva”.